Capítulo 11

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Notações de Orcus

Meu pensamento abismara-me em profundas cogitações. Aquela situação dos espíritos rãs era um abalo enorme em minhas concepções mais íntimas. Jamais supusera que a forma pudesse chegar a tal ponto de degradação. Ali estavam irmãos nossos aprisionados na forma que se modificara espantosamente ao impulso de pensamentos, sentimentos e atos em desacordo com a Lei de Deus. Desciam, como se em retorno, na escala evolutiva e caiam nos abismos da inconsciência que os arrastava para as zonas mais densas e mais baixas. Evidentemente quando relatássemos esses fatos, na superfície, haveríamos de encontrar o riso fácil e a zombaria desenfreada. Seria natural. Nós mesmos só acreditávamos porque não poderíamos negar a evidência diante dos olhos. Quão grande era aquele mistério da vida espiritual! Agora compreendíamos perfeitamente porque certas escolas religiosas da Crosta preferiam deter-se no limiar da verdade eterna! Certo, eram imensamente desanimadores aqueles espetáculos da vida que se debatia em lances mais primitivos. Um governo de feras monstruosas e uma escravidão sem limites. Espíritos que eram animais, espíritos que eram aves, espíritos que eram monstros e espíritos que marchavam ao encontro de formas talvez gelatinosas ou amebianas. Meus olhos turvavam-se e eu sentia aquela profunda angústia que muitas vezes dominara-me a alma já tão abatida. Como continuar suportando impacto emocional de tal natureza? Retroceder, contudo, era impossível. Uma força estranha me obrigava a marchar. Orcus pousou-me as mãos nos ombros. Compreendera-me a luta íntima. 

— Meu filho, Deus que é Pai, sabe por que tudo isso ocorre. Os espíritos tal qual nós mesmos, ainda lutam entre "matéria e espírito". A batalha terrível da evolução se trava dentro de cada um e o progresso evolutivo é conquistado passo a passo. Há recuos e quedas mas a luta continua. Se aqui defrontamos os falidos de todas as espécies, em outras regiões superiores encontraremos os vencedores vestidos em gloriosas túnicas de luz. Há monstros e anjos na Criação Divina, todos, porém, um dia, se encontrarão na glória de Deus, redimidos e purificados. Não te recordas que antes de ir ao Pai, Jesus primeiro desceu aos infernos? Orcus calou-se mas sua notação permaneceu para sempre em meu espírito. 

 Ensinamentos

 Novos Espessas sombras invadiam agora a região por onde passávamos. Sentíamos que a escuridão se tornara mais densa. Atafon, após a advertência do Monstro, apagara-se completamente e marchava conosco apenas à luz da lanterna do infeliz que nos acompanhava. Aquela criatura inconsciente servia-nos de modo automático. Tinha somente um resto de sentimento de responsabilidade que lhe determinava obedecer Atafon sob o impulso talvez de uma lei mal percebida por nós. Por certo, o anjo já numerosas vezes usara os seus serviços. E à força de vê-lo iluminado teria a criatura se curvado à sua autoridade. Atafon, lendo-me o pensamento; sorriu. 

— Não, meu caro, não é nada disso. Simplesmente, os Dragões autorizaram-no e determinaram-lhe me servir. Ele obedece fielmente aos Dragões. Surpresa maior não poderia se estampar em meus olhos! Como?! — exclamei assombrado. Então, está apenas a serviço dos Dragões? Atafon tornou a sorrir naquele seu sorriso cheio de mansuetude. 

— Quando fui designado pelas forças superiores para servir nestes abismos apresentei-me aos Dragões e disse-lhes qual a minha missão. Já habituados com outros mensageiros que em outras épocas vieram com a mesma finalidade receberam-me com frieza, porém corretamente. Por sua vez indicaram o Anão para me atender no que fosse preciso. Enquanto eu os fiscalizo em nome das forças de Cima, ele me fiscaliza em nome das forças inferiores... Não podia ser maior o meu assombro. Nunca supusera que aquele escravo do mal fiscalizasse um Anjo! No entanto, ali estava ele submisso e vigilante dentro da sua inconsciência. Não seriam assim também "em nosso mundo de encarnados? Quem sabe o mal que avassala a Terra não seja ele somente uma defesa è um amparo para aqueles que iniciaram a marcha no bem? Tão estranhos eram aqueles ensinamentos que por trai instante julguei que ia perder os sentidos já tão abalados por tudo o que via. Orcus amparou-me bondosamente. Uma verdadeira explosão atômica se desencadeara dentro de meu cérebro e senti que tudo rodava vertiginosamente. Quando voltei a mim, descansava nos braços de Orcus, repousando à margem de belíssimo rio que deslizava por entre árvores silenciosas que cobriam-lhe as margens. Uma brisa suave acariciáva-nos os cabelos amorosamente. Olhei para o Alto buscando Gabriel e não o encontrei. Picos prodigiosos elevavamse como torres pontiagudas que se perdiam na distância quase sem limites. Uma ansiedade esquisita dominou-me o coração. Um desejo desesperado de retornar à superfície e voltar novamente à vida da Terra. Parecia-me que fora exilado no bojo de um submarino que navegasse no fundo do mar. Tudo para mim se tornara estranho e angustioso. Oh! se pudesse voltar! Orcus abraçou-me carinhosa e paternalmente. Atafon alisou-me a testa com um sorriso algo triste. 

O AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora