Nove

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Chego na escola procurando por Analua, mas não consigo ver nenhum vestígio de onde ela possa ter se enfiado. De longe, consigo notar as mechas dos cabelos cor-de-rosa de Mari se aproximando. Era só o que me faltava.

- Como você está, Lis? Parece que está procurando alguém. - Diz Mari parando bem em minha frente.

- N-não estou procurando ninguém em especifico.

- Hum... ok então. - Mari fala entortando a cabeça como quem duvida da minha palavra.

- Olha - suspiro antes de começar a falar. - Sobre esse boato que estão dizendo... - Eu começo a dizer coçando a nuca, mas Mari me interrompe.

- Sobre o Jonas ou Analua? - Ela pergunta me olhando nos olhos. - Escuta, independente de qual seja, eu estou bem com isso. De verdade. Me preocupa mais como você está se sentindo com isso. Quer dizer, Analua nunca me falou nada sobre você, mas nem todo mundo reage bem com um boato assim. Sabe? - Ela pensa um pouco e diz delicadamente - Sobre ser associada a alguém do mesmo sexo.

Fico boquiaberta com tamanha maturidade da Mari. Achei que ela viria me julgar, assim como todos estão fazendo. Principalmente por ela ser a garota que estava com a Analua.

- Não sei o que te dizer. - Desvio o olhar tentando não demonstrar minha surpresa. - Mas eu estou bem quanto a isso. Não tenho problemas com a minha sexualidade. Isso não é para mim.

- Ok. Só tente não ser cruel consigo mesma.
Mari me acompanha até a sala, enquanto jogamos conversa fora. Eu nunca tinha realmente trocado alguma palavra com ela antes. Mas ela parecia ser muito mais legal do que eu imaginava.

Me sentei no local de sempre, na esperança que Analua ainda fosse aparecer, mas tudo indicava que ela havia faltado. Droga. Nossa conversa vai ter que esperar.
Não consigo prestar atenção na aula e fico rabiscando meu caderno até o sinal bater. Até que o tempo passou rápido. Quando estou saindo da sala, dou de cara com Jonas parado no corredor. Ele parece muito ansioso, mexendo em seu cabelo o tempo inteiro.
Quando ele me vê, abre um sorriso largo que faz meu coração errar uma batida.
Uau. Isso sim é novidade, penso comigo mesma. Sorrio de volta para ele.
Talvez - só talvez - eu esteja mesmo errada sobre Jonas. Talvez ele mereça uma chance para se redimir.

- Oi! - Ele diz quando se aproxima de mim. - Podemos almoçar juntos?

- Você não vai desistir tão cedo, vai? - Pergunto rindo. Eu estava inclinada a aceitar. Afinal, talvez eu deva um pedido de desculpas a ele pela noite do cinema.

- Não pretendo. Você não vai resistir por tanto tempo, vai? - Ele devolve rindo também.

Balanço a cabeça enquanto ele me oferece o braço direito como se fosse um cavalheiro do século XVIII para que pudesse me acompanhar até o refeitório.
Bom, se eu era motivo de fofoca ontem, com certeza serei hoje também. Mas não sei se estou achando tão ruim assim dessa vez.
Vejo Lou me observando enquanto entro no refeitório com o braço enganchado no de Jonas. Ao mesmo tempo, consigo ver a cara de choque de Chris logo atras da minha melhor amiga. Não demora muito até ela comece a caminhar em nossa direção com passos raivosos. E começo a rezar para não levar um soco.

- Ficou com pena dela? - Chris fala alto suficiente para que todos parem o que estão fazendo e nos olhe também. - Ridículo.

- Como assim? - Jonas pergunta incrédulo.

- Suponho que só pode ter sido por pena. Em um dia, todos estão comentando que você deu o fora na patética da Lis. E no outro, vocês aparecem como se fosse um casal. - Ela vocifera.

- A outra teoria é que você deve estar ganhando uma aposta muito alta para fazer essa ceninha. - Chris me olha de cima a baixo com a maior cara de nojo que ela consegue exibir.
Todos continuam nos encarando como se fossemos uma maldita novela das nove.

- Ei! Também não precisa ofender, Chris. - Lou aparece do nada tentando interferir a discussão. - Pare com isso.

- Ela não sabe se defender sozinha? - Chris debocha.

