Capítulo - 4 - Na Cova e mais abaixo...

5 2 0
                                    


Estacamos. A nossos pés enorme cova se abria como se fosse uma bacia funda e larga, recoberta de limo e umidade. Percebi que o terreno se tornava mais viscoso, escorregadio. Estávamos parados à borda do novo abismo. Deveria ter uns oitenta metros de diâmetro de boca por uns quinze de profundidade, mas era uma cova estranha. Dentro dela "formas esquisitas" se movimentavam. Centenas de criaturas arrastavam-se no solo como "lesmas". Fiquei atônito. Orcus segurou-me a mão. Andavam unidas aquelas lesmas de forma humana como se um instinto muito forte as ligasse. Verifiquei que formavam como que uma pasta animada que se movimentava. Orcus levantou a destra e fez um sinal. Do alto, Gabriel enviou-nos um novo raio de luz espiritual que clareou a cova. Era espantoso contemplar aquela massa que se agarrava desesperadamente à terra. 

— São seres que perderam a consciência — informou o Espírito. Repare que parecem cegos. Acompanhei a observação de Orcus e verifiquei que de fato não demonstravam enxergar coisa alguma. Pálpebras caídas, fechadas ou semicerradas, peitos, barrigas e rostos colados no chão viscoso caminhavam como serpentes ou minhocas. Algumas eram brancas, mas a maioria era da cor do terreno: marrom escuro quase negro. 

—i Poderíamos conversar com alguns deles? — perguntei. 

— Não, é impossível. Não ouvem, não falam e não veem. O pensamento desses seres está quase paralisado. Tanto se imantaram às coisas da terra que instalaram em si mesmos o magnetismo terrestre como fonte de vida interior. São aqueles que não acreditaram em Deus nem na existência da alma embora não tenham praticado grande mal entre os homens. Mentalizaram o nada e se tornaram inconscientes. O sentimento de Deus e a crença na imortalidade imprimem ao pensamento uma velocidade maior e ao "corpo espiritual" maior intensidade de frequência celular do organismo espiritual. O homem pedra se tornará pedra. Gravitamos para a super consciência ou retornamos à inconsciência. Ser no universo é conquistar graus cada vez mais adiantados de consciência. Fiquei pensativo e silencioso. Orcus, porém, afagou-me a fronte com carinho e vi que em mim mesmo intensas vibrações despertavam para percepções diferentes. Na cova, aqueles seres rolavam ignorantes do que lhes acontecia. Não poderiam, provavelmente, compreender o que se passava com eles. Como era triste a situação dos que se julgando conhecedores de toda a sabedoria perderam-se a si mesmos na inconsciência e no mal! E agora, o que acontecerá com eles? — interroguei aflito. 

— Permanecerão neste estado até que um dia a força da lei os arraste de novo para a superfície... 

— Superfície? 

— Sim, superfície. Para a crosta terrestre onde você habita. Eles vieram de lá e hão de retornar para lá. A lei de ascensão descreve um círculo perfeito e amparará novamente os filhos do seu amor. 

— Gabriel desviara o raio luminoso e a sombra do abismo cobrira outra vez os infelizes. 

— Vamos; convidou-me Orcus, ainda temos muito que descer. Olhei. À nossa frente, o caminho e a sombra. Prosseguimos descendo. 

 - Mais Abaixo Meu pensamento fervilhava. Não podia compreender a situação daquelas criaturas inconscientes que ficaram na cova. Cegas, presas ao solo numa ânsia incontida de abraçarem-se com a terra... Nisto, fomos surpreendidos por enorme serpente de cor escura, que se atravessou em nosso caminho. Quiz gritar mas Orcus tapou-me delicadamente a boca com a mão. A serpente passou por nós sem nos perceber. Contudo, de repente, voltou-se para nos ver e então eu soltei um horroroso grito de espanto e terror. A serpente possuía cara de homem e nos olhava com os olhos chamejantes. A cara presa à casca deixava entrever um ser "humano" escravizado a terrível prisão. O olhar do "ofídio" era de tristeza e dor. Duas lágrimas rolavam-lhe dos olhos tristes... 

— Piedade .'Piedade! suplicou-nos com acento tristonho. Não pude deixar de chorar. Estranha comoção dominou-me o ser.

 — Como te chamas? interroguei.

 — Para que desejas saber meu nome? Aqueles que caíram tanto não têm mais nome. Contemplei-a assombrado e cheio de piedade. Como era dolorosa a sua situação! 

— Porque vives assim escravizado à roupagem de uma serpente? 

— Egoísta e mau reduzi meu corpo espiritual à forma rastejante que agora vês. Jamais tive um pensamento de amor para quem quer que seja e nunca estendi a mão ao pobre e ao sofredor. Como castigo, perdi as mãos e rolo nos abismos. Orcus apertou-me a mão e um fluxo magnético penetrou-me o ser dando-me novo ânimo. 

— Só o tempo poderá arrastar-te das sombras para a luz. Nada poderemos fazer infelizmente — disse Orcus. A serpente, ouvindo isso, deslizou para região mais escura e perdeu-se em meio a fantástica vegetação que crescia junto as rochas. Fitei Orcus frente a frente e percebi que seus olhos também se marejaram de lágrimas. 

— Meu filho, compreendo o seu espanto mas nada podemos diante da Lei. Quem assume compromissos com u Lei fica obrigado a pagar até o último ceitil. Os seres que se fecham no egoísmo e na indiferença ou se precipitam no mal, destroem por si mesmos os tecidos perispirituais e iniciam a desagregação do organismo psíquico. Ninguém comete o mal impunemente. Deus em Sua Infinita Bondade permite que aqueles que caíram retornem à superfície após sofrimentos extraordinários. Aquela serpente apenas retornou a formas inferiores por que já passara na escala evolutiva dos seres. Assim, todos aqueles que se desviaram da Lei precipitam-se a si mesmos na degradação das formas inferiores. 

— E depois — interroguei — estacionam ou a que da não tem fim? 

— Todos os seres podem subir ou podem descer. Todavia, como a misericórdia de Deus é infinita, cada vez que um espírito "cai" a Providência Divina o ampara cm Suas Mãos cheias de amor e o ser estaciona no tempo e no espaço. O nosso amigo "Serpente" estacionou há seis milênios, no tempo, e desceu a regiões inferiores, no espaço. Alguns conquistam as altitudes e os cimos, outros estacionam nos abismos. Não descem contudo ao desamparo. Em toda parte está a Casa de Deus e labutam mãos misericordiosas. O escafandro de "casca" que ostenta o nosso amigo é a misericórdia divina em forma de vestimenta protetora. Por enquanto perdeu apenas os membros, se continuar "caindo" dentro de si mesmo perderá a consciência...

 — E depois?... E depois?... — Depois? — contemplou-me Orcus tristemente — se prosseguir, se desagregará completamente. Então há verá a segunda morte...  

O AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora