Dois

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Christiane Jardel, a anfitriã da festa com a temática de terror, onde todos deveríamos ir fantasiados como algum serial killer de filme ou como uma bruxa saída diretamente de um conto. Apesar de adorar o gênero de terror e suspense, não acredito que adolescentes irão ser fiéis às fantasias e parecer realmente assustadores. Quero dizer, a própria Chris, por exemplo, deve estar se vestindo como uma feiticeira sensual de minissaia e meias três quartos listradas. Suspeita que se tornou totalmente verdadeira quando Chris atendeu a porta enfeitada com teias de aranha da sua casa.

- Oi meninas! – ela disse estridentemente fazendo meus ouvidos doerem. Acho que o pinscher do vizinho até latiu com sua voz aguda. – Lou, adorei sua fantasia de diabinha! Tá arrasando. E você... qual sua fantasia, fofa? – ela me encarou dos pés a cabeça. – Oh, ninguém lhe contou que era uma festa a fantasia?

- Deixa ela em paz CJ, já foi muito difícil arrasta-la até aqui – Lou riu disfarçando a falsidade eminente de Chris.

-Desculpe, meu body-super-sexy-de-bruxa-vadia estava para lavar – Não aguentei e tive que retrucar. Valeu a pena mesmo com Lou me beliscando para calar a boca.

- Rá, engraçadinha. – Chris se limita a dizer. - Entrem e fiquem à vontade. O ponche está na cozinha. – Ela dá um passo para trás dando um sorriso forçado. Tão ardilosa que me dá enjoo.

A casa da Chris é uma mansão digna dessas de novela, a sala de estar era tão espaçosa e glamurosa. Ela deve ter gasto um tremendo dinheiro com todos esses enfeites, tudo para manter o seu status de menina soberba. A família dela é dona de uma pousada beira-a-mar aqui na cidade de Águas de Sant'Anna, eles são tão ricos que teriam dinheiro suficiente para bancar a cidade toda se quisesse. A riqueza deles é destoante para os padrões dessa cidadezinha praiana tão pequena, tão pequena que , às vezes sinto que moro dentro de um globo de suvenir que vende na loja de lembrancinhas do centro.

A festa foi perfeitamente planejada, uma coisa não posso negar: Chris sabe como dar uma festa. Havia uma mesa de DJ, pista de dança, luzes, fumaça e um palco com alguns instrumentos num canto da sala.

- Eu não sabia que ia rolar show ao vivo. – Eu disse analisando os instrumentos no palco.

- Jonas e a banda vão tocar! – Lou diz entusiasmada.

- A "banda" nem tem nome. – Desdenhei.

- Você está muito desinformada. A Space Junk tem feitos vários shows pela cidade. – Escuto uma voz masculina atrás de mim. – E me ofende saber que você nem a conhece. – Me viro e vejo Jonas com a mão sobre o seu peito fingindo estar chateado com o que eu disse.

- Ah é? Achei que só tocasse para ganhar garotas – Sinto minhas bochechas queimarem de vergonha. Quem o convidou para conversa?

-Ei! A música é minha vida. Você vai ver, hoje vou te fazer mudar de ideia. – Ele diz saindo com um sorriso presunçoso na cara.

Revirei os olhos para Lou enquanto ela ria da minha cara.

- Olha para vocês discutindo, formariam um belo casal.

- Esquece essa história. Pensar que gostei dele um dia foi apenas um delírio. – Me defendi.

Tinha muita gente tanto dentro quanto fora da casa, mas assim que a banda subiu no palco, a sala gigantesca pareceu pequena com a aglomeração.
Jonas afinava sua guitarra vermelha que combinava perfeitamente com sua capa vermelha-sangue indicando que aquilo era uma tentativa de ser um vampiro. Patético. Enquanto passava meus olhos pelo resto da banda, paralisei ao ver o baixista que parecia uma criatura angelical com cachos leves caindo sobre seu rosto delicado e ele também estava sem fantasia o que me fez dar uma leve risadinha. A criatura-ainda-sem-nome sobre a qual eu não fazia ideia de quem era começou a cantar o primeiro refrão da música e pude perceber que na verdade ele não era ele... ele era ELA.

