Inumanidade

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Há pouco mais de 70 anos em Buda...

O reino acabara de sair da batalha de Mohácsi. Centenas do povo Magyar pereceram e, ainda assim, Magyarország perdera o território de Erdélyi  para os Oszmanók. Vilmos, o então monarca estava furioso, pois sua ambição era anexar territórios, não perdê-los. Contudo, após uma baixa tão grande em seu contingente, ele precisaria de alguns anos para o reaparelhamento bélico.

Enquanto guerreiro, Vilmos era brutal, impiedoso e audacioso. Enquanto monarca ele poderia, além de violento e desumano, ser chamado de negligente. Incapaz de demonstrar empatia ou clemência, a menor das infrações era severamente punida. Várias sanções eram decretadas sem motivo aparente, apenas pelo espetáculo que era o derramamento de sangue. Corria-se no reino um boato de que Vilmos tinha um acordo com o mundo inferior, mais precisamente com Ördög (diabo) e que este era o motivo de tanta violência. Com exceção de Mohácsi, o regente sempre saía-se vitorioso, escravizando, matando e saqueando.

Apesar de inúmeras amantes e a esposa a quem ele abominava, porém precisava suportar por causa de uma aliança política com o reino de Lengyelország, Vilmos não tinha herdeiros. Suas mulheres eram trancadas na ala leste do castelo, e guardadas por eunucos, para que não pudessem manter relações sexuais com nenhum outro homem. Ao todo eram vinte almas escravizadas pela luxúria, possessividade e brutalidade do regente. Algumas das concubinas buscavam afeto e consolo entre si, entrando em relacionamentos proibidos e mal vistos pela côrte. Quem sabia, mantinha-se calado. Aquilo que não chegasse aos ouvidos do regente não poderia feri-lo. A sorte de Vilmos e do reino mudaria em um dia claro de verão quando Bozena, a rainha, andava pelos jardins da ala feminina. Distraída, a jovem não percebeu que estava sendo observada.

- Menina, o dia está bastante agradável.

Sobressaltada, Bozena arregala os olhos ante a figura diante de si: uma mulher idosa, mirrada, encurvada e praticamente pele e osso a encara com olhos amarelos pálidos, mas ao mesmo tempo perspicazes. Visualmente, o ser parado ali no jardim seria considerado repugnante, porém Bozena sempre fora uma pessoa bondosa, alguém que olhava além das aparências, que se recusava a crer que a maldade tivesse alguma chance de sair vitoriosa enquanto houvesse pessoas que acreditassem na solidariedade e na compaixão. Sua crença era testada quase que diariamente, já que a jovem era testemunha das obras vis de seu marido. Tocando levemente o braço da mulher à sua frente, a rainha tenta levá-la para fora dali.

- Senhora, como chegou aqui? Esta ala do castelo é proibida para todos, exceto algumas servas que podem ir e vir, e os eunucos que ficam de guarda. Além do rei, naturalmente. Por favor, saia antes que seja descoberta para que não a maltratem. Eu posso mostrar-lhe a saída e tentar distrair os guardas para que não a notem.

A visitante ergue uma sobrancelha e encara a jovem em silêncio por alguns momentos.

- Minha jovem, pergunto-me se é sempre assim com as pessoas?

A pergunta pega a jovem de surpresa. Imaginando que pudesse haver algum reproche no comentário, Bozena pensa antes de exprimir sua dúvida. Estaria a senhora sugerindo que ela estava sendo rude? Talvez ela precisasse se desculpar e explicar que só queria garantir que a senhora não fosse punida por estar onde não deveria. Pensando bem, não havia maneira de aquela pessoa ter conseguido entrar na ala leste sem antes ter sido vista pelos guardas. Ou teria?

- Assim? Não compreendo. Perdoe-me se pareço rude. Não era minha intenção. Eu apenas gostaria de...

A mão ossuda de pele flácida se levanta num movimento gracioso para alguém com uma aparência tão grotesca, calando a jovem.

- Rude? De maneira nenhuma. Eu quis dizer que a menina é gentil e cuidadosa. Uma verdadeira jóia.

O elogio deixa Bozena com as maçãs do rosto coradas. Ela estava acostumada a ser humilhada, menosprezada e ignorada, não o contrário. Aquela senhora deveria ser alguém muito amável para se referir a ela de maneira tão obsequiosa. A jovem percebeu-se faminta por qualquer demonstração de afeto, sorvendo as palavras como se fossem o néctar mais doce e saboroso. Ainda assim, soberba não era considerada qualidade no reino de Lengyelország e a rainha apenas descartou seu gesto cortês como algo corriqueiro.

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⏰ Última atualização: Feb 27 ⏰

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