Eu ainda estava preocupado com o problema da segunda morte sem compreender na realidade o que acontecia com os seres que se precipitavam nos "abismos interiores", quando fomos surpreendidos pelos gritos de fantásticas aves negras que, em bando, cortavam os espaços abismais. Pareciam enormes morcegos de asas sem penas, porém revestidas de leve pelo ou penugem. Agarrei-me a Orcus, assustado. Ele, contudo, disse-me naturalmente: — Observe que também exibem estranhas fisionomias de criaturas humanas. Realmente, as aves eram outros tantos condenados às deformações das formas perispirituais. Rostos humanos ou ex-humanos saltavam de entre as asas escuras que sindiam as camadas de poeira do abismo. Sobrevoavam píncaros pontiagudos e atravessavam zonas levemente dominadas pelos raios de luz irradiada por Gabriel. Parecia-nos, todavia, que voavam a quilômetros de distância do Anjo colocado sobre o Abismo. Orcus continuou descendo e eu acompanhei-o silencioso certo de que descíamos a regiões "pouco frequentadas" pelos seres mais conscientes do mundo. Detivemo-nos à margem de enorme rio de águas premias que em turbilhão rolava a nossos pés. Nova surpresa se estampara em meus olhos. Orcus percebeu porque me disse.
— As águas deste rio que se chama platino lembra a prata líquida. No fundo da terra correm diversos rios dessa natureza. Grandes massas líquidas formam o interior do nosso mundo, como se vê... Apontou-me Orcus com o dedo em riste as águas turbilhonantes e exclamou: — Contemple! Contemple bem firme essas águas que correm e veja o que elas levam! Abri os olhos desmesurados ao contemplar o rio. Centenas de milhares de criaturas desgrenhadas e inconscientes rolavam em meio às águas como que arrastadas e batidas umas contra as outras no turbilhão escachoante.
— Esses são aqueles que se deixaram dominar por todas as paixões e agora dormem na fúria das águas desencadeadas sobre si mesmos. Ouvi a voz de Orcus como quem escuta um grito lancinante de dor porque minha visão agora ampliada gentia que aqueles desgraçados lutavam para alcançar i margens do rio e não o conseguiam. Quanto mais lutavam contra a impetuosidade das águas mais estas 01 arrastavam e abraçavam em fúria incontida. Às vezes formas feminis se agarravam a formas masculinas na ânsia desesperada e má. Não pude contemplá-los por muito tempo porque eu também comecei a sentir em mim o tumulto de paixões desenfreadas. Orcus protegeu-me, no entanto, com a sua serenidade superior e eu voltei à paz de espírito. Seguimos por um estreito trilho que margeava o rio até defrontarmos enorme rochedo de pedras nuas por onde o caminho, apertado atravessava. Sinuosa, escura, estreita, e nauseante era a estrada aberta no rochedo. Túnel feito por mãos divinas ou diabólicas? Não sabemos. Do outro lado, uma espécie de campina onde algumas árvores esquisitas levantavam os galhos retorcidos nos esperavam. Aquelas árvores também pareciam formas vivas de seres que se "vegetalizavam"... Esbocei um pensamento estranho. Orcus imediatamente, lendo-me as imagens mentais, esclareceu: — Realmente, meu caro, há os que se precipitaram nas formas vegetais e vivem agora aprisionados no que se poderia chamar de inércia aparente... São corações aflitos e inteligências que foram caindo, caindo, e atingindo a inconsciência começaram a percorrer para trás a escala da evolução... Irão até o mineral e descerão um pouco mais. Nessa ocasião poderão sofrer uma espécie de explosão atômica que desagregará o próprio ser. Dizemos explosão atômica como quem usa expressão já inteligível na Terra. Na realidade é uma desagregação intercelular mas tão distante de uma explosão atômica como a velocidade do som para a velocidade da luz. Estaquei assombrado.
— Já sei o que está pensando — colaborou Orcus — isso não acontece! Eu não dissera nada mas a percepção do Espírito era muito viva.
— O centro da consciência que constitui o verdadeiro ser eterno não se desagrega mas volta a um estado tão grande de inconsciência que é como se não existisse como ser dotado de possibilidades divinas. É certo que um dia retornará na viagem de volta como quem cansado da permanência no quase nada reiniciasse a conquista de Deus. Há no Universo correntes de vida que arrastam para baixo ou para cima, para dentro ou para fora, para o ser ou para o não ser. Evoluir é conquistar graus cada vez mais adiantados de consciência. E conquistar graus de consciência é simplesmente conhecer-se a si mesmo. Tinha razão o "Velho Sócrates..." Percebi que Orcus me fazia grandiosas revelações e que um impulso novo me conduzia pelos caminhos do Conhecimento.
O Dragão
Percebi que à proporção que penetrávamos no Império Terrestre uma terrível angústia tentava dominar-nos o coração. Ao mesmo tempo sentia que forças de mais alto, talvez as irradiações de Gabriel, auxiliavam-nos na marcha. Ali, não me sentia agora tão seguro como antes. Tudo que nos rodeava parecia ter vida e dentro de cada pedra ou no interior de cada acidente do caminho estranhas formas sepultadas ansiavam por se comunicar conosco. Orcus estava sereno. Eu, porém, submetido àquelas impressões desconcertantes, arrastava-me um pouco aturdido como se névoas esquisitas invadissem-me a mente. Orcus passou-me a mão delicada sobre a testa e disse: — Nada tema. O que sente é a aproximação cada vez mais intensa dos olhos do Dragão.
— Dragão? Quem é o Dragão? balbuciei.
— Meu filho, em todas as épocas da humanidade, o Dragão simbolizou as forças do mal ou a legião de seres revoltados que lutam contra Jesus. Não se recorda de Satanás? É o mesmo símbolo. No entanto, aqui nós encontramos realmente figuras que representam o Dragão que se opõe a Deus. Há sempre no fundo da Terra um Dragão que domina o Império dos Dragões mas isto não é somente na Terra, em todos os mundos de vibração semelhante à Terra existem os filhos do dragão ou seja aqueles que não querem aceitar a lei de Deus e só evoluem sob a força compulsória da mesma Lei.
— Mas existe então nesta região um ser que se diz o Dragão?
— Existe, grande, enorme e terrível. É possível que você o veja e que também conheça os seus filhos. Calei-me. Um silêncio sem limites tomara conta de minha alma. Olhei para o alto e, estarrecido, verifiquei que Gabriel era apenas um ponto luminoso na distância, como uma estrela em pleno firmamento. Havíamos descido centenas ou milhares de quilômetros. Terra a dentro havíamos penetrado nas profundezas do Abismo. Onde me levaria ainda Orcus? O amigo pareceu compreender-me porque segredou: — Agradeça a Deus a oportunidade porque Jesus também desceu a estas regiões antes de subir para nosso Pai Celestial.
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O Abismo
SpiritualNeste livro o autor nos conduz por um mundo diametralmente oposto de tudo aquilo que conhecemos. Desespero, dor e angústia assombram, tal a sua narrativa dantesca. À proporção que vai revelando os abismos e sub abismos, novos e indescritíveis quad...