6- Labirinto de espinhos

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Havia uma muralha de espinhos a nossa frente.

E o sol já estava em seu ápice, quando nós chegamos ao pequeno distrito espinhento onde um dos guardiões residia solitariamente. Priam era o nome dele e do distrito também. Mesmo com o sol brilhando, havia um nevoeiro denso cobrindo todo o lugar á nossa frente, como se sua atmosfera climática fosse totalmente independente.

Quando nos aproximamos de um enorme arco de espinhos, que se abria para um largo corredor, Edric parou e observou.
-Chegamos ao guardião da primeira jóia. –O lobo disse passando o olhar por todos nós –As regras são claras para todos os guardiões quanto a requisição dessas jóias.
-Regras? –Aelle fez uma careta de desgosto.
-Um sentinela de Atalaia, um lúrido de Quartzo, um luzido de Impoluto, um semigato de Mimoso, e uma serpente de Ardis. –Edric encarou cada um de nós enquanto falava –Representando os seis distritos centrais de Carbert.
-Há um lúrido sobrando aqui. –Aelle sibilou debochadamente olhando na direção de Nerian, que o ignorou completamente.
-Os guardiões sentirão nossa presença reunida e saberão o motivo de nossa vinda. Entretanto.. –Edric se voltou para o arco espinhento novamente, e encarou o corredor –Todos eles nos testarão antes de entregar-nos as jóias. No caso de Priam, nós seis temos que conseguir atravessar o labirinto até onde certamente o guardião já deve estar nos esperando com a jóia que ele possui.
-Devemos nos separar? –Nerian quis saber.
-Por precaução, Kayne e Anabel irão perto de mim. –Edric comunicou, fazendo sinal para que Anabel montasse no lombo dele igualmente Kayne já estava. A menina imediatamente subiu sobre Edric. –Enquanto isso, os três anjos devem ficar juntos.
-Um luzido e dois lúridos... –murmurou Aelle revirando os olhos –Acho que estou em desvantagem aqui.
-Então fique atento! –Eu pisquei para Aelle de maneira maliciosa. Ele apenas sorriu o canto dos lábios para mim.
-Formem uma equipe. –Edric lançou um olhar divertido na direção do luzido. –E tudo ficara bem.
-Corremos algum perigo ao entrar nesse labirinto? –Eu caminhei até o arco, esticando a cabeça para dentro, observando. Uma corrente de ar frio tocou a minha pele, e eu retrocedi.
-A idéia é não morrer. –Edric caminhou através do arco –Caminhem sempre para o leste, e nós chegaremos ao outro lado.
-Muito encorajador. –Aelle replicou ao sacar a espada de trás de suas costas, e seguir atrás do lobo.
Eu e Nerian nos encaramos por alguns segundos antes de segui-los.

Ao passar pelo arco, a atmosfera fria nos atingiu, o nevoeiro sobre nossas cabeças era cinza como fumaça. As paredes de espinhos que nos circundavam, deveriam ter cerca de doze metros de altura, e conforme caminhávamos pelo corredor á nossa frente, avistávamos varias outras aberturas, indicando caminhos diferentes.

-E se eu tentar voar por cima? –Eu disse, enquanto examinava o nevoeiro.
-Você morre! –Edric girou a cabeça para trás, me lançando um olhar mordaz.
Aelle olhou para mim e deu de ombros balançando a cabeça negativamente.
-O que há nesse labirinto? –Nerian caminhando ao meu lado, perguntou ao lobo.
-Priam gosta de jogos. –Edric disse casualmente –Então não sei exatamente o que esperar dele.
-Ele vai tentar nos testar para saber se somos dignos das jóias? –Kayne perguntou sobre o lombo de Edric.
-Provavelmente. –Edric olhava atentamente para os espinhos ao nosso redor.
-E se não passarmos no teste? –Aelle lançou um olhar de incredulidade para o lobo a nossa frente. Fazendo a pequenina Anabel sorrir ameaçadoramente para ele.
-Não se preocupe quanto a isso. –Edric continuou andando –Só pelo fato de estarmos aqui, esses guardiões já sabem que devem nos entregar as jóias. Afinal, para eles, a jóia não tem nenhuma utilidade.
-Para quem essas jóias têm utilidade? –Nerian olhou para mim de soslaio como se silenciosamente me avisasse para prestar atenção na conversa.
-Lisimba tem muito interesse nelas. –Edric se limitou a dizer.
-Mas é útil para ele? –Eu insisti. Edric suspirou, aparentemente ponderando sobre o que iria dizer a seguir.
-Sim e não. –Edric respondeu com má vontade –Ele não consegue acessar o poder delas diretamente, pois as jóias em questão não são daqui, mas de outra dimensão chamada Lêmur.
-Lemurianos? –Aelle perguntou de repente, fazendo com que Edric parasse em um solavanco, e se virasse na direção dele.
-Você sabe alguma coisa sobre eles? –Edric exigiu saber.
-Não. –Aelle deu de ombros despreocupadamente. Seus olhos azuis pareciam realmente sinceros –Mas quando ouvi Lêmur, a palavra lemurianos, me veio em mente.
-São jóias lemurianas. –Edric riu de nervoso, tentando disfarçar a tensão.
-E porque essas jóias estão aqui em carbert? –Foi à vez de Kayne ficar curioso. E eu silenciosamente agradeci por isso.
-Uma criatura poderosa nos trouxe. Alguns a chamam de Lurz, acreditando que ela era metade lúrido e metade luzido, mas eu duvido muito que seja uma mestiça. –Edric riu com desdém –Ela certamente era outro tipo de anjo.
-Lúridos e luzidos não podem procriar. –Nerian disse bem alto, olhando disfarçadamente na direção do luzido. –Uma fêmea não suportaria a gestação se os poderes não fossem compatíveis.
-Esse é o motivo pelo qual eu não acredito na versão que cita uma mestiça, porque isso seria impossível. –O lobo murmurou com um tom de repulsa manchando sua voz –Apesar de alguns se iludirem do contrário.
Eu demorei a perceber que o luzido me encarava de um jeito estranho. Eu fiz uma careta para ele, e ele riu baixinho.
-Eu ainda te acho familiar. –Aelle se aproximou de mim, avaliando o meu rosto com demorada atenção –Eu quase posso jurar que já te vi em algum lugar.
-Impossível, caso você nunca tenha ido até Quartzo. –Eu disse.
-Às vezes ela vai escondida caçar na floresta das quadripetalas á noite. –Edric riu –Na noite em que fui até Quartzo ela quase me atacou.
-Você teria coragem de matar um sentinela de Atalaia. –Kayne se voltou para mim com os olhos verdes arregalados.
-Em minha defesa... –eu murmurei encarando Kayne –Eu não fazia idéia de que ele era um sentinela.
-Ela teria coragem sim. –Nerian riu com deboche –Por esse motivo eu não posso deixá-la sem supervisão.
-Teria sido trágico se essa menina tivesse me matado naquela noite. –Edric gargalhou alto balançando a cabeça para os lados.