O choque foi tão intenso que senti vergonha por me sentir atraída em primeiro momento pelo garoto que na verdade era uma garota. Mas meus olhos não conseguiam desgrudar dela, ou de como seus cachos balançavam conforme ela se movia. Ela cantava tão bem, isso só reforçava a concepção de que ela parecia um anjo. Quem é essa garota? Devo ressaltar que Águas de Sant'Anna é minúscula e todos se conhecem por aqui, então ela com certeza é nova na cidade.

- Ela é ótima, não é? – Escuto Lou gritar acima do som enquanto balançava no ritmo da música. – Fontes me disseram que ela é prima do baterista e acabou de se mudar para cá. – Ela conta parecendo que leu a minha mente. – Falando nisso, o baterista tá um gatinho.

- Será que nós podemos ir lá fora um pouco? Está muito abafado aqui. – Mudo de assunto.

Quando passamos pela porta que dava acesso a piscina iluminada de azul turquesa, o vento gelado bateu contra meu rosto e me senti aliviada pela primeira vez dentro daquele lugar. Ainda dava para ouvir o som abafado na parte de fora.
Eu não costumo beber, mas mesmo assim peguei um copo de cerveja depois de Lou insistir dizendo que eu iria me sentir mais enturmada. Sinto um pouco de pena de Lou às vezes. Sinto mesmo. Deve ser um saco ser minha amiga. Eu deveria me esforçar para parecer mais agradável e sei disso. Mas toda essa coisa fútil de adolescência não me anima. Eu fazia mais o tipo antiquada, que prefere passar a sexta-feira à noite em casa vendo TV.

- Então, por que será que essa garota veio morar aqui? Ela não foi avisada sobre o termo de reclusão e tédio de Águas de Sant'Anna? – Puxo assunto.

- Bom, isso eu também não sei. – Ela diz, e depois de uma breve pausa acrescenta:

- Ainda.

Eu não duvido nada, Lou está sempre bem informada sobre a vida alheia.

- Ela tem um jeito diferente.

- Você parece estar bem interessada.

- Nada a ver.


Um tempo depois as pessoas começaram a desaglomerar e circular pela casa novamente, o que significava que o show havia acabado. Lou sumiu naquele momento e entendi como um "vou pegar alguém e já volto".
Sentei-me em umas das cadeiras do deck da piscina e avistei garota nova saindo para fumar. Seu olhar veio de encontro ao meu, e pude sentir uma corrente elétrica descer pelo meu corpo. Desviei o olhar na mesma hora e vi que Lou se aproximava dela com o baterista enganchado em seu ombro. Ela não perdia tempo mesmo.
Eles conversaram por alguns segundos e se viraram em minha direção. Estavam rindo de algo quando Lou acenou chamando para me juntar aos três.

- Essa aqui é a Analua. A garota que te falei – Lou me apresenta.

-Oi. – Analua disse empurrando seus óculos redondos no nariz.

- Oi, sou a Lis. – Falo um pouco tímida.

- É um prazer te conhecer, Lis. – Analua diz e logo depois se vira para o baterista:

– Edu, você não tinha dito que essa cidade tem tantas garotas bonitas.

Meu deus.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, me assusto com uma menina de cabelo cor-de-rosa que pula direto no pescoço de Analua e a beija.

- Desculpe, não ligue para minha prima. Ela não resiste a uma piadinha galanteadora. – Eduardo, o baterista, disse enquanto as duas se afastavam de nós.

- Ah, eu não sabia que ela era... – Comecei a dizer quando fui cortada pelo Jonas.

- Olha se não é minha fã número um! – Ele grita com os braços para o alto, como se estivesse prestes a me abraçar. O que ele não faz, obviamente. – E então, o que achou do show?

- Deu pro gasto. – Respondo sem paciência. Lou me reprende com o olhar e logo em seguida diz a Jonas:

– Vocês estavam arrasando lá em cima! Especialmente o baterista. – Diz apertando as bochechas de Eduardo.

- Ai meu deus! Jonas, você estava incrível! Adorei a sua fantasia. – Um bando de garotas surge do nada para cumprimenta-lo e paparica-lo.

- É, parece que estou sobrando aqui. – Falei mais para mim mesma. E ora, vejam só, eu estava certa, Jonas toca apenas para ganhar garotas, pensei.

- Lis, vamos? Já passou da hora da estressadinha dormir. – Lou se despediu do pessoal. E quando digo pessoal, quero dizer 10 minutos de melação com Eduardo até finalmente conseguirmos sair da casa.

ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora