Capítulo 01

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2004

P.O.V Isadora

— Mas Mãe, todo mundo vai!

— Isadora dos Santos! Você não é todo mundo! Eu já falei que não, e pronto.

— Mãe, eu já tenho quase vinte anos! — Insisto e Dona Luzia está irredutível.

— Enquanto você estiver debaixo do meu teto, seguirá as minhas ordens! Aquilo não é lugar para moça direita, e eu não vou deixar você se perder num antro de luxúria!

Não adianta espernear, ela não vai mudar de ideia.

Minha mãe sempre foi extremamente rígida comigo e minha irmã Isabela. Ela cronometrava até nosso horário de chegar da escola, nunca nos deixou sair sozinhas e fica no nosso pé até sobre as amizades.

Na cabeça da minha matriarca, morar numa favela expõe uma mulher à inúmeros perigos e nos prender dentro de casa é a forma que ela encontra para nos manter à salvo. Isso sempre gera conflitos, e não vejo a hora de ter condições de morar sozinha.

Entro para o quarto apertado que divido com minha irmã e vejo a Bela terminando de se maquiar.

— Você não estava dormindo? — Pergunto enquanto avalio suas roupas sensuais e maquiagem pesada.

— Claro que não vou perder a oportunidade de ver os artistas de perto! Hoje será o ensaio final e tenho certeza de que eles estarão presentes. Assim que a bruxa dormir, sairei pela janela como sempre.

— Bela, um dia desses a nossa mãe te pegará no flagra e não quero nem imaginar o que ela vai fazer contigo!

— Não pegou até hoje, então não vai pegar. — Responde com uma certeza típica de uma adolescente de dezesseis anos.

— Você se arrisca demais.

— E você se arrisca de menos. Anda, já separei a sua roupa.

— Hein? Que roupa?

— Dora, eu não vou deixar você enfurnada nesse barraco no dia do meu aniversário enquanto a diversão está a alguns metros daqui!

Fico apavorada com a ideia de desobedecer minha mãe e nego com veemência, mas minha irmã não se dá por vencida e me convence com muita chantagem emocional. Por volta das onze da noite, a acompanho na aventura de pular a janela do nosso quarto e tentar curtir um ensaio da escola de samba da comunidade em que moramos.

Bela sempre foi a filha rebelde, e eu a medrosa. Assim que chegamos, ela me apresenta aos amigos e quando dou por mim alguém coloca um copo de cerveja na minha mão. Eu provo um pouco e faço uma careta engraçada, pois o líquido é amargo.

Todos ao meu lado riem e me chamam de careta e dizem que depois do segundo copo fica mais gostoso. Minha irmã insiste para que eu relaxe e acabo me concentrando nos passos que a madrinha de bateria ensaia.

É um mundo novo e completamente esplêndido, onde as dificuldades do dia a dia parecem não existir. Por algumas horas, as pessoas presentes na quadra da escola não se lembram das dívidas, das dores, dos desamores, das coisas ruins que têm na vida.

A única coisa que eles querem é diversão.

Ainda prestando atenção na madrinha e nas passistas, bebo o tal segundo copo que também não sei quem me entregou e começo uma tentativa de samba um pouco desajeitado e estranho.

— Solta esse quadril, Dora! — Bela fala alto no meu ouvido devido ao som alto da bateria. — Nem parece que é minha irmã!

Só entendo o que ela diz quando a caçula da Dona Luzia começa a sambar com energia quase se assemelhando ao que as passistas fazem. Observo boquiaberta por não imaginar que minha irmãzinha seja tão boa nisso.

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