22. ESMERALDA: França 1800 - PARTE II

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Chegamos no jardim em silêncio, com Vincenzo sustentando a maior parte do meu peso me ajudando a caminhar. Não por gentileza, e sim porque o braço em volta da minha cintura pressiona os cortes já fechados mas ainda doloridos feitos pelo látego na noite passada.

Recuperação lenta acontece quando eles bebem demais, e na última semana eu os alimentei todos os dias.

Ele passa pelas mesas de chá e me coloca ao lado da fonte dos pássaros, onde posso me apoiar com mais facilidade sem ajuda alguma.

Na janela do último andar da mansão, o bichinho número quatro e único vivo olha, apoiando a mão ossuda no vitral empoeirado.

Não vai aguentar muito tempo, nem eu. É um milagre que tenha passado o dia respirando depois que Ethan e Olívia a levaram do porão para o quarto após terminarem comigo.

— Que tal um jogo honesto?—

Pergunta ao escutar o som da carruagem levando Carmine, Vincenzo, Ethan e Olívia deixar a propriedade.

Fico em silêncio, ele solta a corrente da coleira, se aproxima e pela primeira vez desde que nos conhecemos não diz nada maldoso, destrava o adereço, lançando-o no chão.

Permaneço exatamente onde estou, pois não existem jogos honestos com Vincenzo.

—Pode ir, considere um presente de aniversário. Hoje completa dois anos.—

Meu coração afunda e meus olhos queimam.

Não aguentarei mais uma primavera com essa corja de lunáticos.

Vincenzo passou dias resmungando sobre quanto é incômodo me alimentar, queixando-se do fedor da cela que sequer limpa, pois Carmine e Giancarlo ficam com essa parte do serviço considerada mais incômoda.

Ele me deixará ir?

—Seja rápida, posso me arrepender, monstrinha.—

Rápida.

A palavra soa como uma espécie de piada de mal gosto, pois tudo o que não sou caminhando é rápida.

Mal consigo controlar a transformação.

O tédio no semblante de Vincenzo me motiva. Ele perde o interesse em tudo que se propõe a fazer, deve ter se cansado de mim também.

Rezei tanto por isso.

Viro de costas e corro sem olhar para trás.

Os primeiros passos me fazem arfar, nem segurando nas vinhas consigo manter o ritmo. Antes de vencer os primeiros metros estou trincando os dentes, com os pés ensanguentados e a beira do colapso.

Quanto falta?

Consigo sentir o cheiro do mar, ele me chama, chegarei lá rastejando se for preciso.

Aumento a força imprimida para me segurar nas vinhas e continuo, continuo mesmo escutando as risadas atrás de mim.

Ele sequer está correndo, só ri.

Amaldiçoo minha tolice e olho em volta, a propriedade parece não ter fim.

—Tão estúpida... sereias não correm, elas nadam. Ainda bem que você é uma flor, e flores só precisam ser bonitas.—

A zombaria me faz parar, pois é verdade. Eu não corro, é idiotice tentar uma abordagem assim.

Estamos sozinhos.

Giancarlo nunca deixa a bengala.

Vincenzo não trouxe a corrente de oricalco, ou eu teria escutado o metal tilintando.

✔ Esmeralda e outras flores mortas| Carlisle CullenOnde histórias criam vida. Descubra agora