❆Capítulo nove: Tempestade.

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      Não olhei para trás em nenhum momento sequer. Não sabia ao certo o que estava fazendo, mas meu corpo se movimentava em desespero para qualquer lugar longe o suficiente. Aquelas palavras não conseguiam ser processadas em minha mente, eu havia matado Margôt e Marjorie? Não quis, nunca quis isso, não havia como ser verdade.

      O frio da montanha gelada era cortante e me engolia aos poucos. Meus pés afundavam na neve dificultando meu caminhar. Desta vez, ao recuar com dificuldade, avistei uma forte luz em meio a tempestade, que se aproximava cada vez mais. Tentando avançar, me deparei com uma enorme entrada em meio a paredes rochosas, era uma caverna. Adentrei-me tentando fugir da densa geada.

      Ao entrar, via a luz da lua refletir nos cristais formados pelo gelo. Meu corpo estava trêmulo e minhas pernas quase não se sustentavam. Me senti como da vez em que estava prestes a morrer, mas desta vez, sentia medo.

      Repentinamente, ouvi sons estranhos ecoarem por trás de mim, ao virar-me, meu corpo pareceu de fato congelar, havia um enorme animal, ou monstro, não sabia ao certo, me encarar com os dentes cravados. Seu peito possuía uma pelagem grossa e esbranquiçada. Seus olhos brilhavam e seus punhos estavam cerrados. Aquela coisa começou a se mover em minha direção com os passos pesados batendo no chão. Não conseguia me mover, estava petrificado, não reagia ou esboçava emoção alguma, apenas observava a criatura aproximar-se perigosamente. O monstro ergueu seus enormes braços em minha direção com um ódio visível em sua expressão contorcida, estava prestes a pegar-me, apenas tive tempo de fechar os olhos como um reflexo imediato.

      - Desabrochar! - Repentinamente, uma enorme flor pétrea surgiu em minha frente dilacerando o braço da criatura. O monstro gritou com a dor do golpe fazendo com que o chão tremesse. - Sucrose!

      - Beth Hypostasis! - Um cristal esverdeado e luzente surgiu em meio ao buraco no centro da caverna, logo, uma enorme corrente de ar começou a puxar a criatura, que em poucos segundos, caiu em queda livre. O estrondo do impacto afetou a caverna por completo, de pouco em pouco, as coisas começaram a desmoronar. - Mr. Albedo! Precisamos sair! - Sucrose e Albedo se entreolharam e viraram-se rapidamente para mim.

      - Oliver, temos que sair! A caverna irá desmoronar! - Não sabia como encarar aquilo, se voltasse, seria apenas uma ameaça a vida daquelas pessoas, não havia sentido em quererem-me de volta.

      - ...Me deixem aqui. - Sucrose me olhou em desespero.

      - Não podemos fazer isso!

      - Eu causei aquelas mortes, me levar só traria mais problemas! - Sucrose recuou ao ver um pedaço de gelo cair próximo a ela.

      - Oliver, não é simples assim, você não matou ninguém, venha conosco para conversámos! Você irá se machucar ou morrer se continuar aqui! - Sucrose gritou ofegante.

      - ... E se eu machucar mais pessoas? - Albedo se aproximou furtivamente estendendo sua mão.

      - Oliver, o único que vai se machucar é você se continuar aqui. A culpa das coisas que aconteceram, não é sua.

      - Disse que eu poderia escolher as coisas que faria daqui a diante... Não escolhi machucá-las...

      - Também lhe disse que há coisas que não estão sob nosso controle. - O chão começou a trincar-se rapidamente. - Oliver, você disse que confiaria em mim, não disse? - A expressão de Albedo ficou melancólica.

      - ... - Eu estava sendo egoísta. Não queria que corressem riscos por minha causa, mas sabia que não saíram dali sem mim. Fui impulsivo em sair sem rumo algum em meio a noite, mas estava assustado, não sabia como reagir a aquelas informações repentinas.

      - Confie em mim, por favor. - Albedo estendeu ainda mais sua mão. Mesmo receoso e tentando não pensar em tudo o que poderia acontecer ou dar errado, pela primeira vez depois de um tempo, ergui minha mão e segurei-a nas de Albedo.

