Capítulo 14

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Enquanto Keven e Metal discutiam no quarto 3059 e Renato apressava os passos pelos corredores do hotel para alcançar o grupo e dar a boa notícia de que já não corriam mais perigo, Farahs estava focado na sala de enfermaria, sentindo-se um policial que vigia um prisioneiro detido em flagrante.

Eu preciso ficar atento. Não posso falhar na minha única missão. Qualquer movimento dele contra mim, eu não hesitarei em atirar, pensava ele encarando o garoto no chão com as pernas e os braços amarrados. Estava com a cabeça coberta por um pano, pendendo para baixo, indicando que ele ainda encontrava-se desacordado.

Era um bom sinal ele continuar assim. Isso daria tempo para que o restante do grupo se reunisse novamente para assim interrogarem juntos aquele curioso ser que sem motivo algum decidiu caça-los. Farahs estava convicto de que conseguiriam chegar antes do garoto despertar, mas já haviam se passado quase dez minutos desde que Renato saiu e o deixou tomando conta do estranho, Farahs começava a temer de que estaria sozinho quando ele acordasse. E se isso acontecesse, ele não saberia exatamente o que iria fazer ou como agiria.

Farahssss...

Ele ouviu o sussurro próximo ao seu ouvido. Num reflexo, virou-se apressadamente para se defender seja lá quem havia sibilado seu nome. Pelo tom do sussurro, parecia ser alguém ameaçador.

Nada. Ninguém. Nem mesmo um tubo de ventilação. Àquela altura, ele já não confiava mais nos próprios pensamentos, o som do vento poderia soar perfeitamente como uma canção aos seus ouvidos assustados. O medo faz isso com a gente, confunde nossa cabeça fazendo com que a gente veja um fantasma onde não tem ou ouça seu nome ser chamado quando se está sozinho em casa. No caso de Farahs isso se aplicava de forma diferente, pois ele não estava em casa, mas sim preso em um hotel abandonado e também não estava sozinho, mas acompanhado de um assassino.

Ele deu de ombros e recuperou a posição de guarda. Mas foi tomado por um susto que quase lhe fez derrubar a arma que segurava.

No lugar do assassino, estava ele próprio. Um Farahs com as mãos e os pés amarrados, a cabeça livre de qualquer pano. Ficou encarando seu próprio rosto.

Milhões de teorias começaram a se formar em sua cabeça, a mais provável - ele acreditava fielmente de que era a verdadeira - era de que estava alucinando. O cansaço o estava enganando? Ou seria o medo? Isso já não importava, logo sua visão voltaria à realidade. Era o que ele achava, mas seu outro corpo agora começava a ficar de pé. Fez uma careta quando percebeu que os lençóis amarrados em seus punhos e tornozelos o impediam de ficar ereto. Então a criatura com sua aparência ficou torta, a coluna inclinada como um corcunda, os braços esticados ainda presos pelo lençol.

A sua versão aprisionada, agora de pé e curvada, lhe encarou. Tinha uma expressão sofrida, os olhos estavam vermelhos e inchados como se estivesse chorando. Sangue seco grudado no nariz e nos cantos da boca. Um enorme hematoma roxo rodeava seu olho esquerdo e havia cortes e arranhões por todo o seu rosto. Farahs reconheceu aquela imagem. Havia visto aquele rosto muito antes, quando se olhou no espelho pela primeira vez após sofrer o ataque homofóbico.

Era uma imagem deplorável. Ele estava acabado, não só por fora como por dentro. Seu melhor amigo havia destruído todos os seus sentimentos; Amor próprio, esperança de ver um mundo menos preconceituoso, e principalmente sua felicidade. Tudo tinha sido massacrado junto com ele naquela calçada.

Ele então lembrou-se de tudo. Desde o começo, quando nem imaginava o que estava destinado a acontecer...

Farahs havia se mudado com os pais, pois o pai havia herdado o terreno de sua falecida avó e achou que era a oportunidade perfeita de voltar à sua cidade Natal e recomeçar sua vida do zero junto com a mulher e o filho. E então, depois de nascer e viver treze anos nos Estados Unidos, Farahs seria obrigado a viver em um país totalmente diferente e que nem mesmo falava a mesma língua a qual foi alfabetizado. Demorou um pouco até ele se acostumar com a nova casa. Foi preciso aprender dois anos de português com uma professora particular para que ele enfim se adaptasse ao país. Na escola ele era uma celebridade. As crianças do fundamental nunca haviam visto um estrangeiro na vida, muito menos estudado com algum e isso o deixou muito mais popular do que um dia seria na sua antiga escola. Ele não fez muitos amigos de verdade, mas havia uma pessoa que o acompanhava desde sua chegada como um guia ou - como Farahs gostava de pensar - como um verdadeiro amigo. André foi a primeira pessoa que lhe recebeu amigavelmente quando ele havia saído de Lima, Ohio e chegado em Maracanaú, Ceará. Em pouco tempo os dois já eram melhores amigos, e não demorou para que começassem a sair juntos.

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