DHPP, PITUBA, SALVADOR - BA

Ninguém sabia de nada e todos só faltaram dizer que Cláudio Nunes era um santo, o laudo da necrópsia não acrescentara nada de novo ao que o médico legista já havia lhes dito, a perícia divulgara um laudo preliminar que informava que só havia digitais de Cláudio Nunes no apartamento e que nada fora roubado, se passara pouco tempo para que Renato pudesse ter algo para lhes dizer sobre o favor que lhes pediram, em síntese, andaram, andaram e não saíram do lugar.

Casos como esse deixavam Mauro mais estressado do que o normal, naquele momento ele andava de um lado para o outro na sala de Glória(ficava mais lá do que na própia sala), resmungando.

- A gente devia ligar pro Renato, talvez ele tenha descoberto alguma coisa.

- Se tivesse descoberto algo ele teria ligado e não vai adiantar apressá - lo. Tenha paciência homem e pare andar pra lá e pra cá, já tá me dando agonia.

- Andar me ajudar a pensar e o meu irmão é muito lerdo.

- Não é. Olha aqui. - Glória apontou para a tela do computador onde estava trabalhando - Encontrei cinco concursos literários feitos recentementes por pequenas editoras para publicação de livros, podemos ligar para elas e pedir a lista dos candidatos, Cláudio Nunes deve aparecer numa delas.

- Já é alguma coisa - falou Mauro, olhando os resultados da busca de Glória. Ele pegou o telefone e ia digitando o número da primeira editora quando alguém bateu na porta.

- Entre - ele autorizou. Glória revirou os olhos, um dia ainda diria a ele o quanto odiava que ele agisse como se aquela sala fosse dele.

- Bom dia investigadores - cumprimentou um policial entrando na sala - A diretora quer que vocês deêm uma olhada numa cena de crime num apartamento que fica em cima de um café na Vila Laura. Suspeita de homicídio.

- Diga a ela que estamos ocupados com outro caso - respondeu Mauro.

- Ela disse que era para passar esse caso para vocês porque o de vocês não está andando.

- Mas nós…

- Está bem - Glória interrompeu Mauro - , nós vamos lá. Obrigada. - O policial acenou e se retirou enquanto Mauro fulminava Glória com os olhos.

- A Viviam não ia aceitar a nossa recusa. - se explicou Glória - Nós vamos lá, damos uma olhada rápida e depois voltamos ao nosso caso. - Mauro saiu da sala bufando de raiva, mas dessa vez Glória o entendia, também não gostava de interromper uma investigação, muito menos com outra.

***

FRIO GOSTOSO, VILA LAURA, SALVADOR - BA

- Eu e meu marido comemos aqui de vez em quando, tem bolos deliciosos e é perto de casa. Esse lugar não será mais o mesmo - lamentou Glória em frente ao café.

- Me lembro de já ter me encontrado com vocês aqui uma vez.

- Pois é.

A escada para o andar de cima do café ficava num corredor ao lado dele, fechado por uma grade que naquele momento estava aberta, pessoas iam e viam lá de cima. Era um apartamento simples com uma sala e uma cozinha pequenas, divididas por um balcão, dois quartos, onde mal cabia uma cama e um guarda roupa, e um banheiro minúsculo. Era no chão da cozinha que o corpo estava estirado, rodeado por cacos de vidro e água.

- Olá doutor, o que temos? - perguntou Glória

- Homicídio por afogamento - informou o médico legista.

- Como ela se afogou? - perguntou Mauro confuso, olhando ao seu redor.

- Atrás de você. - Mauro se virou e deu de cara com uma máquina de lavar.

- Tá brincando! - ele disse incrédulo.

- Ela estava aí dentro, de cabeça para baixo e está cheio de água com sabão.

- É cada assassinato que me aparece!

- Ela devia estar lavando roupa quando foi atacada -  considerou Glória.

- Mas antes levou uma pancada na nuca com algo de vidro que se quebrou, deixando um corte no couro cabeludo dela - completou o médico legista.

- Desmaiou?

- Não sei dizer. Talvez sim, talvez não.

- Quem é ela?

- Lidia Ferreira, garçonete do café lá embaixo. A casa é do dono do café. Ele viajou a trabalho e ficou fora a semana toda, ela estava cuidando da casa para ele. Quando ele chegou hoje pela manhã, a encontrou, estava morta.

- E isso? - questionou Mauro, apontando para o pulso da mulher, nele havia um tubinho preso por uma pulseira. O médico legista apanhou - o e entregou a Mauro.

- Algum bilhete - ele disse.

Mauro o desenrolou, leu e seus olhos arregalaram de surpresa, que logo deu lugar à incredulidade, ele olhou para a mulher no chão, para a máquina de lavar, para a mulher novamente, para o papel, leu - o outra vez, sempre mudo, até que Glória tomou o papel de suas mãos e o leu também, ela e Mauro se encararam por alguns segundos, estavam pensando a mesma coisa.

- O que foi gente? - perguntou o médico legista, sem entender nada.

- "Era como mergulhar no mar, mas eu não conseguia emergir, nadava para todo lado em busca de salvação, mas algo me puxava para baixo, forte. E então minhas forças se exauriram e eu não pude mais lutar, simplesmente me deixei levar e de repente tudo ficou mais fácil." - Glória leu no papel.

- Não pode ser coincidência - falou Mauro surpreso.

- Como assim coincidência? - perguntou o médico legista, ainda confuso.

- O senhor se lembra de Cláudio Nunes, enforcado em casa a alguns dias atrás? - Glória começou a explicar

- Lembro.

- O que ele tinha no bolso da calça?

- Um papel com um texto que parecia descrever a morte dele.

- E o que esse texto parece? - perguntou Mauro apontando para o papel que Glória segurava.

- Parece que… - De repente o médico legista arregalou os olhos, compreendendo o que os investigadores tentavam explicar. - Nossa! Será?

- Precisamos saber mais dessa Lidia Ferreira - afirmou Glória.

- Vamos começar falando com o chefe dela e os colegas de trabalho. Obrigada doutor - falou Mauro dirigindo - se para a escada. Glória seguiu seu parceiro e ambos desceram para o café ainda sem acreditar no que estava acontecendo.

Mortos ao Pé da LetraOnde histórias criam vida. Descubra agora