      - Vamos! - Sucrose correu para a entrada da caverna e saiu. Albedo me puxou e correu logo em seguida. Antes que pudessemos nos dar conta, estávamos fora da caverna que acabara enfim por desmoronar. Todos estávamos ofegantes, o frio já nos assolava sem piedade. - Não podemos ficar aqui.

      - Vamos para a minha oficina no caminho da montanha, passaremos a noite lá.

      - Certo. - Caminhamos logo atrás de Albedo que indicou o caminho. Pensei que não fosse aguentar passar novamente pela tempestade, mas me mantive firme.

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      Um tempo depois, chegamos em sua oficina. Albedo acendeu a enorme fogueira que ficava em seu centro e fechou a entrada com uma porta pétrea, logo, pegou papéis espalhados em uma mesa e desenhou três colchões.

      - Servirá por está noite. - Como da última vez, os colchões saltaram da folha se tornando físicos.

      - ... Nunca senti tanto frio. - Sucrose esfregou suas mãos tentando aquecer-se. Ela foi em direção a um cabide que ficava no centro do local e pegou um casaco qualquer. Ela arrastou seu colchão próximo da fogueira e deitou-se ainda trêmula. Um tempo depois, Albedo e eu fizemos o mesmo, mas ao invés de deitarmos, ficamos sentados nos esquentando na fogueira.

      - ... - Muitas perguntas rodeavam minha mente, mas tinha vergonha, vergonha de dizer qualquer coisa. De todo modo, precisava antes de tudo, me desculpar por toda confusão que causei. - Albedo, me desculpe... - Minha voz soou tão baixa e rouca que pensei que o mesmo não me ouviria. Albedo olhou para cima e suspirou.

      - ...Tudo bem, Oliver. Você se assustou com o que ouviu... Acho que não nos expressamos bem, de qualquer forma. - Eu abaixei minha cabeça.

      - Não.. Eu não devia ter feito isso.. Foi imprudente.. Vocês poderiam ter se machucado por minha causa.. - Albedo olhou para mim e suspirou.

      - Foi uma sequência de acontecimentos que desencadearam em outros.. Acontece. - Albedo se levantou e se sentou ao meu lado.

      - ...Vocês não deveriam ficar longe de mim?

      - Meu organismo e o de Sucrose são diferentes dos de humanos. Não nos afetamos da mesma forma, mas não significa que não somos afetados. De todo modo, fiz testes em meu sangue pelo fim da tarde, não apresentou nenhum sinal de cristal tóxico. - Ele olhou para suas mãos.

      - Então.. Vocês não tiveram alterações por minha causa?

      - Não.. Eu não diria isso. Mas não se preocupe por enquanto, nós estamos protegidos com um campo elemental, ele rodeia nosso corpo e retém substâncias prejudiciais, mas não dura muito tempo e infelizmente são extremamente escassos... - Apoiei meu queixo em minhas mãos. - Ei, vá descansar, não pense muito nessas coisas.

      - Não.. Não consigo parar de pensar em Margôt e Marjorie.. - Fechei os olhos momentaneamente, o frio pareceu tentar me engolir, meu corpo ficou trêmulo e meus ossos doíam, repentinamente, senti um par de braços me envolverem junto com um manto quente. - Minha simples presença fez aquilo com elas... Eu não queria...

      - Você nunca teve a intenção de causar isso, Oliver, de forma alguma, mas infelizmente, é uma condição do seu organismo, não controlamos isso ainda, mas vamos fazer de tudo para tentar resolver. Tudo. Confie em mim. - Albedo passou a mão em meus cabelos. O frio por um instante pareceu se dispersar. Meus olhos novamente se encheram de água contra minha vontade. Muitas coisas não eram da forma que queria, mas desta vez, sem pensar muito, aceitei o abraço de Albedo e encostei minha cabeça em seu peito deixando que o cansaço me engolisse. Mesmo com a tempestade que assolava-me, não passaria tanto frio.

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