Capítulo 7 continuando..legiões

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Legião 

Íamos prosseguir quando ouvimos os sons de uma espécie de batalhão que marchava. A cinquenta metros abaixo de nós, numa praça aberta, em formação militar, criaturas que lembravam os soldados egípcios, de saiote e de capacete, marchavam em direção ao fundo da praça. Notei-lhes as fisionomias de cor amarelada terrosa e o olhar fixo como sonâmbulos que cumprissem fielmente uma obrigação. Bem formados, obedeciam a um chefe e deveriam se constituir de cerca de quinhentos "homens" mais ou menos. À frente dois deles sopesavam pequeno cofre apoiado em um estrado cujas cintilações metálicas lembravam o ouro, porém avermelhado. O que levam naquela caixa? — perguntei. 

— Os pergaminhos da sua lei — informou Orcus. Imitam os Judeus do Templo de Jerusalém. Aquilo simboliza a arca. Aliás, no Egito Antigo também era assim. E pela Lei se dirigem. Mas quem faz essa lei é o ser a quem chamamos Dragão e que a Igreja denomina Lúcifer. No momento, está prisioneiro, acorrentado, no centro da praça. Olhe lá e veja bem que no centro mesmo dessa praça onde se observa uma espécie de "fonte luminosa" existe alguém acorrentado. Procurei contemplar e observar melhor e quedei-me assombrado. Sob pesadas correntes, um ser como jamais foi dado ver a criaturas da superfície da Terra ali se encontrava prisioneiro. Conquanto a fisionomia lembrasse a fisionomia de um homem ou de um espírito de forma humana, estava tão distanciado de nossa espécie quanto um dinossauro de um homem. Descomunal, perna que lembravam colunas de um edifício, pés que mediam muitos metros de altura, braços cabeludos, embora de pele amarelada e ao mesmo tempo esfogueada, rosto enorme e mais de quinze metros onde dois olhos maus avançavam chamas. Às vezes uivava ou gemia. 

— Porque não arrebenta as correntes — indaguei. 

— O Senhor não permite. Contudo lhe foi concedido por Deus certo tempo de liberdade e em breve reinará livre das amarras com permissão divina. Fiquei paralisado. Aquele monstro libertar-se? Como? Seria possível?

 — Sim. Deus em Sua Misericórdia lhe dará oportunidade para redimir-se. Segundo estamos informados terá a concessão de subir em breve tempo à superfície da Terra e estabelecerá uma luta contra o Bem durante mil dias. Depois, será vencido. Os homens ficarão nessa época entregues ao seu livre arbítrio, exclusivamente a ele. Apenas os bons espíritos os ampararão à distância. Isto se dará porque nessa ocasião o homem decidirá o destino do Mundo. Os que forem verdadeiramente bons subirão a regiões mais altas de consciência e os que somente "parecerem bons" rolarão nos abismos da inconsciência. 

— Mas isso não é uma temeridade, um mal? 

— Deus permite o que chamamos o mal para que muitos melhorem. A presença do dragão porá em risco apenas aqueles que ainda não consolidaram o bem em si mesmos. 

— E o Dragão o que lucra com isso?

 — Sua consciência culpada terá oportunidade de aproveitar a experiência humana assim como receberá da Terra vibrações transformadoras que há milênios o homem lança na superfície. Os dragões também fazem parte da criação divina. A parte mais embrutecida da Terra. Lembram os mamutes, os brontossauros e os sáurios. São a natureza primitiva que retém os elementos primários e embrionários de nosso sistema. 

 O Monstro

Observei que o batalhão estacou e que algumas daquelas criaturas foram se prostrar aos pés do monstro. Rendiam ou pareciam render-lhe humildemente culto como se ele fosse um Deus. Orcus passou-me a destra frente aos olhos e senti que minhas percepções se ampliaram grandemente como se eu, de súbito, colocara poderoso binóculo. Passei a vê-los de perto, como se estivessem ao alcance de minhas mãos. Recuei aterrado. Aqueles espíritos possuíam um só e único olho em plena testa e a fisionomia cansada lembrava animais antediluvianos. A pele terrosa semelhava couro endurecido e áspero. O olho era grande e a pupila fixa exibia raios de sangue em todas as direções. O Dragão pareceu sorrir satisfeito e acalmou. Tive a impressão que falava-lhes uma língua estranha, talvez por gesto porque todos se curvaram. Logo depois, prorrompeu um alarido ensurdecedor. De toda a parte então, como se saíssem das próprias rochas, saltaram criaturas esquisitas, de todas as formas e feições e foram se ajoelhar contritas na praça. Vi seres que se arrastavam dolorosamente na ânsia de se aproximarem o mais possível. Cobras e lagartos, macacoides e aves negras que se dirigiam para o Dragão a fim de lhe prestar homenagem. Acreditei que toda a criação inferior do mundo ali se reunia sob a força de poderoso magnetismo. O ambiente encheu-se de um medonho mistério e névoas atordoantes levantaram-se do solo como se ali se houvesse aberto um pantanal. De repente, por mais estranho que pareça, o monstro elevou a voz e eu pude entendê-lo simplesmente pela linguagem do pensamento. 

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