015 - Rebelião

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Anton
Quarenta e seis anos atrás

Estávamos famintos há dias. Passei a noite em claro patrulhando a área. Não deixei que revezassem os turnos, eles precisavam descansar se quisessem ter uma chance de cruzar a fronteira, e as tropas humanas continuavam em nosso encalço, esperando pela oportunidade de nos pegar desprevenidos. Por erro meu deixei que avançassem demais, por isso tive que voltar imediatamente para acordar os outros. Não tive tempo de encobrir meus rastros, e eu lembro tarde demais de que deveria ter trazido uma feiticeira comigo, teria sido bem útil. Seguimos pela margem do rio cada vez mais ao sul. Se fossemos pegos a caminho do porto seríamos mandados imediatamente para Tarynth, local da maior prisão de lobos de que tivemos notícia em vinte anos. Achávamos que dariamos conta dos exércitos humanos, e nos primeiros anos tivemos vitórias significativas, mas eles aprenderam a nos caçar e seus métodos de tortura eram tão cruéis quanto os do causador da guerra.

Caerwyn não deixava passar nada, nem mesmo pessoas do campo que não viviam dentro dos domínios de grandes reinos. Não só ele, mas depois do que houve muitos Alfas queimavam tudo por onde passavam. Já tivemos incontáveis perdas, e tratados de paz foram forjados em vão, eu mesmo tomei a iniciativa em vários deles, não aguentando mais ver tanto sangue derramado a troco de nada. Ainda assim a paz nunca durava mais de um ano. Companheiros foram achados em ambos os lados, e muitos lobos se recusaram a lutar em uma guerra onde poderiam encontrar seus destinados no lado inimigo. Nossas alternativas eram escassas, mas eu faria de tudo para ajudá-los, pois não consigo imaginar quantos acordos e juramentos eu quebraria por uma companheira.

— Ainda estão nos seguindo? — Devon vem para o meu lado.

Olho para o vale abaixo de nós, entre as árvores haviam dois grupos de caça nos seguindo, e se não começassemos a nos mover não conseguiríamos sair dessa floresta nunca mais.

— Sim, temos que ir agora — respondo.

Devon e os outros reúnem seus companheiros humanos, deixando que subam em suas costas mais uma vez, e se tivéssemos sorte seria a última vez. Constato no pior momento que deveríamos ter saído há pelo menos uma hora, eles já estavam muito perto e o terreno plano favorecia os cavalos a irem mais rápido. Já estávamos cansados de fugir por vários dias, minha divisão não conseguiria nos alcançar há tempo, a esta altura já deveriam ter levantado acampamento mas seria impossível que nos ajudassem agora, estávamos sozinhos.

Lidero o grupo por alguns quilômetros. Era meu dever garantir que ficassem a salvo. Como único Alfa presente eu deveria guia-los até um lugar seguro, o porto, de onde poderiam entrar num barco para bem longe daqui e terem uma chance de sobreviverem. Suspiro com o pensamento frustrante de não saber onde estava minha companheira. Até o mês passado nenhuma feiticeira pôde prever quando eu a encontraria. Mas por mais que eu quisesse, eu agradeci a Lua por ela não estar aqui agora, não iria querer que minha companheira estivesse no meio de tudo isso. Paro subitamente ao ouvir os cavalos trotando, mas não estavam apenas atrás de nós, vinham pelas laterais, e estavam bem mais perto.

Que merda. Como pude deixar isso acontecer? Me transformo, voltando a forma humana, recuperando o mínimo de fôlego para poder dar a ordem.

— Sigam em frente, depois daqui chegarão até a cidade, evitem se aproximar, contornem as muralhas há trezentos metros da fronteira, eles mantém exércitos acampados por perto.

— Você não vem? — meu beta questiona.

— Eu fui o motivo pelo qual estamos nessa situação, você já deve ter ouvido, estão muito perto, eu nos atrasei, falhei com vocês... Eu vou consertar isso.

Rusalka (Em Andamento/Reescrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora