Força Maior

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"A Casa da Colina, desprovida de sanidade, se erguia solitária contra os montes, aprisionando as trevas em seu interior; estava desse jeito havia oitenta anos e talvez continuasse por mais oitenta. Lá dentro, paredes continuavam de pé, tijolos se juntavam com perfeição, assoalhos estavam firmes e portas estavam sensatamente fechadas; o silêncio se escorava com equilíbrio na madeira e nas pedras(...) e o que entrasse ali, entrava sozinho.

-A Assombração da Casa da Colina

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O salão estava ricamente decorado, uma tapeçaria grande descia do teto ate o chão, retratanto uma batalha de muita eras atrás. A lareira enorme deixava ambiente aquecido e duas poltronas no canto, ao lado de uma mesinha com livros quase transformava aquele salão em algo acolhedor.

O homem no topo da escada estendeu a mão em direção a poltrona e sorriu amistoso. Seus dedos deslizavam pelo corrimão e cada passo dele parecia calculado. Mycroft observou aquele a quem Albert chamava de Pai pela segunda vez. Ele possuía uma palidez assustadora, mas sua pele lembrava a seda mais pura.

O homem era um pouco menor do que ele julgara ao vê-lo no casa de chá com Nikolai. Seus cabelos agora pendiam soltos sobre os ombros, - e não presos como quando o vira antes - como uma cascata negra contrastando com seus olhos puramente carmesins.

Era tão belo, quanto mortal.

Sua postura era perfeita e embora possuísse uma aparência frágil, era impossível não reconhecer a força que ele exalava. Desceu calmamente os degraus. Os olhos avaliaram Holmes e ele percebeu que não havia hostilidade alguma alí. Mesmo assim não baixou a guarda.

-Não vai me apresentar seu... amigo? - Ele perguntou com ironia. Permaneceu parado de frente a Mycroft, era uns bons 15 centímetros menor do que ele, mas era o detetive quem se sentia pequeno.

-Marcus. - Holmes piscou meio atordoado por um segundo, mas logo recuperou-se e respondeu ao cumprimento com firmeza.

-Mycroft Holmes. -Marcus assentiu. E voltou-se para Albert.

-Me perguntei quanto tempo você demoraria para vir até aqui. - acrescentou. E tornou a mirar Mycroft. - Aprecio a sua coragem. - Albert se aproximou de Holmes de forma protetora.

-Precisava entender por que está fazendo tudo isso? Já esqueceu de tudo o que nos ensinou? - Indagou Moriarty.

-Albert, quando se é imortal a única coisa a qual podemos nos agarrar são as lembranças, então, como eu poderia ter esquecido? Porém, o que me pertuba é o fato de não entender a que está se referindo. - Ele sentou-se diante da lareira, o fogo queimava assim como os seus olhos
- Está se falando sobre Vladimir?

Moriarty permaneceu em silêncio, mas sua expressão entregava a realidade que o atormentava. Ele fitou Marcus com uma expressão magoada.

- Eu tenho regras muito estritas. São elas que tem garantido a nossa existência em sigilo. Ele traiu a irmandade. Traiu a sua família. - Suas mãos apertaram o braço da poltrona. - Vai tomar o mesmo caminho que ele?

Albert não respondeu. Ele não precisava.

-Você assassinou a parceira dele! Ele ficou completamente ...perdido. Foi você que o traiu.

Marcus se ergueu abruptamente.

- Ele era um tolo! -Esbravejou.- Ela nunca o havia amado, tudo o que aquela vadia queria era a glória de ser imortal. Você não sabe de nada.

- Então me diga o que eu não sei? - Perguntou baixinho.

- Ela estava transformando todas as pessoas que a deixavam minimamente irritada, apenas para ter controle sobre eles. - Marcus caminhou direção a Moriarty e Mycroft se colocou diante dele, que encarou-o surpreso. - Vladimir sabia. - Prosseguiu. - Ele achou que podia salvá-la de algum modo. Mas estava enganado. Só é possível salvar aqueles que anseiam por salvação.

Albert abriu a boca, mas seu Pai ergueu a mão impedido-o.

-Não fui eu que a matei, foi ele próprio. Eu nunca falei sobre isso, para ninguém e assumi uma culpa que nunca foi minha, para que o peso que ele sentia fosse um pouco menor. Aparentemente, não foi o suficiente.

O silêncio se tornou quase palpável entre eles.

-Eu... não fazia ideia. Por que nos manter no escuro e nos fazer odiá-lo?

-Seu irmão não teria suportado. Ele foi quem mais perdeu. E agora nós o perdemos. Eu não sou bom. Quem de nós é? Mas se nos virarmos uns contra os outros o que vai restar para tornar a eternidade suportável?

- Isso tudo é...

- É verdade. - Nikolai se aproximou furtivamente -eu nunca compreendi, mas quando eu fui visitar Vlad, ele confessou tudo. Nosso Pai o perdoou e o ajudou a lidar com isso por muitos anos, mas ele estava cansado. - Nikolai suspirou como se ainda pudesse respirar, então prosseguiu.- E me disse para ter cuidado. Havia uma força muito mais poderosa envolvida.

- Então o senhor o matou? -Albert perguntou sentindo que Marcus estava se esquivando desse assunto em particular.

- Sim, eu matei Vladimir. - Seus olhos fecharam-se pesarosos.

-Explique-se. - disse irredutível.

-Ele próprio me pediu e eu não podia lhe negar. Isso é tudo. Não me peça mais para falar sobre isso. - Sua voz ecoou fria e firme na grande sala.

-Então vocês não estão envolvidos nos assassinatos ? - Mycroft que estava apenas ouvindo a discussão se pronunciou. - E que força é essa que seu irmão o orientou a ter cuidado, aparentemente não era o seu Pai. - Ele voltou-se para Albert.

- Claro que não. - Marcus se pronunciou- Acha mesmo que após séculos de prudência, eu faria algo assim? Para destruir tudo o que construímos? - Ele parecia irritado e algo o incomodava. - E sobre essa força... Conheço apenas dois vampiros fortes o suficiente para rivalizar comigo neste mundo e um deles está morto. Mas será possível que...

Os três olharam-se entre si e um vento frio açoitou a sala quase apagando a lareira que queimava insistentemente.

- O Vladimir me falou que você planejava algo grande. Que estava usando Nikolai, iludindo-o com a esperança de trazer sua irmã a vida de novo.

-Isso me parece um tanto absurdo. - Marcus segurou o queixo pensativo. - Ele sabe que eu não tenho tais meios. Todos vocês sabem. Quando ele foi vê-lo? - Perguntou com olhos profundamente atentos. Algo parecia errado.

- Umas duas semanas atrás. - Respondeu Moriarty. Seu Pai ergueu a cabeça e o mirou com confusão.

- Isso é impossível. Ele não poderia tê-lo feito. Nessa época Vladimir já estava morto. - Acrescentou impaciente.

Sim, algo estava terrivelmente errado.

O pensamento inquietante permanecia em sua mente.

- Então, quem foi me ver? Ele próprio falou comigo. E no café alguns dias depois da visita. Mycroft escutou você conversando com Nikolai sobre a morte dele. - Albert acrescentou.

-Eu não saio da mansão durante o dia, já faz pelo menos uns três meses. Seja lá quem for que o seu amigo tenha visto, era outra coisa.

O Desejo dos ImortaisOnde histórias criam vida. Descubra agora