De repente, os espinhos começaram a se mover, como se fossem pequenas cobrinhas, enroscando-se uma nas outras.
Eu parei onde estava.
-Não Pare, Eileen! –Edric exclamou e começou a correr. Kayne e Anabel se agarram firmemente em seu lombo. Nerian sacou duas adagas, uma em cada mão, e fez sinal com a cabeça para que eu me aproximasse dele, enquanto ele observava a movimentação dos espinhos.
-A equipe número um saiu correndo. –Aelle comentou com ironia e olhou na direção de Nerian –Talvez devamos fazer o mesmo.
Aelle mal terminara a frase, e um arbusto de espinhos escapou da cerca viva, e enlaçou o braço esquerdo dele, derrubando-o no chão de grama verde. Eu e Nerian ficamos em alerta, enquanto o luzido cortava o galho espinhento com a espada de cristal. O braço de Aelle minou sangue imediatamente, e ele xingou.
-Corram! –Nerian agarrou a minha mão, me puxando com ele, e nós três corremos pelo corredor espinhento atrás de Edric, Kayne e Anabel.
Quando estávamos quase alcançando eles, uma parede de galhos e espinhos se fechou na nossa frente, forçando-nos a parar abruptamente.
-A equipe dois foi bloqueada. –Aelle bufou com resignação. Seus olhos azuis cintilaram na direção de Nerian –Consegue queimar isso aqui?
Nerian incendiou as mãos em resposta e se aproximou da parede de espinhos a nossa frente, mas quando a tocou, uma fenda se abriu na frente dele, e alguns galhos espinhentos se enrolaram pelas pernas dele, puxando-o para através dela.
-Nerian! –Eu gritei alarmada, enquanto Nerian desaparecia por entre os espinhos. Eu olhei na direção de Aelle que também olhou para mim, mas antes que pudéssemos falar alguma coisa, galhos espinhentos se agarraram ao meu tornozelo, me puxando por uma fenda recém aberta ao meu lado esquerdo. Eu caí no chão tão rapidamente, sendo puxava com velocidade, entre as fendas abertas que se abriam rapidamente pelas paredes de espinhos. Puxei uma adaga de minha perna direta, e cortei o galho. Eu contei três paredes, quando parei e as fendas pelas quais eu passei se fecharam abruptamente, e eu me vi solitária em outro corredor. Eu estava a três corredores de distancia de Aelle. Caso ele ainda estivesse lá.
Havia um pouco de sangue no meu tornozelo esquerdo, quando me livrei do que havia sobrado do galho que eu cortei com a adaga de cristal fumê.
-Nerian! –Eu gritei mais uma vez, mas não obtive nenhuma resposta.
Edric havia dito para caminhar para o leste, então eu continuaria seguindo naquela direção.
Enquanto caminhava, eu podia observar os galhos dos espinhos se movimentando sorrateiramente. Separar-nos, foi o primeiro intuito do labirinto, Edric havia dito que Priam gostava de jogos, e essa vaga informação dificultava para que eu soubesse o que esperar nos próximos minutos ou nas próximas horas.
Se eu quisesse ir para o leste, eu deveria seguir em frente, ou entrar apenas nas fendas que seguiam para a direita. Caminhei por cerca de uns dez minutos seguindo em frente. Havia um estupor silencioso dentro daquele labirinto, que gerava em mim um pouco de ansiedade.

Quando cheguei á uma bifurcação espinhenta, eu parei. Seguindo pelo lado direito, dava para perceber que o caminho era mais estreito, e parecia ir se afunilando conforme se estendia á alguns metros. Mas se eu quisesse continuar indo para o leste, eu teria que arriscar. Assim que entrei caminhando por ele, a entrada atrás de mim se fechou, proibindo-me de voltar. Eu segui em frente. Conforme eu avançava, as paredes pareciam ir se fechando ao meu redor, até que eu tive que me esgueirar literalmente entre os espinhos para seguir para o leste. Eu senti um leve ardor quando os espinhos rasparam em alguns pontos expostos da minha pele.

Eileen, O despertar de um Anjo (Em andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora