Capítulo 001 parte 2: As memórias de uma felina.

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 Tornava-se cada vez mais difícil esconder-se a cada lua cheia e até mesmo a lua nova andava pregando-lhe peças. Seus hormônios constantemente precisavam ser acalmados e a noite não lhe favorecia em nada.

 Sua fera precisava libertar-se e a menina não via outra alternativa além de se trancar no porão por algumas horas e além disso, o corpo já começara a mudar. Agatha alertava-lhe dos perigos de ser uma mocinha e não que ela já não soubesse, longe disso! 

 Mas além de sua altura, outras partes de seu corpo também cresciam e isto atraía olhares um tanto quanto desconfortáveis. Logo as espinhas, o estresse constante e a oleosidade nos cabelos apareceram e Allyira já não suportava mais arranjar desculpas para as noites perdidas com os amigos.

 Certa noite, cedeu aos caprichos de Trevor e Agatha. Deixando sua casa em uma noite de lua nova  junto dos irmãos Ferraz, acampou em um rancho de uma colega de classe cujo comemorava o seu aniversário. 

 Não demorou muito até ter de fugir o mais rápido que conseguira e tentar a todo custo, esconder-se. Para seu desespero, Trevor a seguiu até cerca de um quilômetro de distância da fazenda e presenciou o início de sua transformação. Mesmo que gritasse para ele se afastar, Trevor aparentava estar em outra dimensão, seus olhos mantinham-se vidrados na garota.

 Dando a entender que ele buscava cravar aquele momento em sua memória a qualquer custo. Allyira sentia seu sangue derramar pelos olhos e nariz, a ponta de seus dedos rasgava-se lentamente para que as enormes garras afiadas surgissem, seu maxilar estalava e a gengiva sangrava ao passo que as presas rasgavam sua carne e, o pior de tudo, foi o ouvido. 

 Já doía o suficiente sentir seu corpo inteiro modificar e quebrar-se para que a forma animalesca tomasse conta, mas ouvir e sentir o romper do tímpano a fez desmaiar. 

 Ao acordar, notou estar em um porão espaçoso e claro, com uma escadaria em espiral no centro. Encontrava-se amarrada com algemas e correntes em uma cadeira de ferro soldada no chão e amordaçada. 

 Seus pulsos doíam e sangravam, a faixa dava náuseas devido ao odor de sangue e Allyira estava com dificuldade para respirar a um tempo. Em um canto escuro da sala Trevor dormia em uma poltrona e em uma mesa pequena e redonda, repousava um conjunto de chaves, um jarro de vidro cheio de água e dois copos. 

 A garota tentou chamá-lo, gritar ou emitir qualquer som, mas parecia que nada o acordaria. Porém após lutar com as correntes, o som do tilintar finalmente acordou o rapaz cujo a olhou com olhos esbugalhados.

 Ouvir Trevor dizer "Não precisa ter medo..." ou "Eu só estou tentando te ajudar..." apenas a apavorou mais. No entanto, de fato ele só queria ajudar e, conforme os dias passavam, Trevor não só escondeu seu segredo como a ajudava quando precisava se esconder da lua. 

 Os meses pareciam voar até que Agatha se juntou a ambos. "Por isso que você ficava arrumando desculpas esfarrapadas para não sair com a gente?!" Ela perguntou com sarcasmo carregado na voz no primeiro dia.

 Em noites de lua cheia, Agatha e Trevor a trancavam no porão sempre do mesmo jeito, acorrentada e amordaçada. Era constrangedor manter-se ali em dadas circunstâncias, mas era a única opção cujo encontraram. 

 Certa noite as correntes não a contiveram e Allyira acordou no térreo, desnuda e coberta apenas por um lençol velho. Ao questionar seus amigos, fora informada de que ambos usaram uma maquina de choque para pará-la antes que fugisse ou os atacasse. 

*** 

  Alguns meses depois, a lua voltara mais forte que nunca. Mas Allyira começou a ter vislumbres e ver imagens como se fossem sonhos cujo aconteciam em sua transformação. O que tornava tudo mais fácil e lhe dava a impressão de que o controle poderia ser possível.

 Aflita com essa possível descoberta, porém sem querer criar grandes expectativas, a garota resolveu não contar a ninguém até que tivesse certeza. Até que a lua surgiu novamente e ela precisou acorrentar-se o mais depressa possível. 

 Agatha e Trevor a prenderam como sempre e deixaram a sala. Como de costume, apanharam as maquininhas de choque e trancaram a porta pelo lado de fora. Allyira os ouviu subir às escadas e o barulhento trinco do quarto de Trevor, a porta de Agatha estava com as dobradiças enferrujadas e seu ranger fantasmagórico causava calafrios na garota entretanto, esses eram os sons que mais a tranquilizavam naquele fatídico momento.

  

A Ilha da Lua - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora