Capítulo vinte

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Um vestido azul céu realçava ainda mais a cor de seus olhos. Seus cabelos presos para trás deixava o contorno de seu rosto à mostra e sua tiara, a qual não era usada a muito tempo, pesava ainda mais do que o de costume.

Mesmo assim nada mudava a sua decisão. Não que seu amor fosse contestável, ela amava o seu reino por isso precisava protegê-lo, ela amava sua mãe por isso precisava libertá-la, amava a si mesma a ponto de entender que não nasceu para ficar sentada enquanto outra pessoa resolvia as coisas por ela. Sua determinação era implacável, princesa ou não, precisava mostrar que sua delicadeza não era determinante para sua luta. Nasceu e foi criada para servir a nação ao lado de um futuro rei, somente consentindo com as decisões dele e lhe dando os filhos que herdariam todas as riquezas, mas seu coração sempre fora inclinado para descobrir mais, cavar fundo até chegar nas profundezas de sua resistência, alcançar o inalcançável, abraçar a razão e abandonar de uma vez o que sempre fora lhe ensinado como certo. Estava na hora de abdicar de sua paz, de sua vida fácil e seu mundo complexo e sujo.

— Com licença princesa, todos já estão no salão principal — uma moça apareceu entre o vão da porta — devemos anunciar a sua descida?

Avice assentiu.

Quando o vulto da moça saiu de sua linha de visão, ela se virou para o espelho e encarou o próprio reflexo. As lembranças invadiram seus pensamentos, ali estava ela novamente, porém dessa vez não existia um Thomaz Righ para invadir o seu quarto e pegá-la desprevenida lançando palavras ao vento, uma lembrança chamou a outra e quando percebeu, novamente estava pensando nele. A saudade doeu no fundo de seu peito, mesmo tentando não demonstrar de forma alguma o quanto estava sofrendo com a ausência dele, nada nem ninguém, poderiam mudar isso; por dentro ela estava destruída.

Caminhando pelo corredor com as duas mãos em frente ao cós de seu lindíssimo vestido, sentiu a sensação de pavor e um frio na boca do estômago, estava prestes a ser apresentada como futura rainha. Claro que não era o momento ideal para seu pronunciamento e rejeição ao trono, o plano precisava estar mais que perfeito e ainda existiam algumas pontas soltas que precisavam ser discutidas com seus aliados. Momentaneamente, ela agiria como a antiga Avice, por mais difícil que fosse.

Assim que chegou próxima a escada olhou para baixo, tinha tantas pessoas que era impossível contar a dedo. Vestidos coloridos demais e alguns sem graça demais, lordes, duques, príncipes de outras províncias com seus bigodes falsos e extremamente ridículos, sem contar em alguns que usavam um certo tipo de peruca totalmente fora de moda.

Como aguentou esse mundo falso por tanto tempo?

Todos os olhares estavam focados nela, não havia uma pessoa sequer que estava desatenta.

— Avice Campbell — a voz do rei ecoou no salão — futura rainha de Guersi.

Aplausos fizeram o fundo musical para sua descida até o salão. Quando pisou no primeiro degrau, identificou seus pais que estavam ao lado direito da escada, suas roupas estavam impecáveis, a postura ereta e o olhar orgulhoso, apesar de parte de tudo aquilo ser uma encenação. No segundo degrau, Nolan estava ao lado esquerdo, certamente era o responsável por acompanhá-la até o centro para iniciar a primeira dança da noite, ao pisar no terceiro degrau, viu Júlia recuada como se observasse a movimentação a cada segundo, no quarto degrau, conseguiu encontrar o seu irmão acompanhando Léa, entre a multidão. Quando finalmente terminou de identificar todos que conhecia, acelerou os passos até chegar ao fim dos degraus.

Nolan estendeu a mão e ela segurou, como de costume em uma dança. Ambos caminharam até o centro do salão e começaram a deslizar em passos tradicionais, acompanhados pelo agradável som de violino, que por diversas vezes permitiram que seus olhos se encontrassem, mas só para alimentar toda aquela farsa e não deixar pistas sobre o que estavam tramando. Mesmo assim, para quem os conhecia verdadeiramente, era impossível engolir aquela cena, estava claro que não existia sentimento, tampouco possibilidade dele surgir.

