Capítulo 8

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Os "Homens"Com Atafon, a situação era diferente e a descida tornou-se mais fácil, apesar do adiantamento inegável de Orcus. As sombras iluminavam-se à passagem do Anjo e a luz que se irradiava de seu organismo era um verdadeiro arco-íris multicolorido. Um silêncio profundo sucedia-se à proporção que avançávamos. Súbito, comecei a ouvir em mim mesmo a voz do silêncio. Parecia-me que o silêncio era feito de sons. Aquilo surpreendeu-me mais que tudo. Atafon sorriu. 

— Está ouvindo o silêncio, meu caro? Se os homens compreendessem as surpresas do silêncio não se riam tão barulhentos.

 — O que é isso que escuto? — perguntei-lhe. 

— Nada, meu filho. Na quietude destas profundidades, cessado o barulho exterior, você passa a ouvir-se a si mesmo. O que você está ouvindo é a vibração de seu próprio organismo perispiritual. É você que vibra intensamente em você mesmo. São os sons da sua alma. Fiquei pensativo. Aquilo era realmente estranho mas era a verdade. Dentro de mim um som agudo vibrava intensamente. Orcus calara-se. A descida conquanto mais fácil, ainda assim oferecia perigos. Havia caminhos gelatinosos e escorregadios. De repente, divisamos na distância figuras enormes semelhantes a navios encalhados no fundo do mar. Assustei-me. Atafon acalmou-nos com carinho. 

— Não se assustem. O que pensa você que é aquilo? Respondi-lhe: — Monstros estacionados no tempo e no espaço. Atafon sorriu e Orcus deu uma risada alegre que retumbou em todo o Abismo. 

— Quando vim aqui pela primeira vez pensei a mesma coisa. Não, não são monstros, meu amigo. Aquilo é uma cidade subterrânea. 

— Uma cidade ? ! A voz sufocara-se-me na garganta. 

— Quer dizer que são prédios? 

— Sim. São prédios. Enormes construções de origem espiritual inferior. Envoltas pelas névoas úmidas das profundidades, as torres dos prédios escuras, pontiagudas, elevavam-se no meio da neblina. Em torno, porém, um silêncio de morte. 

— E lá habitam seres? 

— Sim. Semelhantes aos homens, todavia, em péssimas condições espirituais. Prepare-se para ver o pior. Um arrepio percorreu-me o organismo. Teria eu forças para suportar essas visões do Abismo? Atafon compreendeu-me a luta interior. De seu organismo, na altura do coração, uma luz azul de maravilhosa pureza aflorou como uma rosa e em breves instantes comecei a receber-lhe os raios em pleno coração e na região do cérebro. Notei que Orcus por sua vez recebia os efeitos da luz. Uma calma divina penetrou-me a alma e a mente pacificou-se como por encanto. Agora percebíamos melhor as construções em estilo medieval em parte. O resto assemelhava-se de alguma forma aos palácios dos doges. Havia, contudo, agrupamentos de habitações parecidas com as nossas favelas mais sujas. Enfim, uma mistura de estilos e combinações de arquitetura. Dir-se-ia que a loucura de algum diabólico arquiteto resolvera estabelecer ali a confusão de toda a arte do mundo. Atafon explicou: — Ali residem espíritos de todas as qualidades e tipos. Artistas, poetas, escritores, pintores, engenheiros, homem comuns — se se poderia ainda hoje classificá-los de conformidade com suas atividades da época em que estiveram na superfície da Terra. 

Há neles, porém, um sinal de identidade que lhes é comum e que os reúne no mesmo lugar: — a indiferença à Lei de Deus e a permanência no mal. Isso é que os reúne. 

— E estão aí? gaguejei. — Estão. Vocês os verão. Senti de novo aquele calafrio que me acompanhava desde a superfície. Como seriam? — pensei. Orcus apertou-me a mão com carinho. O influxo da luz me reajustou. Estávamos agora atravessando os pórticos da cidade. Havia um portão enorme em arco e julguei por um momento ver ali a inscrição que antes descrevera com tanta perfeição: "Deixai aqui toda esperança, ó vós que entrais". Mas não era. O que estava escrito era coisa diferente. Dizia apenas: "Não amamos Deus. Nosso mestre é o Dragão". Atafon sorriu com indulgência.

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