11

35 8 4
                                    

RESIDÊNCIA DE GLÓRIA, VILA LAURA, SALVADOR - BA

Mauro conhecia Luís e Glória a dois anos, desde que começara a trabalhar com ela, e adorava os dois, eles se tornaram uma espécie de família para ele. Quando se divorciara, meses atrás, o casal fora seu maior apoio, ela o ajudava a manter a cabeça no lugar, no trabalho e fora dele, e Luís o distraía lhe arrastando para os bares e até lhe apresentando algumas mulheres.

Mauro dava graças à Deus quando estava com eles, tanto pela companhia, como pela comida de Luís que era uma delícia e por não ter que voltar para a solidão do seu apartamento.

- E aí investigador? Precisamos sair qualquer dia, beber um pouco, conhecer algumas gatas - brincou Luís.

- Acho que eu vou conhecer alguns gatos também - comentou Glória

- Fica com ciúmes não amor, as gatas são pro Mauro, eu já tenho você - Luís se explicou e a beijou.

- Ei! Eu vim comer e não ficar vendo vocês se agarrando, por favor - reclamou Mauro.

- Desculpe. - Luís se separou de Glória.

- Pegamos um caso difícil, não temos tempo pra nada, mas quando resolvermos ele nós dois vamos virar a noite por aí - sorriu Mauro.

- Vamos mudar de assunto. Cadê a criatura? - Glória perguntou ao marido.

- Que criatura? - perguntou Luís, confuso.

- Sua irmã, ora.

- Não a trate assim Glorinha.

- Todos não somos criaturas de Deus amor? Não foi uma ofensa.

- Já pedi uma vez e vou pedir de novo, tente não brigar com ela.

- E eu já disse que vou tentar. Cadê ela?

- Chegou nestante e disse que ia tirar a poeira da viagem. Vamos beber alguma coisa enquanto esperamos.

- Ótima ideia - concordou Mauro.

***

O almoço fora agradável em relação à comida, mas um tanto indigesto em relação ao tema da conversa ao redor da mesa. Lá pela metade da refeição, depois de Clarisse falar sobre a sua pesquisa no Estados Unidos, ela, Glória e Mauro iniciaram uma discussão acirrada sobre o que leva alguém a cometer um crime:

- Uma pessoa comete um crime por que é má, ponto - sentenciou Mauro.

- Não investigador, todo mundo tem um lado mau, mas nem todo mundo se torna um criminoso - discordou Clarisse.

- Ok, nesse caso, uma pessoa comete um crime por que desenvolveu mais seu lado mau do que seu lado bom, o que é quase a mesma coisa, doutora.

- Isso não é de todo mentira, mas o que faz uma pessoa cometer um crime é o que faz ela desenvolver seu lado mau e não apenas o fato dela ter esse lado mais desenvolvido do que o lado bom...

- Que podem ser as condições em que a pessoa foi criada, as coisas que ela já viveu, algumas doenças, etc, etc, etc. - interrompeu Glória - até aí tá tudo bem, o que eu não entendo é por que saber disso pode nos ajudar a evitar que um crime aconteça?

- Por que saber disso no faz prestar mais atenção no comportamento das pessoas, como elas se desenvolvem ao longo da vida ou como elas se comportam depois de determinadas situações e se elas precisarem de ajuda, vão recebê - las. Por exemplo, uma pessoa que sofreu algum tipo de agressão em algum momento da vida e depois de um tempo se torna agressiva, se esse comportamento inadequado for trabalhado de alguma forma, essa pessoa pode aprender a controlar sua agressividade e evitar que algum dia ela agrida ou até mate alguém, intencionalmente ou não.

- A ideia é boa, mas na prática não funciona, você pode até amançar uma onça, mas ela vai continuar sendo uma fera perigosa, pronta para atacar qualquer coisa que pareça uma ameaça, mesmo que não seja - afirmou Mauro.

- É uma bela analogia Mauro, mas eu disse controlar e não extinguir a agressividade de alguém. Além disso, a análise comportamental é uma ciência falha e como em tudo na vida vida, há exceções nela também, pessoas que fogem à regra, nem todo mundo que é frio, que não demonstra sentimentos, que pareça não gostar de ninguém é um psicopata, embora todo psicopata tenha essas características.

- É por isso que eu não acredito em nada disso, gosto de coisas concretas e não suposições, elas não me servem.

- Pelo menos não no nosso trabalho - completou Glória.

- Serve. Se você não tem nenhuma evidência física que, ao menos, lhe dê um único suspeito, analisar as ações do criminoso no local do crime pode reduzir o número de suspeitos.

- Como assim?

- Bom… evidências, se ele deixa alguma, isso pode significar que ele é desorganizado, impulsivo, a menos que o crime não tenha sido planejado, tenha sido acidental. Mas se ele não deixa rastro é organizado, metódico, planejou tudo, é frio e cauculista. É mais ou menos isso.

- Ah, mas isso qualquer um é capaz de deduzir - bufou Mauro.

- É só um exemplo, há muitas outras coisas que também podemos descobrir com essa análise, idade, etnia, sexo, estado emocionacional, etc, e as chances dessa análise estar certa não é cem por cento, mas chega perto.

- Duvido.

- Que tal um desafio? - propôs Luís que até aquele momento se mantivera calado - você mostra fotos de algum crime que já tenha sido solucionado, Clarisse faz a análise e depois vocês verificam se ela acertou alguma coisa.

- Eu aceito o desafio - respondeu a psicóloga.

- Vai ter que ficar para outro dia,

nosso horário de almoço acabou. Temos que voltar ao trabalho - informou Glória.

- Está bem, mas aceito o desafio também, vamos ver se essa "ciência" funciona mesmo.

- Não só funciona - afirmou Clarisse -, como um dia ainda irá lhe ajudar em alguma investigação.

Mortos ao Pé da LetraOnde histórias criam vida. Descubra agora