— Isso está tão forçado — Nate sussurrou para Léa — quanto ao meu compromisso em Campbell.

— Sabemos o que Avice está sentindo — Léa o encarou — e devemos admitir que a força dela excede os limites permitidos para o ser humano.

— Por que diz isso? — Nate semicerrou os olhos, pressionando-a — está escondendo algo de mim?

— Eu deveria? — Léa sorriu, disfarçadamente — acho que já podemos dançar…

— Acha que não sei que está me enrolando?

— Se você diz — ela ergue os ombros — nunca pensei que chegaríamos nesse nível.

— Qual? — Nate segura na cintura de Léa, a posicionando para dançar.

— Calúnia!

Nate era esperto, sabia que Léa estava escondendo alguma coisa, contudo, ora ou outra descobriria. Naquele momento, a única coisa que importava era aproveitar cada segundo ao lado de quem mais amava no mundo, sua querida Léa.

. . .

— Filho, eu preciso da sua ajuda — a voz de Órion invadiu os pensamentos de Thomaz.

O rebelde desviou os olhos para o homem que se sentava próximo a ele.

— No que você pensa? — questionou — desde que todos se foram parece que está envolto em uma cúpula.

— Júlia os acompanhou e eu fiquei aqui — confessou Thomaz — pensei que a fuga deles resultaria em algum tipo de guerra surpresa, um ataque, não sei… pedi para Júlia impedir o retorno de Avice, assim ela não se sentiria culpada pelo que supostamente iria acontecer… e olha só. Tudo está tão em paz que me assusta.

— Os soldados do rei ainda estão em torno do vilarejo, Thomaz. Vasculhamos hoje pela manhã e estão em todos os cantos.

— E o que podemos fazer? Eles estão vigiando a quem? A mim?

— Por isso que preciso do meu filho — Órion bateu em seu ombro — aquele que treinava rebeldes e os encoraja a ir à luta.

— Acha mesmo que seremos alvo?

— Já somos o alvo Thomaz, e eu já tenho muitos planos para nós e para quem quiser nos ajudar. Estamos em desvantagem, temos de recrutar pessoas que queiram se defender da fúria do rei. Acha mesmo que ficará desse jeito? É só questão de tempo para os soldados invadirem isso aqui e destruírem todo o vestígio de humanidade desse lugar.

— Conte comigo pai, quais são os planos?

— No momento, treiná-los para que tenhamos alguma chance, o resto eu conto assim que você me disser que eles estão preparados para avançar.

— Eu não vou ir atrás da guerra e não vou colocá-los no meio de toda essa confusão — Thomaz respondeu com a voz embargada.

A responsabilidade estava em suas mãos, ver todas aquelas pessoas sofrerem as consequências de sua tentativa de resistência era pesado demais para suportar. Guersi não tinha guerra e jamais fora verdadeiramente o seu foco, e isso deveria permanecer assim.

— Thomaz — Órion o encarou com compaixão — não estamos indo atrás da guerra, já estamos no meio dela. Não treinar esses homens será como jogar terra em seus túmulos. A chance de defesa é o mínimo que podemos lhes oferecer e eu não posso fazer isso sem que você assuma de uma vez por todas quem você é e o que você veio fazer aqui.

— Ironicamente vim aqui para matar a mulher por quem me apaixonei.

— E não fez e nem quero que faça isso, eu sei que o rei está sob a influência de Ara, isso significa que o tempo está curto.

A única coisa que viera de encontro com os pensamentos dele, fora o casamento real.

— Só há uma coisa que abafa um trágico acontecimento…

— Uma novidade no castelo — Thomaz finalmente conseguiu olhar nos olhos do pai.

— Um casamento esperado há dezesseis anos — Órion se levantou — aguardo sua resposta até o fim do dia.

Dito isso, saiu.

Thomaz ficou ali, estático. Seus pensamentos estavam a mil e ele não conseguia pensar em uma decisão. Fora quando, Margareth surgiu repentinamente e sua voz irritante penetrou os ouvidos do rebelde:

— Não fique triste, ela não merecia alguém como você…

— Você não consegue ficar quieta?!

. . .

A princesa prometidaOnde histórias criam vida. Descubra agora