A trilha que levava ao penhasco sempre fora íngreme. Eu já havia subido por ela zilhões de vezes, com e sem minha avó, e jamais me sentirá desse jeito. Não era mais só a tosse. E nem só os músculos doídos. Eu estava tonta e meu estômago começara a roncar tanto que me lembrei de Meg Ryan no filme Segredos do Coração ⁴ depois de comer todo aquele queijo e ter uma crise de intolerância à lactose. ( Kevin Kline está muito bonitinho naquele filme - quer dizer, bonitinho para um coroa.)
E meu nariz estava escorrendo. Não estou dizendo que eu estava fungando um pouquinho. Quero dizer que estava limpando o nariz na manga de meu suéter com capuz ( nojento ). Não conseguia respirar de boca fechada, o que me fazia tossir mais, e não conseguia acreditar como meu peito estava doendo! Tentei me lembrar de como morreram aqueles que não conseguiram completar a Transformação e virar vampiros. Será que eles tiveram um ataque cardíaco? Ou será que eles ficaram tossindo e de nariz escorrendo até a morte?
Pare de pensar nisso!
Eu precisava de vovó Redbird. Se não soubesse responder, vovó daria um jeito. Vó Redbird entendia as pessoas. Ela disse que isso se devia ao fato de ela não ter perdido o contato com sua tradição Cherokee e com a sabedoria tribal das Sábias ancestrais que carregava no sangue.** ⁴ French Kiss no original. (N.T.) **
Ainda hoje eu sorria ao pensar no jeito que minha avó franzia o cenho sempre que se tocavano nome do "padrastotário" ( ela é a única adulta que sabe que o chamo assim). Vovó Redbird disse que era óbvio que a magia do sangue Redbird, tão própria das Sabias Cherokee, havia passado bem longe das veias de minha mãe, só para que uma dose extra me fosse destinada.
Quando novinha eu subi por aqui segurando a mão de vovó incontáveis vezes. No prado de grama alta e flores selvagens nós abríamos uma manta vivamente colorida e fazíamos piqueniques no almoço enquanto ela me contava histórias do povo Cherokee e me ensinava as misteriosas palavras de sua língua. Enquanto eu subia com dificuldade o caminho sinuoso, aquelas histórias antigas pareciam girar sem parar em minha mente, como se fossem fumaça da fogueira cerimonial..... inclusive a história triste de como as estrelas se formaram quando um cachorro foi flagrado roubando farinha de milho e a tribo o açoitou.
Quando o cachorro saiu correndo e uivando para sua casa no norte, a farinha se espalhou pelo céu e a magia nela contida formou a Via Láctea. Ou como o Grande Falcão formou as montanhas e vales com suas asas. E a minha história favorita, a da jovem mulher-sol que morava no leste e seu irmão-lua que morava no oeste, e da Redbird que era filha do próprio sol.
- Não é esquisito? Sou uma Redbird e filha do sol, mas estou me transformando em um monstro da noite - ouvi-me falando em voz alta e fiquei surpresa de ver como minha voz soava fraca, principalmente com minhas palavras parecendo ecoar ao meu redor, como se eu estivesse falando dentro de um tambor que vibrava.
Tambor...
Ao pensar na palavra, lembrei-me dos debates aos quais vovó me levou quando eu era pequenininha, e depois, meus pensamentos de alguma forma soprando vida á memória, eu ouvi de verdade a batida rítmica dos tambores cerimoniais. Olhei ao redor, espremendo os olhos até mesmo com mínima luz do dia que acabava. Meus olhos doíam e minha vista estava toda estranha. Não tinha vento, mas as sombras das pedras e árvores pareciam estar se mexendo... se esticando.... procurando me alcançar.
- Vó, estou com medo... - eu choraminguei entre tosses devastadoras.
Não há porque temer os espíritos da terra, Zoey Passarinha.
- Vó? - Será que eu tinha escutado sua voz me chamando pelo apelido, ou era só esquisitice e ecos, dessa vez vindo de minha memória ?
- Vó ! - chamei outra vez, e então parei para ouvir alguma resposta.
Nada. Nada a não ser o vento.
U-no-le... a palavra Cherokee para vento entrou em minha mente como um sonho parcialmente esquecido.
Vento? Não, espere ai !Não havia vento nenhum segundos atrás, mas agora eu tive que segurar meu chapéu com uma das mãos e com a outra afastar os cabelos que me açoitavam o rosto selvagemente. Então pude ouvir no vento - os sons de muitas vozes Cherokees cantando no tempo da batida dos tambores cerimoniais. Através de um véu de cabelos e lágrimas vi fumaça. O cheiro doce de nozes e de madeira de pinheiro encheu-me a boca aberta e senti o gosto das fogueiras de meus ancestrais. Engasguei, tentando retomar o fôlego.
Foi quando os senti. Estavam todos ao meu redor, formas quase visíveis, vacilantes como ondas de calor emanando do asfalto no verão. Dava para senti-los me pressionando ao girar e se movimentar com passos graciosos e intricados, dando voltas e voltas ao redor da imagem sombria de uma fogueira Cherokee.
Junte-se a nós, u-we-tsi-a-ge-ya... Junte-se a nós, filha...
Fantasma Cherokee... afogando-me nos próprios pulmões..... a briga com meus pais... minha vida antiga agora era passado...
Era demais. Corri.
Acho que o que eles nos ensinam em biologia sobre a adrenalina tomar conta durante momentos de pânico é verdade, pois apesar de meu peito parecer prestes a explodir, como se eu estivesse tentando respirar debaixo d'água, subi correndo a parte mais íngreme da trilha como se tivessem aberto todas as lojas do shopping para distribuir sapatos de graça.
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Marcada
CasualeBem-vindo ao mundo de The House of Night, um mundo parecido com o nosso, exceto pelo fato de que nele os vampiros sempre existiram Zoey acaba de ser marcada como uma vampira, O que significa o início de uma nova vida, longe de seus amigos e de sua v...