Estou perdendo a noção de tempo. Trocando o dia pela noite, assim como os vampiros. Desde que fugi de Portland eu não me lembrava de ter dormido mais do que quatro horas, mas depois de ter levado meu corpo ao extremo do cansaço não pude evitar. Simplesmente desliguei. Feito um objeto inanimado. O mais estranho nem foi eu ter conseguido dormir doze horas consecutivas, foi ter passado a maior parte dessas horas sonhando com Isaac.
Enquanto caminho pela casa a procuro da tal academia um pensamento insistente preenche minha mente. Eu e ele somos opostos, de várias formas, mas estranhamente semelhantes. Como duas partes de um vaso quebrado. Talvez seja essa a razão de sua cara amarrada ter aparecido tanto em meus sonhos, porque sinto que de todas as pessoas nessa casa Isaac seria o único realmente capaz de me compreender. Lutamos demais contra os sentimentos, negligenciamos as dores e nos sentimos solitários.
Passo por uma porta duplex de vidro e lá está ele. Vestindo uma bermuda preta de pano extremamente fino e revelador. Com uma camiseta cavada encharcada de suor e um olhar concentrado no rosto. Isaac está socando um saco de areia. Acredito que esteja controlando a força já que sabemos que ele tem poder para arrebentar esse saco a qualquer segundo.
Enquanto entro na academia acabo tropeçando em alguns pesos no chão. Ele olha para mim surpreso. Dou um sorriso sem graça e me justifico:
— Você disse que eu podia aparecer.
— Claro. — Responde se afastando do saco de areia e pegando uma toalha sobre a bancada. — Aconteceu alguma coisa?
— Não nesse momento.
Começo a fingir interesse pelos equipamentos de musculação para amenizar o clima estranho e enquanto caminho sou acompanhada pelos olhos de Isaac. Ele espera que eu diga mais alguma coisa e é claro que eu tenho que dizer já que fiz a idiotice de vir até aqui.
— Então esse é o seu lugar? — Pergunto subitamente.
— Bem previsível, eu suponho.
— Se eu pudesse definir o interior de alguém o seu seria exatamente assim.
Noto meio sorriso surgir em seus lábios ao ouvir, mas logo o silêncio volta a nos fazer companhia. Aperto os olhos quando nos encaramos e quase sussurro:
— Pode me perguntar alguma coisa para eu não me sentir tão estúpida?
— Porque se sentiria estúpida?
— É que na minha cabeça não seria tão estranho eu vir até aqui.
— Eu disse que podia vir, não disse?
— Sim, mas... Você estava em um momento... Sei lá...
Vendo meu desconforto Isaac se abaixa para tirar alguns pesos do chão e faz uma pergunta enquanto se movimenta:
— Me conta, você tem ou já teve algum lugar?
— Sim, eu... Se chamava Providence Portland Medical Center.
Suas sobrancelhas se erguem e não sei dizer se está chocado ou admirado. Enquanto distribui os pesos nas prateleiras ele faz uma nova pergunta:
— Sente falta?
— Para ser honesta as vezes nem me lembro, mas quando lembro fica... Difícil.
— E é só do trabalho que sente falta?
Sorrio para esconder a dor e o peso das lembranças, então respondo:
— Tinha uma pessoa. Alguém importante pra mim e eu... Sinto muita falta.
— Namorado?
— Não sei dizer... Tenho o péssimo hábito de complicar coisas simples. As vezes não parecia certo porque sempre imaginei que o amor de verdade fosse desesperador. Do tipo que sufoca, leva a loucura e nos obriga a fazer coisas que nunca imaginamos fazer. Com ele era seguro, calmo e confiável.
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Filhos das Trevas - A Última Necromante
FantasySienna é uma médica dedicada de um hospital renomado em Portland. Viciada em trabalho, ela encontra na rotina frenética uma forma de esconder sua verdadeira natureza. Tudo parecia correr bem, até ela receber a visita de um homem enigmático, chamado...