011 - Aniquilação

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Anton

Até o momento em que terminamos de carregar as carroças o sol já tinha ido embora. Minha companheira exala o cheiro de carmesins e damas da noite. Consigo sentir antes mesmo de atravessar a porta. Meu lobo ansioso por ela estremece por dentro, e um arrepio corta minha espinha. As flores que ela havia recebido não murcharam, na verdade pareciam até mais brilhantes hoje de manhã. O cheiro, no entanto, não vinha mais das flores, e sim dela, como se minha Luna o tivesse incorporado, tomado para si. Mesmo que sem perceber, eu imagino...

O mistério que a rondava me intrigava. Não tinha dúvidas quanto à nossa ligação, ou quanto ao que eu sentia em respeito a ela. Nossas almas estavam destinadas, nossos corações batiam em conjunto. Ela é minha. Mas não consigo afastar essa sensação estranha. A sensação de não saber nada sobre ela, nem mesmo seu nome. Estou prestes a entrar quando sou chamado novamente pelos sentinelas. Notícias do norte.

— Senhor, uma feiticeira da alcateia vizinha confirmou. — elle hesita ao terminar. Não sabia mais o que dizer.

Eu o dispenso. Dispenso a todos, exceto os sentinelas que faziam a ronda. Um choro abafado me põe em alerta e eu vou direto para sala, temendo a pior reação. Sybil soluçava agachada com a cabeça nos joelhos perto da lareira, e minha companheira caída no sofá, dormindo. O alívio por vê-la bem junto com a visão da feiticeira me puxam para a gravidade do problema. Primeiro a Lua sumiu. E agora isso...

— Sybil... — Eu me aproximo, tocando seu ombro devagar — Me diga o que aconteceu. — pergunto, mesmo já sabendo.

— Eu estava terminando de ensiná-la quando eu vi o que ele fez... — sua voz estava embargada e sem fôlego de tanto chorar, e seus olhos já estavam inchados quando olha para a minha companheira — Eu entrei em pânico e acho que a apaguei, me desculpe...

— Está tudo bem, o que importa é que vocês duas estão bem. — tento tranquilizá-la.

— Me diz que não é verdade, Anton, por favor, não pode ser... Me diz que eu estou enganada...

Sabia como Sybil podia se autodepreciar facilmente, e não podia deixar aquilo piorar. Ela já estava muito abalada.

— Você tem um dom, Sybil, você pode ver coisas que ninguém mais consegue. Você nos ajudou várias vezes no campo de batalha e agora não será diferente, vou precisar da sua ajuda. Isso não vai ficar impune. Eu prometo.

Uma coisa era atacar humanos que nos atacavam, eu podia entender até que ponto a fúria poderia nos levar. Mas começar a matar nossa própria espécie?

— Porque não vai pra casa? Pode descansar por uns dias, não vou pedir nada que...

— Com todo respeito, Anton, mas eu não quero descansar. Não quero ir para casa, por favor...

Concordo. Esperando que ela se recomponha.

— Eu fiz isso... — ela olha pra minha companheira — Eu tenho que consertar... Pensei em usar infusão de ervas mas pensei em um antídoto mais potente.

Sybil olha para mim com expectativa. Estendo a mão para que ela me dê a faca. Analiso o pequeno corte na testa da minha companheira adormecida. Não passava de um arranhão agora, mas quem sabe não seria capaz de curar mais do que um simples ferimento. Era um pensamento otimista e esperançoso demais para os tempos, mas era tudo o que eu tinha. Ela acendeu uma chama de esperança em mim que eu não tinha há muito tempo. Abro um corte em minha mão e deixo o sangue escorrer até cair sobre a ferida. Minha mão se cura quase instantaneamente, e o sangue que caiu sobre ela começa a adentrar sua pele.

— Vamos trabalhar então. — ponho a faca de lado. A feiticeira concorda com a cabeça. Eu a ajudo a levantar e a conduzo até o cômodo ao lado. — Me conte o que você viu. — peço. Mantenho a voz firme e cuidadosa.

Rusalka (Em Andamento/Reescrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora