Capítulo 14

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A Volta de Atafon

O retorno de Atafon e Orcus encheu-me o coração de alegria. Embora já' ambientado com Téra e Temp, aprazia-me vê-los de volta. Sentia-me firme, seguro com eles. Sorriram da minha alegria que lhes devera parecer infantil. 

— Fomos ao sub-abismos — falou ele. A situação continua a mesma. Nada melhorou por lá. 

— Sub-abismo? 

— Aquilo vibrou como pancada desferida em minha cabeça. O que seria isso? 

— Nós apenas percorremos até agora lugares situados na faixa interior da Terra que se convencionou chamar Abismos. Logo em seguida, descendo vem o que se chamou sub-abismos ou abaixo dos abismos. São regiões mais profundas situadas em faixa imediatamente inferior àquela em que estamos. Meu filho, seguimos sempre na direção do centro. Aqui onde habitam Téra e Temp é uma das entradas ou portas de acesso dos sub-abismos para os abismos ou dos abismos para os sub-abismos. Desce-se e sobe-se. No momento, infelizmente você não está em condições de descer mais, deverá satisfazer-se somente com a informação da existência dessa faixa que lhe ficará por ora desconhecida. Agradeci com um gesto a delicadeza de Atafon, mesmo porque eu ainda guardava o leito e compreendia perfeitamente minha imensa inferioridade espiritual. Aprendera logo que no interior da Terra só se desce sendo ou cada vez mais monstro ou cada vez mais anjo. Jesus descera aos infernos ou regiões inferiores como o maior dos Anjos que já penetrou a Terra. Para os mundos superiores a Lei é quase a mesma. Há portas de saída ou de entrada por toda a parte. Entra-se por atraso ou por adiantamento. Na condição de aprendiz ou na situação de doente. Os Instrutores divinos espalhados por toda a parte estudam-nos as possibilidades. Orcus, sereno, contemplava-me com simpatia e amor. Espírito de alta envergadura alegrava-se com os meus progressos no campo do conhecimento. Despedimo-nos de Téra e Temp com lágrimas nos olhos. À porta abraçamo-nos com profundo carinho e saudade. À nossa frente a escuridão da noite mais escura esperava-nos tendo como estrada vielas pedregosas, úmidas, escorregadias, limbosas. O coração batia-me no peito descompassado. Não poderia pensar. A saudade da Crosta voltava-me agora mais intensa. 

— Em breve, retornaremos à superfície —, animou-me Orcus paternalmente. Nossa primeira viagem pelo interior da Terra aproxima-se do fim. Um dia, haveremos de penetrar de novo até os Grandes Abismos Um calor diferente percorreu-me o ser. As palavras de Orcus plenas de eletromagnetismo espiritual fizeram-me enorme bem. A esperança de respirar à tona era reconforto inimaginável. Embora o aprendizado e a conquista de conhecimentos superiores, a saudade do lar era indescritível. Vencera a angústia do tempo mas não conseguira ainda me sobrepor à angústia da saudade. As vielas agora se sucediam umas após as outras com desvios labirínticos e perturbadores. As ondas de neves ficaram para trás e os grandes mamutes que eu vira através da janela haviam desaparecido. A solidão, a imensa e terrível solidão é que, somente ela, dominava todas as coisas. Nem um grito, nem um som, nada.

 — Devemos ter cuidado agora, explicou Atafon. Este silêncio é perigoso. Os Dragões que povoam o centro da Terra usam-no para enlouquecer os espíritos como nós que vêm em missão. Acreditam que possamos cair.

— E isso não acontece nunca? — indaguei. 

— Às vezes acontece. Espíritos menos prevenidos deixam-se invadir pelo silêncio das coisas mortas e desorientam-se. Aí então aparecem os monstros horríveis que se ocultam nessas brenhas e arrastam-nos para as trevas. 

— Quer dizer que esse silêncio é aparente? — perguntei ansioso.

 — É sim. Todos estão aí. Quer ver? Fiz um gesto que sim. Atafon ergueu a destra em direção à imensidade e uma descarga de luz azulínea-arroxeada iluminou as trevas. Nessa hora pude ver milhares de criaturas de todos os tamanhos e formas, medonhas e horripilantes, sub-humanas ou animalescas, que prorromperam num clamor de ensurdecer. Tapei os ouvidos aterrorizado mas inutilmente porque os sons penetravam através do organismo perispiritual como pontas de fogo e faziam-no repercutir como um tambor. Imaginei cair desacordado, mas Atafon fez um gesto de luz e tudo voltou ao silêncio mais sepulcral. Compreendi que o risco luminoso que traçou com a destra era uma ordem que eles entendiam. Meu coração descompassado iniciou a marcha para a normalidade. 

O AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora