Capítulo 7: O poeta artificial

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 Scaramouche foi projetado para ter um corpo cientificamente ideal: tudo nele era simétrico e seguia a proporção áurea, seus cabelos nunca caiam, sua quantidade de pelos era apenas suficiente para manter o seu calor corporal, e ele nem mesmo chegava a suar. Tudo, absolutamente tudo, calculado milimetricamente para a perfeição. Ele sempre viu nisso uma das várias provas de sua superioridade ás criaturas criadas aleatoriamente pela natureza. 

  Naquele momento, naquele maldito momento, toda aquela convicção trabalhada e retrabalhada em sua mente por séculos a fora ruiu totalmente. Mona, como toda criatura orgânica natural, não era perfeitamente simétrica nem mesmo completamente proporcional. Ele via claramente que um dos seios dela era maior que o outro, a pele dela era marcada por algumas manchinhas e estrias finas bem branquinhas. Tudo aquilo a fazia única! Só ela existia daquele jeito. Outros seres teriam outras marcas? Sim, mas... só aquelas eram as dela.

  A natureza criava obras de arte únicas e especiais, já a ciência criava meros artefatos replicáveis... substituíveis...

  Não, ele não iria pensar menos de si só porque estava contemplando a beleza estonteante da maga! Aqueles cabelos soltos, o luar ao fundo, o frio eriçando toda a pele nua dela, a expressão compenetrada no rosto dela ao fazer o máximo para se limpar... adorável, poético até. Agora ele conseguia entender os poemas de seu antigo companheiro de azul.

  Ela era bonita sim e daí? Não era o suficiente para um ser como ele se submeter.

  Bela fada a se banhar no luar

  Nãoooooo, nunca mais poemas, não. Isso era uma parte de sua vida que já tinha deixado para trás há muito tempo. Precisava reagir ou acabaria tendo seus pensamentos dominados por ela, tão efêmera e por isso tão bela. A arconte jamais conseguiria entender o que era a verdadeira beleza, a beleza que as pessoas de Inazuma entendem e pareciam pois a eternidade é inimiga da beleza. Só o efêmero é belo com todo o seu vigor e intensidade.

    E lá estava ele dominado pela poesia novamente, maldição.

  Precisava reagir, sem pensar duas vezes soltou uma provocação á fonte de sua nova inspiração e de seus desejos inéditos. Queria que a maga gritasse e se escondesse nos cobertores dali, queria rir até gargalhar para desviar sua atenção. Só que ela não fez isso, ela foi ela mesma e o enfrentou ignorando sua própria nudez - e o frio da montanha também- seduzindo ele com sua atitude altiva, com suas próprias provocações. Era um jogo deles, ele provocava, ela reagia e por sua vez o provocava também, o que o obrigava a reagir também. 

  Um ciclo infinito como o Oroboros. 

  Até aquela manhã sempre circulavam naquela tensão igual aos dos copos de água um pouco antes de vazar, até que invariavelmente... transbordam e sempre pegam quem o segura de surpresa.

  Sob luz do luar e  ventos chicoteantes da Espinha do Dragão, Scaramouche foi falando e a maga retrucando até ele a tocar novamente. Era apenas um leve toque na maçã do rosto dela mas pode sentir a textura da pele dela, a temperatura dela, e se lembrar do gosto dela, do cheiro dela, e da temperatura dela.  Como pode ele não pensar naquilo? Mesmo  que por poucas horas, mesmo que sendo submetido a experimentos inconvenientes e levemente desagradáveis - mesmo sendo infinitamente mais leves dos que os que estava acostumado.

  Ele rompeu a tensão deles naquela manhã mas queria mais, queria melhor.

  Usou seu braço livre para a enlaçar com firmeza e aproximá-la de si. Pode então sentir a temperatura dela, estava mais fria do que naquela manhã consequência direta do banho que ela estava tentando tomar. Tentou se aproximar um pouco mais não para aquecê-la pois estava tão gelado quanto ela mas para ambos poderem se aquecer juntos.

A visita que ninguém quer ( finalizado)Onde histórias criam vida. Descubra agora