- Ele me chamou para almoçar. - Tento explicar, mas paro no mesmo instante que Chris começa a gargalhar e ouço outros risinhos por todo pátio. Minha bochecha arde.

- Venha, Lis. Isso é perca de tempo. - Jonas tenta me puxar para longe.

Enquanto me afastava, só conseguia olhar para o rosto das pessoas que davam risada de mim. Era humilhante. Eu não deveria me sentir mal com isso, pois só significaria que estava caindo na pilha da Chris. Do jeitinho que ela queria. Mas na verdade isso estava me deixando fora do sério. O que raios essa garota tem contra mim? Por que ela não me deixa em paz? Ela é obcecada pelo Jonas. Louca. Me atacar desse jeito no meio de todo mundo. Minha cabeça começa a girar com todos esses pensamentos, e quanto mais lembro de tudo que ela acabara de dizer, mais sinto a raiva crescendo em mim. Então, antes que eu pudesse pensar duas vezes na ação que eu estava prestes a tomar, me viro para Jonas e colo os meus lábios nos dele. No minuto seguinte, o refeitório fica em silêncio absoluto. Pego Jonas desprevenido com essa atitude, mas logo ele acompanha o meu beijo. Posso sentir o seu hálito fresco e seus lábios macios. Sinto sua mão segurando fortemente a minha cintura. E, ainda com os lábios colados nos seus, subo as minhas mãos para os seus cabelos.
Alguns segundos depois nos desgrudamos, pois precisávamos de ar. E, quando me viro em direção a Chris para ver sua cara de tacho, posso ver o rosto de Analua no fundo com uma expressão indecifrável. Assim que os meus olhos encontram com os seus, ela balança a cabeça e sai do refeitório sem nem olhar para trás.
Sinto a mão de Jonas apertando a minha e volto para realidade. Meu deus. O que foi que eu fiz? Espera. Eu não devo satisfação para ninguém. Posso fazer o que eu bem entender. Calma. Respira. Será que foi uma decisão ruim? Não. Foi só uma decisão rápida. Fácil. Um pouco satisfatória, devo admitir.

- Espero que isso sirva para você calar a sua boca. - Junto minhas últimas forças para jogar isso na cara de Chris e saio do refeitório abrindo caminho entre as pessoas.

Me apresso pela mesma porta que Analua tinha acabado de sair. Mas ela simplesmente desapareceu. Merda. Sem chances de conseguir falar com ela ainda hoje. Sento-me no banco mais próximo tentando me recuperar de tudo que acabou de acontecer, mas Lou já estava do meu lado tagarelando sem parar em como finalmente eu fiz o que sempre queria e como eu deveria estar me sentindo nas nuvens com isso. Só que eu estava confusa pra caralho, na real. E, sim, um pouco eufórica também. Era insano demais pensar que eu finalmente tinha tomado coragem para beijar o Jonas. Não tinha sido tão bom quanto achei que seria, mas também não tinha sido ruim. Não mesmo. Sorrio sozinha lembrando do beijo.

- Lis, você tá bem? Tá me escutando? - Lou chama minha atenção.

- Acho que sim. - Olho para ela finalmente. - Ainda não acredito que fiz isso na frente da escola toda.

- Mas foi bom, não foi?

- Sim.

- Viu! Eu estava certa!!! - Lou comemora.

- O que eu vou fazer agora?

- Continuar com Jonas. Dã. - Ela bate em meu ombro de leve. - Ele parece que gosta de você.

Penso nisso por um momento. Eu poderia tentar algo com Jonas. Foi o que eu sempre quis em toda minha vida. Charlote disse que isso aconteceria. Vai ver ela é mesmo vidente. Só tem um problema: ficar com Jonas iria trazer me uma popularidade que não sei se estou disposta a enfrentar.
Jonas me oferece companhia até a minha casa, e eu nem penso em recusar. Naturalmente ele caminha ao meu lado com os braços em volta do meu pescoço.

- Você está bem com toda aquela situação com a Chris? - Jonas pergunta enquanto caminhamos.

- Sim, mas acho que te devo desculpas.

- Desculpas? Pelo o quê?

- Por te beijar sem você esperar. Eu não iria gostar se fosse ao contrário. - Falo sem graça. - Então, me desculpa.

- Olha, não tenho nada do que reclamar. Aliás, por mim, você pode me beijar quando quiser. - Jonas diz me arrancando risadas.

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