XXXV - Desmoronando

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Miranda se deitou na cama.

O corpo estirado. Olhos cerrados,  mandíbula travada, punhos fechados. Ela tentava prender a respiração o máximo possível, uma tentativa burra de bloquear tudo o que estava sentindo.

Havia muitas camadas de sentimentos. As mais superficiais não lhe afetavam tanto, ela conseguia não pensar sobre, mas no fundo... No fundo, ela se lembrava de uma noite que se iniciou com uma sensação muito parecida com a que tinha agora, de impotência, de incerteza; da noite em que ela entrou num café num horário obsceno e pela primeira vez em anos perdeu o controle das próprias emoções na frente de estranhos.

Quase um ano desta maldita noite e tanto havia mudado em sua vida, ao mesmo tempo, estava de volta ao mesmo ponto.

Na data em questão, ela havia sacrificado a carreira de seu único amigo verdadeiro para salvar a própria. Ela jogou os sonhos dele pela janela para manter o controle da revista, do trabalho que era a sua vida, e doeu muito testemunhar a decepção em seus olhos enquanto era obrigada a manter um sorriso no rosto.

Todo mundo deduzia que ela não sentia, que não se importava. Na verdade, doeu absurdamente, o suficiente para ela não conseguir segurar tudo dentro de si.

Agora, no entanto, graças aos eventos daquela fatídica noite,  a dor era infinitamente maior. Asfixiante.

Miranda só conseguia pensar no relatório que estava em sua bolsa, nas provas.

Ela correu para o banheiro ao sentir seu corpo se rebelar. Mais uma vez não podia controlar suas reações. Sua barriga se contorcia ao vomitar, lágrimas escorriam de seu rosto pelo esforço. Minutos passaram até ela poder levantar. Com dificuldade ela foi até a pia, escovou os dentes, lavou o rosto. 

Seus olhos estavam perdidos no reflexo, a mente distante, repassando infinitamente o momento em que sentiu seu mundo desmoronando.

----- Mais cedo, naquele mesmo dia-----

"Não Patrick, nós já conversamos sobre isso, não usaremos luz branca no ensaio..." Miranda tirou o óculos. Os olhos fixos na linha do horizonte e a cabeça maquinando cada um dos detalhes que precisava repassar para que o ensaio fosse perfeito. "...sim, amarela, minha assistente vai te enviar os detalhes ainda hoje." Antes que pudesse ouvir mais alguma coisa ela encerrou a chamada. Ao virar em direção a mesa percebeu o visitante indesejado de pé perto a porta.

"Miranda, bom ver que você ainda cuida dos mínimos detalhes da revista pessoalmente, Miranda."

"Irv... Não me lembro do horário de 11:30 ser com você." Disse sem expressão. Calmamente deixou o telefone na mesa e colocou os óculos novamente antes de voltar o olhar para os papéis na mesa, esperava que ele entendesse a dica e fosse embora.

Pra surpresa de Miranda, ele entrou e fechou a porta. Só então ela notou que ele tinha dois envelopes na mão e um sorriso nefasto nos lábios.

Ele sentou em uma das cadeiras e empurrou um envelope em sua direção. "Acho que você vai querer ouvir o que tenho a dizer."

Impaciente ela logo pegou o envelope. Ao abrir, o conteúdo a deixou pálida. Eram fotos suas com Andrea. Primeiro, caminhando juntas, mas a cada fotografia a intimidade ficava mais aparente. A partir da quinta foto, as coisas ficaram mais explícitas. Algumas fotos, as mais comprometedoras, claramente tiradas dentro de sua própria casa. No fundo do envelope um DVD, e a julgar pelas fotos ela já sabia o que estava ali.

"Não te culpo, Miranda. Ela é bonita, tem um sorriso bonito e tudo mais. Eu também cairia, sem dúvidas."

"E-eu não entendo..."

"Não entende? Eu explico. Ela me procurou perguntando quanto eu pagaria para evitar um escândalo com a editora da minha maior publicação." Miranda tentava ao máximo se segurar. Não daria a ele o gosto de presenciar a tormenta que se formava dentro de si.

"Vou ligar para o meu advogado."

"Não precisa, eu já resolvi." Ele se levantou, quase sem conter o sorriso aberto. "Nesse envelope aqui, tenho fotos dela com outras pessoas influentes, mas visto o seu estado acho melhor guardar." Ele caminhou até a porta. Antes de abrir ele se virou pra ela. "Você achou mesmo que uma mulher jovem e bonita se aproximaria de você pra nada? Que ela se apaixonaria por uma mulher amarga e velha, como você?" Ele riu de forma tenebrosa. No mesmo instante o celular dele vibrou indicando uma mensagem. Ele olhou a tela e sorriu triunfante. "Sabe o que é mais engraçado? Meu investigador particular acabou de avisar que ela está no Nobu, toda sorridente, com a sua melhor amiga Jacqueline Follet. Acho que apesar das roupas feias, ela tem uma queda por fashionistas no fim das contas." Ele abriu a porta e saiu satisfeito, sem olhar para trás.

Dois Cafés (Mirandy)Onde histórias criam vida. Descubra agora