Acordo cedo por costume. Viro para o lado e sorrio ao me deparar com o rosto da princesa.
Observo sua pele escura e seu cabelo cortado. Suas mãos delicadas encostadas em seu rosto pequeno quase me deixam constrangidos com minha insignificância. Quão sortuda eu sou de poder estar ao seu lado?
Levanto da cama com cuidado para não acorda-la e coloco minha roupa e armadura. Abro as portas do meu armário procurando pó de café para fazer, mas não encontro.
Suspiro. Mais uma coisa para eu fazer hoje.
Saio de casa e, andando um pouco pelo quintal, encontro erva cidreira no chão. Colho e entro de volta pra casa.
Fervo a erva na água e coloco parte do chá em uma xícara. Vou para a varanda, sento na cadeira e bebo enquanto vejo o nascer do sol.
O azul, amarelo, laranja, rosa estampam o céu com uma beleza indescritível, e a mistura de cores forma uma paleta única. Os raios de sol se abrem para um novo dia e me revigoro com os seus tons brilhosos.
A bebida me esquenta e a vista me encantam.
Falando em me encantar, Mica aparece na porta da varanda com o rosto sonolento amassado e com uma coberta nos seus ombros por cima do seu robe.
— Bom dia. – Falo e ela parece ainda estar dormindo.
— Você vai sair? – Finalmente, ela diz olhando pra minha armadura.
— Sim, eu tava esperando você acordar pra te contar.
— Vai com cuidado. – Ela diz e eu sorrio acenando com a cabeça.
— Eu fiz chá, aceita?
— Tá cheiroso. – Ela diz esfregando os olhos.
O galo canta e eu me levanto da cadeira.
— Eu já tô indo, senta aqui.
Ela senta e eu a entrego uma xicara de chá.
Beijo sua testa, e pego minha mochila e minha espada que estava nos pés da cadeira.
— Tchau, meu bem. Toma e depois volta a dormir. – me despeço.
Coloco a mochila nas minhas costas e corro para a Lulli, que já estava desperta e animada. Faço carinho e monto nela.
A viagem é longa. Hoje eu vou para uma vila visitar minha família. Fico triste quando penso no quanto que eu gostaria de poder leva-la, mas balanço a cabeça para afastar esses pensamentos. Sua segurança é mais importante.
O caminho é deserto, não só pelo horário mas porque realmente não é um caminho muito seguido. Na verdade, qualquer rumo perto da minha casa não é muito movimentado.
Ao passar perto do rio, sinto um frio enorme e me arrependo de não ter colocado uma blusa mais grossa. Mas logo as árvores me distraem e eu volto a sentir calor.
Ao entrar na vila, vejo uma feira e lembro de parar.
Desço do cavalo e a pé observo as bancas com poucas pessoas. Olho para o céu e vejo que ainda tá cedo, o que explica a pouca movimentação na feira.
Essa feira em especial me lembra a minha infância, eu gostava de vir aqui para ver gente. Quando eu brigava com o meu irmão ou com minha mãe, eu fugia para aqui.
Eu sinto que estar no meio de um lugar populoso fazia eu me sentir mais normal, como se eu fizesse parte de algo. Eu sei que ser como todas as outras crianças sendo órfã parece querer demais, mas eu não desistia. Eu não desisti até que eu descobri que era desencantada e que eu nunca poderia ser normal.
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Desencantados
Fantasy"Em uma ilha distante de quaisquer outra, a terra é dividida em duas parte: encantados, os bonzinhos, e vilões, em que sua definição é feita pelo próprio nome. Uma barreira divide as duas classes, mas por um segundo de descuido: um vilão passa po...