A sereia congela, apoiando o peso do próprio corpo em ambos os braços.
Existem cicatrizes profundas nos pulsos, além de marcas deixadas pela corrente.
No pescoço, além do corte por onde um fio generoso de sangue escorre, vejo uma mancha arroxeada circundando-o por completo.
Instintivamente vasculho o cômodo, localizando na cama outra restrição confeccionada do mesmo material da espada de Giancarlo.
Apostaria minha alma que se há um monstro na casa não é ela.
— Encham a banheira e tirem o incensário daqui.—
Arrisco, pois nunca tratei de uma criatura da espécie dela antes. Felizmente não é preciso ser um gênio para inferir que sereias na certa necessitam de água.
Olhos fundos, pele seca e ritmo cardíaco inconstante me fazem considerar que está desidratada e faminta. O cômodo inteiro fede a ópio, já vi pacientes com disenteria ou quadros de insuficiência respiratória e cardíaca morrerem em questão de horas após serem expostos ao uso excessivo da substância.
Há machucados menores na cauda, o mais recente na barbatana, julgo ter sido provocado pelas garras de Giuliano.
Avanço, sem conseguir conter a curiosidade de tocar na ponta, de onde filamentos finos semelhantes a agulhas feitas de um material brilhante despontam.
—Não faria isso se fosse o senhor, são extremamente afiadas.—
Giancarlo avisa e ela finalmente se move, agitando a cauda.
É suficiente para atingir minha mão, abrindo um corte profundo na palma.
Não sangro, sou velho demais para isso, só continuo encarando abismado a pele aberta.
—Querida, fique quieta, não me obrigue a machucá-la, sabe como me deixa triste. —
Mentira.
Giancarlo espera que ela erre só para puni-la.
— Precisa de ajuda, doutor?—
Avalia meu rosto, buscando o menor indício de descontrole.
Nego, enrolando o corte que ainda não se fechou com um lenço, apanhando a minha maleta.
Retiro pedaços de linho e a garrafa de tom âmbar de dentro da valise, molhando o tecido com uma pequena quantidade de fenol.
Ela quer fugir, mas fica exatamente onde está, cerrando os punhos com força quando pressiono o pano na ferida do pescoço e só então me concentro no restante, limpando qualquer vestígio de sangue de Giuliano que encontro.
Arde, Esmeralda começa a tremer mas duvido que seja em virtude da dor, pois coincide com a chegada de Vincenzo.
Leva o incensário e se põe a encher a banheira, faz o serviço depressa. Aproveita as breves pausas para observar como o rosto dela se contrai cada vez que descubro uma ferida nova e sou obrigado a desinfetá-la.
Depois disso era torcer para não precisar usar a solução nos machucados outra vez, pois irrita a pele lesionada. Um problema infinitamente menor do que a necrose, mas eu prefiro contornar.— Ela se curava em segundos ao ser posta na água, e então um belo dia parou de funcionar. A cauda também não era cortada por nada além da lâmina de Giancarlo.—
Vincenzo aproveita que virei de costas para guardar o material e se ajoelha na frente da sereia, que recua, assustada.
Tudo nela parece ser composto de raiva, medo e ossos.
Impotência me golpeia, pois não faço a menor ideia de como ajudá-la.
— Comida também.—
—Há comida no quarto.—
Sim, há, e fede.
Existem moscas no pedaço de carne. Nenhum doente ou pessoa sã deveria ser obrigada a comer aquilo.
—Algo leve, verduras ou mingau, nada de carne ou condimentos.—
Eles riem com o pedido, mas serve para o mais novo ir embora gargalhando. Carmine não volta, escuto o som de espelhos, estantes e móveis sendo destruídos num dos inúmeros andares da mansão.
— Doutor, faz ideia do que essas coisas comem?—
A julgar pela aparência dela, nem eles.— Até os ossos, doutor, devoram os humanos até os ossos. Sua mão, imagino, ainda não cicatrizou, correto?—
Confirmo sem mesmo olhar, e a possibilidade de existir algo forte o suficiente para nos atingir me fascina mais do que deveria.
—Na água duvido que seríamos capazes de pegá-la, tivemos sorte, muita sorte ao capturá-la. Caçava num hospital repleto de crianças, mas as pernas desses monstros são fracas. Esmeralda, o sol já se pôs, mostre.—Coisa.
Monstro.
O medo desaparece, sendo substituído pela raiva.
Ela quer matar Giancarlo tanto quanto quer ir embora. A julgar pelas marcas profundas da pele em contato com a restrição tentou partir as correntes inúmeras vezes.
— Eu disse mostre. Sabe o que acontece quando você me obriga a repetir uma ordem, não sabe, querida? —
A respiração da sereia engata, e noto seu esforço para não sucumbir a onda de terror que a invade quando o vampiro afasta uma mecha dos seus cabelos do rosto com a bengala, pressionando a cabeça do lobo em sua bochecha.
Odeia que a toque, e eu percebo que odeio que ele a toque também.
—Chega, ela precisa descansar e os lençóis estão imundos.—
—Foram removidos ontem. Não seja sensível, sem a algema e sozinho o monstro o mataria em segundos. Claro, morreria envenenada depois, mas ainda assim o senhor seria destruído.—
Enfatiza a última parte com um sorriso brincalhão nos lábios, pois é algo que a assusta.Dor.
Medo.
Giancarlo gosta de ver tudo isso no rosto dela, e não sou capaz de atribuir essa característica a um ser com objetivos nobres.
— As feridas não vão cicatrizar bem na sujeira. A banheira deve ficar sempre cheia, de preferência troquem a água mais de uma vez ao dia.—
Convencer leigos da importância de manter um ambiente antisséptico é uma tarefa hercúlea, já perdi a conta de quantas vezes fui chamado de charlatão por tentar deixar o ambiente hospitalar limpo.Giancarlo, no entanto, só revira os olhos, vai até a porta e repete as instruções para Vincenzo, que obedece.
O alívio só dura um segundo, pois ele repete a ordem, modificando alguns termos.
— Tome um banho e use um dos vestidos novos. Se não estiver pronta quando voltarmos, e será em breve, terá que fazer isso enquanto assistimos. —
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✔ Esmeralda e outras flores mortas| Carlisle Cullen
Fanfiction[+18 ✔ CONCLUÍDO Carlisle Cullen & O.C | Vampiro & Sereia | Esmeralda e outras flores mortas ✺Volume único |sem revisão] Cansado de ter seus hábitos continuamente postos à prova, Carlisle decide deixar a Itália. Sozinho e perdido, viaja para Londr...