Capítulo 2

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BRIANNA MARSTON

Eu fico chocada como três dias pareceram levar um mês para passar, e, ao mesmo tempo, sumiram na minha atarefada agenda.
Sei que estou transformando uma simples demissão em um grande circo, e talvez seja bem infantil da minha parte, mas eu não me importo: fazer Anthony passar vergonha na frente de todos é um desejo que venho alimentando há anos, e é agora ou nunca.
Mesmo que ele mereça, não achei justo ferrar o Natal de um monte de gente com a demissão. Para evitar que alguém use a língua enorme, apenas Liz sabe da minha saída, e nem mesmo a resposta para a nova empresa foi dada, só por desencargo. Logo, meus últimos três dias foram para organizar tudo, e deixar cada mínimo detalhe pronto para ser resolvido.
— Nós nos vemos mais tarde? — Liz encosta no batente da porta, sorrindo com amplitude, parecendo muito satisfeita consigo mesma. Pelo que entendi, Joe, o rapaz do TI que ela vive de olho, disse que não via a hora de vê-la essa noite.
— Nossa, nem vi que já são sete horas. — Esfrego os olhos. — Queria nem precisar vir, estou bem cansada.
— Já sabe o que vai vestir?
— Está no cabide. — Aponto com a cabeça para a sacola de tecido pendurada atrás da minha porta, enquanto massageio as têmporas. Que momento para ter uma dor de cabeça!
— Uau. E eu que passei na fila da maldade, hein? Vai fazer o mundo se demitir com você nisso aqui. — Liz analisa o tecido de cetim vermelho e estala a língua, aprovando. — Mas, por que você trouxe ele?
— Peguei um quarto no hotel do lado para me vestir e não precisar dirigir após beber. Fiz meu cabelo na hora do almoço também. — Aponto para os grampos escondidos. — É só soltar e partir para a festa.
— Boa, chefe. Invejo a sua praticidade, porque para essa beldade aqui ficar pronta, — diz, e aponta para si — vai levar uma era. Até mais tarde!
Aceno e começo a juntar minhas coisas. Minha mesa nunca teve muitos pertences, até porque sempre odiei misturar o profissional com o pessoal. Meus poucos itens cabem na minha bolsa, então fico pronta e em minutos estou no saguão do prédio, distraída demais com a movimentação, ou ansiosa demais para concretizar meus planos, para ir para o hotel.
Alguns funcionários levam caixas com seus lanches dos gaveteiros, outros fofocam sobre quem acreditam que dará vexame no evento mais esperado do ano: não é só o CEO que adora a festa de Natal da LinTech. O evento é o mais próximo de seita que uma festa corporativa pode chegar: só falta o uso de máscaras para ser completamente descontrolado e cheio de atividades de caráter duvidoso.
Uma empresa lucrativa que exige demais de todo mundo, tem que, no mínimo, dar uma festa foda, e essa é a única coisa positiva que posso dizer sobre Anthony: o homem sabe como fazer uma festa. É como se todos os filmes de festa maluca jovem se juntassem em um só, por uma noite.
O open bar? Mil opções de todas as cores e sabores. Música? DJs famosos e bandas bem-cotadas. Entretenimento? Cabines de foto, touros mecânicos, ou qualquer atração que esteja na moda no momento. Comida da melhor qualidade, para jantar, lanche e café da manhã. As inúmeras salas, depósitos e almoxarifados que se transformam em quartinhos sigilosos. Ouvi dizer que até mesmo as câmeras de segurança são desligadas no andar, e espero mesmo que seja mentira.
Até porque tudo isso acontece no prédio da empresa, no vigésimo andar, num enorme salão que ocupa quase o andar inteiro, com pé direito duplo, triplo, sei lá. Só sei que a árvore de Natal que montam tem seis metros, palco, cascata e outros charmes que são um ralo de dinheiro.
E posso dizer ser responsabilidade dele, porque o líder do comitê para esse evento é o próprio cara. Vai gostar de Natal (ou de festas malucas, vai saber) assim lá longe. Bem longe.
Sempre me lembro de Duro de Matar, e penso em um idiota metido à sequestrador querer acabar com a festa e meter uma bala nos miolos de Anthony. Nunca dei essa sorte, mas é engraçado perceber quanto os ambientes são parecidos.
Ninguém faz essa ligação, é claro: morte, tiroteio e explosões não combinam muito com a época do Papai Noel.
— Parece entretida, Marston. — Uma voz grossa soa atrás de mim. — Se divertindo com sua colônia de formigas?
Minha visão é traída pelos outros sentidos, porque os ouvidos reconhecem o timbre na hora, e o perfume caro envolve meu nariz. Até mesmo a minha pele se arrepia, mas vou morrer negando que seja algo além do susto.
— Sua colônia de formigas — corrijo Anthony Underwood, postado ao meu lado. — E não, me espanta a animação com esse evento. Sempre acho um grande suborno pelo quanto eles trabalham. Duas semanas de férias coletivas pagas e uma festa é pouco.
— Olhe pelo lado bom, Brianna, — o meu nome saindo da boca dele parece ofensivo — se você for CEO...
— Suponho que você quis dizer quando...
— Se você for CEO. — ele diz, parecendo se divertir. Não que eu consiga olhar para ele: continuo focada nas formigas, digo, nos funcionários, que sobem e descem dos elevadores rindo e comemorando as merecidas férias. — Vai poder notar não haver muito o que se fazer. E será uma pena não estar aqui para ver sua cara de desgosto quando perceber que não existem milagres corporativos.
— E por que você não estaria?
Ele dá de ombros e eu adoraria tirar o sorriso presunçoso de seu rosto no soco.
— Porque quando isso acontecer, eu pretendo não pisar mais nesse lugar.
— Sempre com uma palavra de apoio no bolso, não é mesmo, Anthony?
— Ah, minha querida, tem muito mais no meu bolso do que você pode imaginar. Algo me diz que você até gostaria de saber. Um dia, quem sabe.
Antes que eu consiga dar uma resposta que faria minha mãe chorar pela malcriação, ele dá dois tapinhas no meu ombro e anda em direção aos elevadores, simpático e adorável com todos que lhe desejam boas festas e animados até mais tarde.
Cobra falsa duas-caras gostosa do caralho. Ai que ódio.
Atravesso o curto trajeto até o hotel ao lado sentindo meu corpo fumegar de raiva. A audácia! A arrogância! O cheiro! Devia ser proibido uma desgraça dessas cheirar bem. E ser bonito, bem gostoso nos ternos sob medida, e ter um sorriso de canto que me tira do sério.
Ok, eu realmente preciso me tratar. Mais proibido que isso, só se sentir atraída sexualmente por um cara tão babaca. Amor-próprio, Bree. Amor-próprio.
Pena que não dá para fantasiar o amor-próprio te prensando na parede e te comendo sem piedade.
— Aí está você! — Durant, meu amigo de longa data e maquiador profissional, acena para mim quando entro no lobby do hotel. Sempre peço a ajuda dele, quando preciso impressionar, seja para um evento na imprensa ou algo pessoal, ele é meu salvador.
— Só preciso de um banho e podemos começar — prometo, abraçando-o. Subimos para a minha suíte e ele começa a arrumar a mesa com seus materiais antes mesmo que eu consiga tirar meus sapatos. — Como estão as garotas?
— Todas bem. Já sabe o que vai querer?
— O de sempre. Me deixe maravilhosa, você já sabe o resto.
— Como se fosse difícil — ele ri e me apressa com o olhar. — Eu tenho mais duas clientes essa noite, ou você entra nesse banho agora, ou vai linda e fedendo.
Rio com a audácia e entro no meu banho quente em seguida, tomando o cuidado de enrolar uma toalha seca nos cabelos antes de entrar no chuveiro. Em quinze minutos, estou limpa, depilada e hidratada, com o roupão do hotel no meu corpo e com Durant preparando minha pele.
— Agora, qual é a ocasião? Se você me chamou para fazer sua maquiagem uma vez para essa festa de Natal, foi muito. E deve fazer uns três anos.
— Cinco. Ou seis — digo, aproveitando o momento para descansar os olhos. — Passou rápido demais, né?
— Eu tô cansado de ficar velho. Então, não vai me dizer o seu segredo? Querendo impressionar um sócio novo?
— Diremos que eu tenho motivos para comemorar. E que mulher não quer ficar bonita para comemorar algo que estava esperando? — Crispo os lábios, e ele me repreende logo em seguida. Meu amigo é um artista, e exige que eu seja uma tela imóvel. Pelo resultado sempre perfeito que ele me oferece, eu obedeço.
— Você e seus segredos, Bree... Poderia encher um prédio inteiro com eles.
— Não tenho segredos, só não tenho razão para contar tudo sobre mim.
— Garota esperta. — Ele sorri e me encara pelo reflexo do espelho, nossos rostos lado a lado. — E bonita para cacete, também.
— São seus olhos, D — digo, feliz com o resultado. Ele é o único que consegue fazer uma maquiagem poderosa sem eu acreditar que estou a caminho de uma festa à fantasia. — Obrigada, perfeito como sempre.
— Às ordens. Quer ajuda para soltar esse cabelo?
— Por favor.
Enquanto Durant guarda suas coisas, volto ao banheiro para colocar a calcinha fina e o vestido vermelho. Acho que nunca me senti tão bonita. Talvez o tema desse ano seja Black Tie para coroar minha demissão em, literalmente, grande estilo.
Durant me ajuda a soltar o cabelo, que cai em ondas douradas imaculadas sobre meus ombros, e segura os fios para eu colocar meu sobretudo. Quando finalmente estou pronta e ele, com seus pertences guardados na mala de rodinhas que traz consigo, descemos pelo elevador em silêncio, e Durant se despede de mim com um beijo no ar quando chegamos à porta, enquanto ele espera pelo manobrista e seu carro.
Nem culpo o silêncio: ele está apressado, e eu estou nervosa ansiosa com tudo para puxar assunto.
— Aproveite a festa e parabéns pelo que você está comemorando, Bree. Você está fantástica. — Ele acena. — Quando parar de trabalhar um pouco, ligue para nós. Até mais, garota.
— Boa noite, D, obrigada.
Olho para a calçada limpa, agradecendo pelo Natal sem neve que me permite andar até o prédio do lado, até alcançar o lobby da LinTech: vários funcionários no hall principal, esperando seus amigos, uma multidão de mulheres de vestidos longos e homens de terno e gravata borboleta. A grande aglomeração é por causa de uma espécie de fila organizada para o elevador. Outros ainda se espalham em rodinhas ali mesmo, conversando e fomentando fofocas pré-festa.
Caminho até a recepção de mármore, onde uma placa indica que o local foi transformado em uma chapelaria, e uma mulher solícita se oferece para guardar meu casaco. Pelo menos isso eu preciso respeitar Anthony: ele contratou uma equipe para que até mesmo as recepcionistas e seguranças que trabalham conosco diariamente possam se divertir também.
Tiro o casaco e recebo um cartão preto da chapelaria, que coloco na minha bolsa. Corro meus olhos pelo vestíbulo em busca de Liz, mas me deparo apenas com olhares. Muitos olhares, de todos os tipos.
Tem alguma coisa errada? Será que não tirei a etiqueta do vestido?
— Uau, você está... não sei nem como elogiar você sem ser desrespeitosa. — Liz surge atrás de mim, com Joe, o amigo do TI em seu encalço. — Está uma tremenda de uma gostosa, chefe, com todo o respeito. Esse vestido é lindo mesmo, você parece uma atriz famosa.
— Boa noite, Senhorita Marston... — Joe olha para baixo, e desvia o olhar. — Liz tem razão, você está linda.
— Vamos para a fila? Eu não pretendo fazer social algum estando sóbria — confesso, tomando a frente, e parece que Liz tem razão, porque pareço Moisés abrindo o caminho do Mar Vermelho: muitos olhos pousam sobre nós. Nós, porque Liz também está fabulosa em um vestido verde de costas inteiras nuas.
No meio da multidão, bem na entrada da fila, conversando com alguns acionistas, está Anthony Underwood. É horrível pensar que odeio tanto esse homem e sempre acabo olhando para onde ele está. Não é como se eu o procurasse, mas é como um acidente de carro: é horrível, você sabe que não deveria encarar, mas tem algo muito mais forte te fazendo olhar o tempo todo na direção dele.
E ele me olha de volta. O olhar faiscando, como uma raposa avistando um coelho. Ele está lindo em um smoking que envolve seu corpo com maestria, deixando a imaginação voar em relação aos seus braços fortes e costas largas.
Se o demônio não tivesse atributos, ninguém pecava, não é mesmo?
— Boa noite, senhores. — Ergo meu queixo ao passar por ele. Saúdo os acionistas, mas ignoro sua presença.
— Boa noite, Brianna. — Anthony se adianta. — Às dez, teremos um anúncio no palco e precisaremos da Diretoria lá.
— Um anúncio? — Pergunto, e Liz dá uma engasgada atrás de mim. É bom demais para ser verdade! Eu tenho mesmo um palco! — Mal posso esperar.
— Tenho certeza que não. — Então, Anthony pega a mão que não segura a pequena bolsa que carrego, e pousa um beijo nos nós dos meus dedos. Ignorando minha cara estupefata pela sua atitude, ele dá um sorriso jovial, acrescentando: — Parabéns pela escolha do vestido. Bem natalino.
Eu preciso de toda força do planeta para evitar que eu dê um soco bem-dado na sua cara, sem ao menos entender o que ele quis dizer com isso. Vindo de Anthony Underwood, poderia ser uma piada ruim, uma cantada barata, uma ofensa, ou um elogio mal-educado.
Nada de bom, claro, mas não dá para saber o que de ruim exatamente é.
Tem muito mais no meu bolso do que você pode imaginar.
Sua frase dita mais cedo ecoa nos meus ouvidos quando me afasto dele, seguindo a fila que diminui cada vez mais rápido, ao passo que os elevadores levam todos para cima.
Vamos ver se no bolso dele vai caber o bico quilométrico que ele fará quando eu pedir demissão em cima do seu palco.

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⏰ Última atualização: Apr 22, 2022 ⏰

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O PIOR CEO DE NATAL | um conto enemies to loversOnde histórias criam vida. Descubra agora