O retorno

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A mente de ambos fervilhava enquanto caminhavam em silêncio de volta à vila. Lucius ia se digladiando a cada passo, tentando compreender como a simples presença de Andras minava todo seu autocontrole e acendia um desejo que ele jamais pensara existir dentro de si. Andras era, afinal, seu desafeto. A pessoa de quem ele menos gostava, a quem ele queria ver bem distante ou, de preferência, não ver nunca mais. Seus olhos verdes profundos o chamavam, o enfeitiçavam. Lucius estava completamente cativo daquele olhar. Ele remoía sua fraqueza perante o mais velho, sua incapacidade de resistir aos apelos provocados pela mera presença do outro. Sentia também vergonha. Vergonha de seus pensamentos, vergonha por não conseguir se conter. Por desejar que o mais velho o tomasse em seus braços, que o fizesse seu.

Já Andras, abraçara completamente o que sentia por Lucius há muito tempo e só pensava em como aplacar de uma vez por todas aquela vontade quase insana de clamar o outro para si, de todas as maneiras possíveis. O sonho da noite anterior fora o melhor que tivera com o mais novo. Ele fora seu, se entregara sem reservas, implorando pela invasão de seu corpo, gemendo enquanto Andras entrava e saía de sua cavidade quente e estreita. De Lucius eram os braços onde Andras queria se aninhar. De Lucius era a boca que Andras queria beijar. Seus corpos se encaixavam perfeitamente, numa dança antiga, primitiva, atemporal. Mesmo sem o estro, Andras queria poder gritar MEU e marcá-lo com o símbolo perpétuo. Mesmo mantendo relações sexuais com outros, Andras pensava apenas em Lucius. Doía-lhe a ira que via no olhar do mais novo.

Chegando à aldeia, as pessoas já se aglomeravam ao redor de Elek. Abraços, conversas, sorrisos. Lucius nota um Gyuri amuado num canto, já sem Zsóka. Deixando Andras para trás, ele vai até o amigo, que parece bastante contrariado.

- Gyuri, está tudo bem?

- Claro. Por que não estaria?

- Porque Elek voltou.

- Está tudo bem, Lucius. Não se preocupe comigo.

- Tem certeza? Fala de mim e de Andras, mas não é muito diferente entre si e Elek. O que foi que ele lhe fez, afinal?

- Eu...

O silêncio de Gyuri falava mais alto do que qualquer outra coisa, pois Lucius, de repente, sentiu o que Gyuri não conseguia esconder. Seus feromônios, fortes, incontroláveis. Lucius viu o desejo no corpo de seu amigo. O ponto de luz vermelha logo abaixo de seu umbigo, irradiando para o corpo todo, aquecendo as zonas erógenas do outro. A luz era tão forte para Lucius que ele precisou fechar seus olhos e ainda assim conseguia enxergar-lhe a constituição física completamente tomada pela luxúria. Ao abri-los novamente, percebeu que ninguém prestava atenção a eles, a não ser por Kázmér, Sárika e Orsolya, que olhavam Gyuri com bastante interesse.  E Lucius percebeu que conseguia ler as pessoas através das cores. A grande maioria tinha uma luz verde no peito, irradiando para todo o corpo. Outros, como Gyuri, emitiam uma luz vermelha originada no baixo ventre. Kázmér, Orsolya e Sárika tinham uma luz branca concentrada somente no peito e nas mãos.

Olhando novamente para seu amigo, Lucius teve uma vontade quase incontrolável de provocá-lo, mas o anseio foi suprimido pelo volume das vozes ao seu redor. Mesmo um pouco afastados, podiam ouvir toda a conversa. Todos falavam ao mesmo tempo, querendo saber como fora a viagem de Elek e o que ele fizera e vira.

Não havia proibições na aldeia e as pessoas podiam ir e vir livremente. Contudo, quase ninguém saía dali e os que saíam, o faziam apenas por um curto período de tempo. Na verdade era sempre o contrário. As pessoas eram atraídas pelo estilo de vida dos farkas, pelo acolhimento, pela camaradagem, desejando compartilhar da paz e da união que ali havia. E mesmo os humanos que para lá iam, acabavam se ligando aos farkas durante o estro, tornando-se parte da família. Pois era isso o que eram: uma grande família abençoada pela Deusa.

Canis lupus (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora