Três

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Na manhã seguinte minha cabeça latejava como se alguém estivesse martelando dentro do meu cérebro. Ainda bem que hoje não temos aula. Qual a vantagem de se beber álcool? Sério. Acho que não funciona direito para mim, nem bêbada conseguiria me enturmar ou dizer a coisa certa. Como se eu precisasse disso para passar vergonha. Comecei a me lembrar da noite passada e enviei uma mensagem para Lou:

"Oi. Eu sonhei ou você realmente pegou o baterista?" – entregue às 11h34

"Você sabe que eles só fazem isso pelas garotas, né?." – entregue às 11h35

"Relaxa, ele beija muito bem." - recebida às 11h35

"QUAL A PROBABILIDADE DISSO DAR CERTO?" – entregue às 11h36

"Nossa Lis, não é como se eu fosse me casar com ele." - recebida às 11h37

"Depois não diga que eu não avisei." – entregue às 11h37

"Falando nisso, marquei de ir ao Shark's Burguer com ele e a prima dele hoje." – recebida às 11h38

Analua, a garota com piadinhas galanteadoras? Nem pensar. Com certeza eu diria algo constrangedor na frente dela e, quer dizer, eu nem a conheço direito ainda. Meu celular vibra novamente interrompendo meu devaneio:

"Vamos, vai. Ela precisa conhecer a cidade e fazer alguns amigos." – recebida às 11h40

"Ela parece ter amizades já." – entregue às 11h40

Por que isso estava me deixando tão incomodada? Talvez fosse só a dor de cabeça. Ouço duas batidas na porta do meu quarto:

- Querida, deixei seu almoço pronto. Estou indo para o meu turno extra de hoje. – Minha mãe fala atrás da porta. – Qualquer coisa chame a Charlote.

Minha mãe trabalhava como enfermeira no único hospital de Águas de Sant'Anna, e, apesar da cidade ter menos que cem mil habitantes, no fim do ano faz calor e a cidade enche de turistas que vem visitar as praias. Isso significava um grande aumento de pessoas com queimaduras de água-viva, desinteria por causa do camarão, ou até mesmo alguns afogamentos. E minha mãe tinha que fazer turnos extras para cuidar dessa gente no hospital. De vez em quando, Charlote, a nossa vizinha de meia-idade cartomante que mora do outro lado do corredor do prédio, bate em nosso apartamento entre uma consulta e outra para saber se estou precisando de alguma coisa. 
Ela é uma boa pessoa e entendo que queria ajudar, mas acho que não preciso de uma babá. Principalmente de uma que cheira à incenso de lavanda. Às vezes sinto que, apesar de ela atender muitas pessoas, só faz isso para ter com quem conversar, pois mora sozinha há anos e sua única companhia é o seu cão Mabel.

Mal coloco meu almoço para esquentar quando ouço a campainha tocar.

- Meu deus, Charlote. Minha mãe acaba sair para trabalhar e você já... – Abro a porta e dou de cara com Lou e sua nova trupe composta por Eduardo (seu novo peguete) e Analua.

- Oi para você também. – Lou diz enquanto fico paralisada na porta sem entender nada.

- Oi, achei que fosse minha vizinha. O que vocês fazem aqui? – Pergunto sem delongas.

– Já ouviu aquele ditado sobre Maomé e a montanha? Pois bem, viemos te buscar para comer um delicioso e gordurento hamburguer no Shark's.

- Eu disse que não iria. – Sussurro inutilmente para minha melhor amiga, como se eles não pudessem me ouvir.

- Calma Lis, vai ser legal. Eu prometo. – Analua diz com um sorriso torto na cara.

ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora