Nova vítima

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"(...) Embora uma pequena parte de mim se perguntasse se às vezes esquecer não era um ato de bondade, talvez o que matasse fosse lembrar."

-Eddie,
O Homem de giz.


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Holmes sentiu o peso daquela situação esmagar-lhe os sentidos, quando o outro acrescentou.

-Milorde tem estado constantemente agitado. Eu tenho percebido. - Albert deu aquele sorriso enigmático e por um momento Mycroft sentiu que ele era capaz de ler as suas expressões e cada um dos seus movimentos, exatamente como ele mesmo fazia como os outros.

Sentia-se vulnerável perto dele e não gostava disso.

-Eu tenho me preparado para esse dia durante muito tempo. Estudei e até cacei muitos vampiros. Mas eu nunca... - Ele ergueu a cabeça, encarando-o profundamente- ... encontrei um que fosse como você.

Moriarty deu um gole no chá. Eram raras as vezes que Holmes o encarava tão deliberadamente. Ele gostava.

- Precisa entender que há classes de vampiros... - começou.

-Algo como a realeza? - indagou- Eu procurei estudar sobre isso, mas não há muitas informações. - Segurou o queixo pensativo.

-Alguns nos chamam de Puro-sangue, outros de Nobres, alguns de Originais. Eu estou certo que não há muito o que estudar. Nós procuramos nos manter em sigilo, por séculos. Pelo menos a maioria. - Ele havia terminado seu chá e o rosto repousava suavemente sobre a mão.

-São muitos? - Perguntou segurando a xícara entre as mãos, a forma como Moriarty olhava para ele, às vezes o deixava preocupado, fazia aquele frio aterrador subir pela espinha.

-No momento, somos apenas 6 e 1. - Ele sorriu ao colocar as coisas desta forma. E Holmes achou que era curioso, por que não dizer apenas 7? Mas compreendeu que deveria haver uma razão, Moriarty era um homem sábio e experiente. Portador de um conhecimento infinitamente maior que o dele, por isso ele guardou suas conjecturas para si.

-Certo. - Holmes absorveu tudo o que lhe foi dito. - Sobre os assassinatos...

-Eu não creio que seja um dos meus. - Moriarty parou. - Mas talvez... alguém que tenha sido extremamente inteligente em vida. Alguém que tenha um poder de autocontrole impressionante. E que segue buscando vítimas com esse mesmo padrão. - Completou.

-Um vampiro inferior que se desenvolveu para além do esperado... Isso explicaria muita coisa. - Holmes ainda tecia ideias, quando algo lhe ocorreu. -A propósito se os seus, não estão envolvidos, qual a razão para que eu deveria temê-los? - Perguntou arrependendo-se no mesmo instante.

-Você é humano e está vivo. É simples. É só isso o que representa para eles. Uma excelente refeição. - Albert disse sucinto, mas não havia maldade em sua voz. Mais uma vez ele parecia divertir-se as custas do outro.

-E para o Conde? - Perguntou franzindo o cenho, sentindo-se claramente irritado.

-Eu poderia dizer o mesmo. Mas, nós temos um objetivo em comum. Então, não fique receoso, não vou me banquetear do senhor. -Ele o encarou com uma expressão sugestiva. - Ainda.

Mycroft encarou com indignação. Mas antes que pudesse dizer algo, o Conde pagou a conta e convidou-o a segui-lo.

-Para onde iremos? - Perguntou confuso. Mas ainda o seguindo.

-Para onde a outra vítima foi deixada. - O Conde acrescentou indiferente.

Depois de caminhar entre becos e ruas mal cheirosas, eles chegaram a um estabelecimento, parecia uma espécie de Ateliê de costura. A fachada estava desgastada e a vitrine parecia bastante velha.

Moriarty abriu a porta, fazendo soar um pequeno sino e os dois entraram no lugar. Haviam alguns manequins mal posicionados, e o balcão estava vazio, o lugar era sujo e mal iluminado.

Uma mulher idosa os observava, meio escondida na penumbra. Ela caminhou com a ajuda de uma bengala e apontou-a para Mycroft.

-Vocês são da polícia? -Holmes entendeu que a mulher era cega.

-Sim, senhora. - Ele confirmou e a mulher se acalmou um pouco.

-Mary. - a mulher se apresentou, então começou a falar -É realmente inesperado. A sociedade não se importa muito com pessoas feito nós. Ouso dizer, que eles nos esmagariam igual a pequenas formigas irritantes. Bem, eu suponho que isso não deva ser aplicado aos senhores, já que estão aqui. Por favor queiram me acompanhar. - Sua voz era baixa e rouca, e ela se movia com dificuldade. Usava um vestido de cores neutras e um xale puído.

-Desiree era francesa, sabe? Muito habilidosa. Durante muitos anos este lugar conseguiu se manter razoavelmente bem. Ela era dedicada e inspiradora, muito inteligente também. -Ela parou e ergueu um pouco a cabeça, como se tentasse recordar algo.

Os dois seguiram Mary por um pequeno corredor com pouca mobília e empoeirado. A tinta na parede estava descascando e algumas molduras antigas eram a única decoração.

-Ela era filha de uma amiga minha, chamda Ella. Mas a mãe adoeceu e ela nunca conhecera o pai, que era inglês, veio de tão longe para Cambridge, só para procurá-lo. E acabou enfiada nesse lugar -Ela sorriu levemente.- A menina tinha muita confiança em mim. E vejam, como ela terminou. - Ela ergueu uma cortina velha e os guiou por um lance de escadas, que rangiam a cada mínimo movimento deles. - Tanto potencial desperdiçado. - Ele balançou a cabeça tristemente.

-O que aconteceu com o corpo? - Mycroft perguntou. Mary deu de ombros, mas estremeceu um pouco, Holmes se perguntou se era por que o lugar estava frio, ou se era a idade. Talvez outra coisa.

-Bom, eu fiz o que pude, para dar pelo menos um enterro digno a ela, e me custou cada centavo que eu juntei na vida. Acho que era o mínimo que eu podia fazer. -Ela empurrou uma porta pesada.

-Sei que provavelmente é doloroso para a senhora, mas poderia nos informar o estado... - Mycroft começou, mas foi interrompido.

-... em que ela estava? - A mulher abriu a boca e depois fechou-a. - Seria bom, se vocês falassem com o meu marido, em relação a isso.

-Eric! Nós temos companhia. - O homem estava na pequena serraria, localizada aos fundos da pequena propriedade, onde trabalhava minuciosamente em um armário relativamente grande. Ele usava uma blusa velha e manchada, com uma calça escura. Os dois se apresentaram e o homem os mirou desconfiados. Antes de falar com impaciência.

- Ah, por Deus! - Ele ergueu as mãos em um gesto um tanto dramático. Mas o homem parecia realmente perturbado. Não sei como conseguiram fazer aquilo... eu sei que vão achar que sou louco, é o que todos aqui dizem. Mas... Todo sangue dela havia sido ... drenado. - Engoliu em seco. Sua expressão era de assombro. Então continuou.

-Depois repartiram o corpo da pobre menina em pedaços e mandaram de volta para casa, no mesmo baú onde ela costumava guardar as sua criações mais amadas. Que tipo de louco faria isso? - Seus olhos estavam perturbados. E os dois homens acharam melhor se retirarem, por hora.

- a fost un nosferatu. - Phillip falou em uma lingua que era estranha para Holmes. Ele parou na soleira da porta da velha serraria e o mirou.

- O que disse? - Mas o velho continuou a trabalhar, como se eles nunca tivessem estado ali.

-Vamos, Sr. Holmes. Não há mais nada para nós por aqui. - Albert disse taciturno.

-Você compreendeu o que ele falou? - O outro parou e ergueu os olhos profundos, eles pareciam agora um tom menos verde e mais opacos.

-Sim, mas agora eu preciso ir. Vejo você à noite, Sr. Holmes. -Ele sorriu e sumiu por entre as ruas fantasmagóricas da cidade. Mycroft tomou a carruagem e retornou para Garden Hall.

O Desejo dos ImortaisOnde histórias criam vida. Descubra agora