A interrupção

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— É gostoso quando você faz assim. Vai e vem. – Micha diz enquanto massageio seu cabelo após pinta-lo, e eu quase engasgo na minha própria saliva. – Meu cabelo vai ficar preto ou castanho?

Dou nos ombros, mas como eu estou de pé e ela sentada em um banco a minha frente, provavelmente não viu.

— Provavelmente vai ficar bem escuro. Se fizer muitas lavagens, a tinta sai, então tome cuidado.

Seu cabelo é um dourado escuro que reluzia só não mais que sua pele. Da cabeça aos pés, sua aparência gritava preciosidade. Não entendo totalmente porque ela não quer o reino, mas entendo porque o reino a quer.

— Você já pintou o cabelo antes? – Ela pergunta olhando para a paisagem, que se resumia em um campo verde e algumas árvores, exposta pela janela aberta.

— Na verdade, sim. Eu comecei a pintar pra não me sentir diferente, já que na minha casa era a única criança loira. Hehe. Mas eu parei de pintar quando me alistei e não voltei a fazer depois. – digo colocando uma sacola na sua cabeça e viro minha ampulheta.

— Como era na sua casa? – Ela vira pra mim perguntando assim que termino o travalho em sua cabeça.

— Era um lugar feliz cheia de histórias tristes. Era um orfanato, eu quero dizer. Mas eu realmente considero a mulher que nos cuidava como minha mãe. – Suspiro de saudade da mulher que me acolheu e amou de tal forma que nunca poderei retribuir a não ser não voltando para o exército que ela odiava que eu fizesse parte. – E seu filho como meu irmão. Daniel. Urgh, se não fosse por aquela encantada, ele estaria aqui agora.

Micha pisca confusa na minha frente e eu sinto o dever de esclarecer:

— Ah, não é pessoal! É só um ciúme bobo de irmã.

— Você não é encantada?

— Não, sou desencantada. – respondo e me sirvo um pouco do chá q fiz para seu cabelo.

— Como você descobriu? – Ela diz cada vez mais curiosa.

— Eu planejava fazer faculdade e até estudar sobre o fenômeno de "encanto", sabe? Encantados, desencantados, vilões... Isso é tudo muito estranho. Enfim, a vida é toda estranha. – Falo e bebo do meu copo. – Me enviaram para os homens da ciência. Aquele filho da mãe! Me encheu de perguntas, exames, analises. No fim do dia, recebi a noticia de que não iriam me aceitar na faculdade por ser desencantada, o que me fazia imprevisível.

— Eu sinto muito. – Ela diz abaixando a cabeça e logo vejo que a ampulheta terminou seu processo.

— Agora, está tudo bem. É quem eu sou, se eles não aceitam isso, não pertenço aquele lugar. – respondo e vejo ela cochichar algo para si mesma mas não questiono. – Está na hora de enxaguar o cabelo, primeiro com água, depois com o chá pra melhorar o cheiro. Quando terminar, você volta aqui para eu ajeitar o seu corte de cabelo, tá bom?

Ela acena com a cabeça, ainda pensativa. Me pergunto se está tudo bem, se vai ficar tudo bem ou se eu realmente falei alguma besteira.

Guardo a tinta que comprei mais cedo na feira após sair da área da realeza. Brinquei com a Micha de que com sorte não cai o cabelo dela mas a verdade é que se realmente cair, não tem muito o que fazer.

Olho para o horizonte pela janela. O que eu estou pensando? O que eu vou fazer com ela?

Ela vai apenas morar comigo pra sempre?

— Voltei. – Micha diz dando sua risadinha clássica e sentando na cadeira a minha frente.

— Por que você resolveu fugir agora? – digo calmamente, na tentativa de responder as minhas inquietações internas.

— Oi?

— Digo, sim, você não quer assumir o trono, mas o que aconteceu para você resolver fugir agora? – falo enquanto me movo para sua frente.

— Meu pai, quer dizer, o rei. – ela se corrige e tenho vontade de dizer que está tudo bem ela ser Mica comigo. – Ele me prometeu ao general caso ele fizessemos ganhar a guerra.

— Filho da mãe. – cochicho involuntariamente.

— Fazem anos, você sabe, mas iriam oficializar o noivado ainda nessa estação.

Agora está explicado o porque daquele fudido está tão focado em acha-la.

Eu juro pela ciência que se eu pudesse, eu iria atrás do general e–

— Aloha, não tem a possibilidade de eu ser feliz nesse casamento. – Ela diz olhando nos meus olhos firmente e depois se retrai e volta o olhar em si mesma. – Muito menos ao me deitar com ele para ter herdeiros. Agora que minha irmã mais velha se foi, é o que esperam de mim.

— Eu não... Eu não vou te levar de volta ao palácio. – Falo e passo a mão em seus cabelos.

— Eu agradeço...

Penso bastante e lembro de algo necessário a ser dito:

— Mica, eu vou falar sério. – Digo e ela acena com a cabeça. – Amanhã eu saio ao amanhecer e volto quando o sol estiver mais forte, mas você não pode sair, tá bom?

Ela acena com a cabeça e eu continuo.

— Você teve sorte que o Maurizio é uma pessoa de bom coração, mas se fosse qualquer outra, de umas uma, ou você poderia morrer por causa de um vilão ou de um animal, ou a guarda real te levaria de volta e eu seria enforcada.

Ela abaixa a cabeça e eu sinto pena, no entanto me sinto obrigada a continuar:

— Eu sei que é difícil, mas eu vou dar o máximo para nos proteger, mas enquanto eu estiver fora, não vou poder fazer nada, entende?

Ela dá um sorriso maroto e olha para lá fora, eu olho também procurando o quê ela olhava, até que ela diz:

— Sabe? Acho que tanto eu quanto minha irmã somos destinadas a paixões proibidas.

— O que quer dizer com isso?

— Minha irmã não morreu afogada como foi divulgado. – Ela soltou e eu travo na hora. – Ela se apaixonou por um vilão capturado pela coroa na guerra e fugiu com ele.

— Um... vilão?

— É, eu sei o que dizem, mas...

— Mas o quê? Ele era um vilão bonzinho? Porque isso está explodindo minha cabeça.

— Ela era feliz com ele. Normalmente ela era infeliz, e falando como alguém que acompanha cada uma de suas saídas secretas para visitar ele na prisão, ele iluminava seus dias.

Não cabe a mim entender.

— Qual sua paixão secreta? Depois dessa provavelmente não me assusto com mais nada.

— Acho que agora nem pode ser considerada secreta. – diz rindo

Nesse momento, tudo acontece rápido mas ainda assim consigo ver tudo em câmera lenta. Mica se levanta da sua cadeira e fica a minha frente.

Chego pra trás por reflexo, mas a cama me faz cair sentada nela. Ela continua vindo a minha frente e eu engulo seco, eu não podendo prever o que vai acontecer.

Suas mãos macias tocam o meu rosto e fecho os olhos para sentir melhor seu toque. Ela levanta meu queixo e eu minha boca se abre sem que eu sequer note.

— ALOHA! ABRE A PORTA! – Uma voz grita do lado de fora da casa e nós nos afastamos.

— ALOHA! ABRE A PORTA! – Uma voz grita do lado de fora da casa e nós nos afastamos

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