Meu

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O desenrolar dos acontecimentos não passou despercebido a nenhum dos adultos. Todos, principalmente os pais dos quatro rapazes, estavam preocupados, aguardando o desfecho da festividade. Não era falta de confiança na Deusa, senão mais uma apreensão por conhecerem o temperamento dos meninos, principalmente os mais jovens, e desejarem que o pareamento fosse o mais tranquilo possível. Assim que Lucius desaparece, Ambrus, coçando a barba, se vira para János, que já esperava a reação do filho.

- Pai, eu devia tê-lo impedido de ir.

- De forma alguma, filho. Apesar de ter alcançado a maioridade, ainda há muito para Lucius aprender. Há um motivo pelo qual Lunas se tornaram tão raros e de Lucius ser o primeiro a despertar em muitos séculos. E essa descoberta cabe apenas a ele. Ninguém mais. Veja, Andras, Gyuri e Elek estão indo atrás dele.

Os dois olham por alguns minutos os três vultos desaparecendo na escuridão, para então retomarem a conversa.

- Espero que eles possam resolver suas pendências. Lembra-se como era meu relacionamento com Ilka antes do estro? Se isso for algum indicativo, Elek e Gyuri deixarão de seguir Lucius em alguns momentos, deixando Andras com a tarefa.

- Lembro-me como se fosse hoje como os dois pareciam não se suportar. Entretanto nós sabemos que seus sentimentos por Ilka sempre foram românticos. Seu comportamento era apenas uma fachada. Assim como o de Lucius e de Gyuri. Cada vez que os ouvia reclamarem de Elek e Andras, precisava reprimir o sorriso. Estava claro o interesse deles em cada acesso de raiva. Ambrus, tenha fé. A Deusa não falha.

Com um pequeno aperto no ombro de seu filho, János volta a comer e conversar com outros farkas. A mente de Ambrus vaga pelo tempo em que pôde estar com Ilka. O amor que compartilharam era profundo e forte. Ambrus intuía, mais do que realmente sabia, que o amor de seu filho era tão poderoso quanto o seu um dia fôra. Se Lucius fosse ingênuo o suficiente para achar que tal amor poderia ser repudiado, não haveria futuro para seu povo. A não ser que a Deusa interviesse mais uma vez. E mesmo assim, Lucius estaria condenando os farkas a ficarem sem um Luna por séculos de novo. Sentindo-se cansado e inquieto, Ambrus pede licença, despedindo-se dos outros e encaminhando-se para sua casa. Ele ainda precisava terminar de empacotar a enorme quantidade de remédios que Dénes levaria consigo no dia seguinte.  Ele sai, cumprimentando Sárika, Kázmér e Zoltán, que também estavam falando baixo entre eles, olhando discretamente na direção em que os quatro jovens se dirigiram.

- Não podemos intervir. Não é de nossa alçada.

- Zoltán, temo que suas palavras sejam sua tentativa de se convencer a não ir atrás deles. Acredite em mim quando digo que não será necessária nenhuma intervenção. Além do mais, há quem esteja atento ao que acontece hoje. Sei que, como alfa, sente-se na necessidade de resolver todo e qualquer problema que surja. Só que, neste caso, o problema pertence a outrem.

Sárika assente ao ouvir as palavras de Kázmér e acrescenta.

- Sim, irmão. Os Deuses todos estão cientes e observando. Nós não precisamos fazer nada. Veja, Zoltán, o que foi iniciado com a transformação de Lucius e a volta de Elek precisa se desenrolar sem nenhuma interferência nossa. Nenhuma mesmo. Sei que Kázmér precisou ajudar inicialmente, porém agora o que virá depende apenas de nossos jovens. Até porque...

Sárika olha para Kázmér e se cala. Mesmo na ausência de palavras, Zoltán compreende e mantém o semblante neutro. Não é necessário preocupar ninguém antes do tempo. Até porque, os desdobramentos dos acontecimentos recentes estão intrinsecamente ligados aos elos formados esta noite. Com um suspiro, ele coloca o braço em torno de Orsolya e dá um beijo em seus cabelos. Apesar de passados tantos anos, ele ainda se recorda de quando a tornou sua. A festividade do estro coincidiu naquele ano com o solstício de verão. A então jovem Orsolya tinha flores silvestres no longo cabelo trançado. Seus olhos esmeralda brilhavam na expectativa de encontrar seu amado ali. Mesmo agora, aos olhos de Zoltán, ela continuava linda como na noite de sua união. Agradecendo às divindades, ele volta às celebrações, a tempo de ver a pequena Cili e sua amiga reivindicando-se. Seu olhar vai imediatamente para Sárika, que enxuga discretamente uma lágrima, certamente lembrando-se do dia em que ela e Angyálka fizeram o mesmo.

Canis lupus (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora