Capítulo 4

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19:32

Quando o primeiro trovão retumbou no céu banhado de nuvens escuras, os dez amigos, agora divididos em cinco duplas, assustaram-se. O estrondo pareceu se arrastar propositalmente, passando por cada quarto como um grande e ensaiado OLA na arquibancada de um estádio de futebol.

Foi neste momento que Adrianna deixou cair o quadro que estava observando.

A moldura era metalizada. Não muito enfeitada mas com alguns detalhes que o faziam ser um porta-retrato digno de leilão. Deveria ter sido de um hóspede rico. Pelo menos era o que parecia, com a família feliz posando em frente ao castelo da Cinderela no Disney World. Eles devem tê-lo esquecido enquanto saíam às pressas do hotel no auge do seu evacuamento.

- Jesus! - exclamou Renato com a mão sob o peito esquerdo - Isso foi uma bomba nuclear ou algo do tipo?

- Foi um trovão. Soou muito perto daqui! - disse a garota, baixando-se para juntar os cacos espalhados no chão.

A fotografia da família, aparentemente feliz, fez a garota se lembrar dos seus pais. Atualmente se divorciando, os dois brigam pela guarda da única filha concebida durante o longo casamento que durou quase três décadas. Adrianna sabia que não tinha mais uma família. Ela já nem se sentia mais como uma filha. Sentia-se mais como se fosse o último pote de sorvete de flocos no supermercado, em que duas pessoas desconhecidas discutem sobre quem merece levá-lo para casa, porque aparentemente os dois viram o pote ao mesmo tempo. A jovem não era feliz naquela situação e acreditava que mesmo depois que a justiça decidisse com qual dos dois ela seria obrigada a morar, ainda não seria.

- Isso significa algo ruim?

- Bem, isso significa que um raio caiu muito próximo do hotel - Adrianna levantou e jogou o que juntou dos restos daquele quadro no lixo do banheiro.

- Alguma probabilidade de morrermos atingidos por um raio?

- As probabilidades são as mesmas de você morrer acertado por um tijolo solto de um prédio enquanto anda pela rua.

Renato não sabia dizer se a situação estava fora de risco ou se ele era tão lerdo que não conseguia entender se a amiga havia usado uma metáfora para o fato de que tudo poderia acontecer. Preferiu guardar a dúvida para si e continuou a folhear a revista que achou - embaixo do vaso com pedras coloridas que parecia um dia já ter sido um objeto de decoração, mas agora não passava de uma velharia sem sentido -, sobre a cômoda ao lado da cama. Ele lia usando a lanterna, que era a melhor fonte de iluminação.

Era uma revista de fofocas. Segundo o jornalista que escreveu a matéria da página quinze, um ator famoso estava em um relacionamento homossexual secreto com um fã. Renato revirou os olhos ao ler a matéria.

"...esconde-se para não manchar o sobrenome da família e em respeito apenas a sua família, iremos manter sua identidade em sigilo para evitar uma desgraça maior do que ser uma bicha. Não é possível que um homem tão importante e reconhecido tenha a capacidade de deitar-se com outro homem e achar que isso é normal, abra os olhos e repense se vale a pena jogar sua vida no lixo para viver uma vida sem vergonha como esta."

Dava para sentir a repulsa naquelas palavras. Quem poderia ser tão idiota de escrever aquilo? Com certeza alguém que não conhecia as palavras Amor e Respeito. Não dá pra se julgar alguém daquela forma e achar que está sendo melhor que ela. De repente Renato perdeu a vontade de continuar a ler.

Lembrou-se de quando se assumiu para os pais. Aquele dia que seria lembrado para sempre por ele como: "O dia em que perdi tudo".

Não havia sido fácil lidar com sua sexualidade. A vida inteira sempre soube o que era, mas o medo de ser rejeitado fazia com que ele agisse como alguém que não era. Essa é a realidade de muitas pessoas como ele, homens e mulheres que escondem sua identidade para não magoarem suas famílias que esperam que eles sejam "normais".

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