[Narrado por Eric Lluv]
VIRO E DESVIRO EM MINHA cama incontáveis vezes. Suspiro. Inspiro o ar e depois o expiro lentamente tentando me acalmar, tentando fazer com que o aperto no meu peito suma, não vai acontecer de novo, Eric, digo com a voz mais alta do que eu queria. Minha voz quebra o silêncio sepulcral do quarto e, por uns segundos, fico quieto, tentando recuperar o silêncio perdido.
Nunca tive ótimas noites de sono, o que piorou muito daquele tempo para cá, e meu sono está mais irregular que o normal nessas últimas noites por conta dos preparativos dos últimos dias, dos últimos dias de uma vida que eu ainda podia, de alguma forma, escapar das aparências. Não que minha vida inteira não tenha sido uma vida de aparências, afinal, viver no castelo acenando os moradores de Aurora, ir a bailes, visitar as cidades afastadas e os reinos vizinhos é definitivamente fingir ser algo que eu não sou a fim de aparentar ser quem eu devo ser; mas se casar com Enrique Sierra é o maior fingimento de minha vida. Não que eu não goste de Enrique, até tenho um carinho especial pelo "filho do Senhor das Terras Altas", mas não a ponto de amá-lo e querer me casar com ele.
Levanto-me da cama amassada, com o cobertor embolado em meio ao lençol, sinal da inquietude que permeia minha mente e meu corpo nesse momento, e caminho lentamente até a janela do quarto, o qual está levemente claro por conta das cortinas entreabertas que permitem a passagem da luz da lua. O grande jardim do Palácio Real de Aurora, agora deserto, está mal iluminado com alguns dos postes apagados e com outros com as chamas cada vez mais fracas.
É engraçado, pois, desde aquela noite, nunca mais perdi o controle; nunca mais nem fiz nada com o tempo, mas ainda sinto a influência do céu em mim. Sei que ele está dormente em algum lugar e isso me assusta. Tento não pensar nisso, mas sinto a brisa salgada da cidade e meu corpo arrepia, como se a qualquer momento e por qualquer motivo eu pudesse me descontrolar novamente e fazer cair sobre Aurora uma tempestade horrível como a que provoquei outrora. Mas, tento desconsiderar isso por enquanto, sabendo que a qualquer momento esse temor pode se tornar realidade novamente.
De todo modo, observo os muros altos do castelo, que fica na baía dos Vitoriosos. Além desses grandes muros, fica o mar – dá para ouvir o som das ondas e sentir o ar úmido e salgado que vem do mar daqui, e, por um momento, quase me acalmo, mas os pensamentos e o medo de um descontrole não me deixam focar no som longínquo das ondas. A cidade rodeia o palácio e, mais além, há a Cidade Velha, que basicamente são as ruínas da parte destruída de Aurora durante a Guerra dos Sete Dias.
Não sei exatamente o que aconteceu no passado para que Aurora surgisse, sei apenas o que está no livro oficial da história do reino – mas sei muito bem que o livro não é exatamente muito confiável. De todo modo, isso também não importa tanto, afinal, o que importa é que minha mãe tem sido ameaçada constantemente pelo reino de Victoria, ao norte, e até pelos territórios de Aurora que estão mais afastados da Capital, principalmente pelas Terras Altas, governada pela Casa Sierra, de onde vem a água que abastece a cidade de Aurora; e me casar com Enrique é uma das maneiras de segurar as pontas. É uma forma de tentar sossegar Victor Sierra. Não é só a dependência da água que deixa minha mãe em uma posição desconfortável, mas o próprio fato de ela não ter nenhum poder extraordinário, como a maioria dos nobres das Casas de Aurora, incluindo a própria família Sierra, cujo poder é o de controlar água.
Meu pai não tinha esse problema.
Suspiro.
No centro do jardim, o monumento em honra às vítimas da Guerra dos Sete Dias brilha em contraste à escuridão da noite. A estátua do homem grande e forte, que um dia foi meu pai, segurando o brasão de Aurora, um sol cortado por um raio, em meio a pessoas caídas, umas feridas, outras mortas, sempre foi, para mim, um amuleto, não como um objeto de sorte, mas como um meio de adquirir forças para continuar seguindo meu "caminho" na realeza. O Homem, que é como prefiro chamá-la, já que essa figura endurecida pelo tempo e pela guerra não se parece nem um pouco com o homem que suponho que meu pai tenha sido, olha para mim, como se dissesse que tudo vai ficar bem, e tento acreditar nisso.
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A Canção do Rei [Concluída]
FantasyE se os contos de fadas fossem diferentes? "A felicidade está sempre a um passo de distância, basta apenas que tenhamos coragem de dar um passo a frente" O príncipe Eric Lluv descobriu há pouco tempo que herdou os poderes destrutivos do pai e agora...