4 - Parte I 💀

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Então eu sentei na cama e tossi, ouvindo minha mãe ligar toda histérica para o número de emergência do psiquiatra, e em seguida, não menos histérica, fazer uma segunda ligação para ativar a temível corrente de preces por telefone do Povo de Fé. Dentro de trinta minutos nossa casa começaria a ficar cheia daquelas gordas Senhoras e seus maridos pedófilos de olhos maliciosos. Eles me chamariam para a sala de estar. Minha Marca seria considerada um "problema realmente grande e constrangedor", de modo que me untariam com alguma meleca que com certeza em entupiria todos os meus poros e me deixaria com uma espinha gigante na testa. Depois colocariam a mão na minha cabeça e começariam a rezar. Pediram a Deus para me ajudar a deixar de ser uma adolescente terrível e um problema para meus pais. Ah, e aquela coisinha que era minha Marca teria de desaparecer também.
Se fosse assim tão simples. Seria um prazer entrar em acordo com Deus para ser uma boa menina em troca de mudar de escola e  de espécie. Até faria a prova de geometria. Bem, o.k., talvez não a prova de geometria - mas, mesmo assim, eu não pedi para me transformar em um monstro. Aquilo tudo significava que eu tinha que ir embora. Começar minha vida de novo em algum lugar onde eu fosse nova no pedaço. Em algum lugar em que eu não tivesse amigos. Pisquei os olhos com dificuldades, fazendo força para não chorar. A escola era o único lugar no qual ainda me sentia em casa; meus amigos eram minha única família. Eu cerrei os punhos e esfreguei os olhos para não chorar. Uma coisa de cada vez - eu faria uma coisa se cada vez. Para começo de conversa, eu não ligaria de jeito nenhum com clones do "padrastotário". E, como se o Povo de Fé não fosse ruim o bastante, a terrível sessão de preces seria seguida por uma sessão igualmente irritante com o doutor Asher. Ele me faria um monte de perguntas sobre como me sentia em relação a isso e aquilo. Depois viriam com aquela conversinha, dizendo que raiva e angústia eram coisas normais em adolescentes, mas que só eu podia decidir o tamanho do impacto que isso teria em minha vida... blá-blá-blá e como se tratava de uma "emergência", ele provavelmente ia querer que eu desencavasse algo que me representasse minha criança interior ou sei lá o quê.
Eu, com certeza, precisava sair dali.
Que bom que eu sempre fora a "ovelha negra" e estava muito bem preparada para uma situação dessas. Tudo bem, eu não estava pensando exatamente em fugir de casa para sair correndo e me juntar aos vampiros quando guardei uma chave reserva debaixo do vaso de flores da minha janela. Eu estava apenas pensando que talvez pudesse querer dar uma escapada até a casa de Kayla. Ou, se eu realmente quisesse ser uma  menina má podia encontrar Heath no parque para ficarmos. Mas então Heath começou a beber cada vez mais e eu comecei a virar vampira. Às vezes a vida não faz o menor sentido.
Peguei minha mochila, abri a janela e, com uma graciosidade que dizia mais sobre minha natureza pecadora do que os sermões chatos do "padrastotário", abri a janela. Coloquei meus óculos escuros e dei uma olhada lá fora. Eram só quatro e meia ou algo asssim, ainda não estava escuro, de modo que fiquei realmente feliz pela existência da cerca privativa que me protegeu dos vizinhos abeludos. Deste lado da casa as únicas outras janelas eram as do quarto de minha irmã, e ela ainda devia estar no ensaio da torcida. ( Com certeza o inferno devia estar prestes a congelar, pois pela primeira vez eu fiquei contente pelo fato do mundo de minha irmã girar em torno do que ela chamava de "esporte da torcida".).

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