02. ESMERALDA: O monstro

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O som da risada de Carmine arranha meus ouvidos, sua alegria me irrita mais do que estar trancada num cômodo revestido por grades de metal esverdeado resistente demais até para eles quebrarem.

Detesto a felicidade dessa família, detesto o fato de estarem rodopiando pelos salões enquanto eu apodreço num cômodo escuro esperando a próxima refeição insossa ou um milagre.

Não, já faz um tempo que deixei de acreditar em milagres.

—Ele ainda não veio.—

Giancarlo diz, apanhando o balde usado para limpar meu quarto, exibindo uma carranca desgostosa ao encarar a vampira.

Inusual, diga-se de passagem, Carmine é do tipo que faz todos sorrirem.

No passado eu também caí na sua atuação, ou poder, não sei definir ao certo. Um magnetismo sobrenatural a envolve, ainda mais potente do que os outros dois.

Carmine entra sem olhar para mim, ainda guarda rancor da nossa última briga. É detida na porta por Vincenzo, o vampiro atira nela minhas antigas roupas de cama.

Estão cobertas de poeira, pois não uso desde que os calafrios começaram.

Detesto a sensação dos lençóis cobertos de suor grudando nas minhas escamas e também detesto visitas.

Tomara que ele não venha, seja quem for.

—Virá.—

Garante, exibindo um dos seus sorrisos mais arrebatadores, dando um pouco de vida à roupa sem graça que usa nos dias de caridade.

Nada de adereços, nada de bordados bonitos, nada de cores espalhafatosas.

Se a humildade pudesse ser representada numa pintura, seria num retrato de Carmine vestida assim. 

Falsa.

Entrava no meu quarto todos os dias, escovava meus cabelos, pintava meu rosto e então me deixava ver o quanto tinha ficado bonita. 

Eu só precisava ser cuidadosa, se um único pedaço da minha cauda ficasse à mostra a brincadeira terminava mal.

Carmine nunca mais fingiu ser legal comigo depois que estraguei o rosto dela com minhas garras.

Os cortes cicatrizaram alguns dias depois, uma lástima.

—Como pode ter tanta certeza?—

Vincenzo pergunta, irritado.

Ele está com sede, e odeia o tipo de comida que são obrigados a consumir desde que pararam de se alimentar de mim.

Conforme os dias passam a sede fica mais difícil de suportar.

—Eu só sei.—

Assevera Carmine, sendo interrompida por Vincenzo.

—Deus, não posso continuar me alimentando daqueles moribundos.—

Chuta o balde, derramando a água suja no piso. Teria atingido meu braço se Giancarlo não me erguesse do solo e colocasse no amontoado de colchas macias.
Fantástico.
Precisarei me arrastar sozinha quando saírem, além de aturar a presença incômoda daqueles demônios furtando um dos poucos momentos de paz que possuo.

—Eu sei, a última estava coberta de pústulas asquerosas, mas é o preço que precisamos pagar para nos mantermos humanos. Ainda está com fome?—

Uma senhora.

Eles a trouxeram para o quarto noite passada, acenderam o mesmo incensário que tenho agora a queimar quantidades exorbitantes de algo que não sei o que é, e descobri não ligar, pois a fumaça densa traz consigo um torpor adorável, além de afugentar os pesadelos.

Não gritou quando o trio se debruçou sobre ela, procurando uma parte boa da pele para morder.

As vítimas trazidas por Carmine nunca gritam, por isso é ela quem as escolhe.

Abraçam a morte com a mesma placidez que cordeirinhos sendo abatidos, alguns até rezam com os vampiros antes do fim, crendo serem anjos enviados para abreviar o sofrimento.

—Sim, e a culpa é sua, Carmine. Avisamos para não colocar os doentes lá dentro. Céus, ao menos troque de roupa, está fedendo mais do que a nossa engomadeira de St. Giles.—

Vincenzo deve estar com muita sede, ou não gritaria assim com a irmã, nem recusaria três convites seguidos para jogar cartas.

Ele adora jogar cartas, é o pródigo da família, sei pois não cansa de se gabar das diversões noturnas fedendo a charutos caros. 

Em outros tempos acreditaria ser preocupação, mais especificamente quando tentei me convencer de que não eram tão ruins.

O quarto é pequeno, bem mobiliado, considerando que é meu cativeiro.

As grades cercam todo o cômodo, inclusive a porta, uma jaula de bom gosto.
O piso não, ele é feito de madeira. Quebrei com socos uma vez, mas fiquei pendurada pela corrente cujo fio é firmemente ligado às barras.

Não dá para sair sem conseguir a chave.

Uma cama, uma banheira, cadeira de balanço, cobertores fofos, a corrente comprida o bastante para me arrastar por todo o recinto e três refeições ao dia sendo servidas religiosamente.

Antes de atacar Carmine também havia a hora do chá, mas eu estraguei tudo.
Eu sempre estrago tudo, dizem.

—Como eu iria saber? Ela quase nunca adoece, Vincenzo. Talvez esteja morrendo, parou de comer outra vez.—

Eu estava doente quando eles me capturaram, também adoeci durante a passagem pela França, por que não poderia ficar de novo?

Meus captores não são perceptivos, ou teriam notado que não consigo comer carne, até o cheiro me enoja.

É assim que eles me chamam, monstro, porque segundo os três minha espécie devora humanos e não têm alma.

Já machuquei alguém? Consulto as memórias dos anos de liberdade e nada, nas brigas com minhas irmãs era sempre eu quem apanhava. Matar? Menos.

Minto, devo ter machucado minha família ao sumir, principalmente a mamãe.

Nunca havíamos passado uma única noite separadas, e na primeira vez algo do tipo acontece.
A pobrezinha deve ter se culpado bastante, talvez ainda se culpe, resmungando algo do tipo:

"Se eu não tivesse saído Esmeralda ainda estaria aqui."

Bons pais são tolos assim, como se sua presença fosse capaz de nos salvar de qualquer coisa.

Acidentes domésticos talvez, mas não de qualquer coisa, e principalmente deles.
Os céus são testemunhas, mamãe só se retirou para tomar um banho depois de passar três dias e três noites no hospital cochilando sentada enquanto segurava a minha mão.

—Precisamos do médico, faça ele vir. E pare de acender o incensário, o cheiro  está infestando a casa, a fera mal se move, nem tentou me morder quando a peguei. A propósito, Carmine, não suba mais aqui assim, está fedendo. Melhor, não suba até nossa monstrinha voltar ao normal.—

∞∞∞

Prontinho, e com vocês, o monstro do sótão aprisionado pelos Giovanni. 

Tentarei manter um ritmo de atualizações ok, por isso os capítulos são curtos. 


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✔ Esmeralda e outras flores mortas| Carlisle CullenOnde histórias criam vida. Descubra agora