Dois corações quebrados pela vida.
Dois corações que não carregam nada em comum, além da dor no peito.
Ela perdeu a irmã.
Ele a esposa.
Ele não lembrava dela, no entanto, ela é seu legado.
Ela não se lembra dele, mas ele é sua salvação.
Obriga...
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Laisla.
Sento ao seu lado, coloco minha cabeça em seu ombro enquanto seguro uma de suas mãos.
Minha mãe também tem queimaduras pelo corpo, mas diferente de minha irmã e de Atifa, as queimaduras foram provocadas por meu pai. Após ela negar dar a ele permissão de ter uma segunda esposa, meu pai lhe jogou água fervendo e em seguida a espancou. Uma das poucas coisas que as mulheres têm direito é de permitir ou negar que seus maridos se casem com outra.
Depois disso minha mãe trocou o hijab pelo niqab. Hoje só eu e meu pai podemos ver seu rosto. Mesmo com as marcas e cicatrizes, para mim, ela continua linda. Seu nome, Lâmia, significa "brilhante e radiante" e nada do que já aconteceu foi capaz de tirar seu brilho. Minha mãe tem uma força extraordinária, e mesmo tendo passado por tantas coisas terríveis, ela ainda continua de pé. Nair costumava dizer que nossa mãe era como uma cortiça: por mais que a vida a empurrasse para o fundo do poço, ela voltava para a superfície mais confiante do que nunca.
— Porque não denunciaram, mãe?
Embora seja uma pergunta estúpida, pois quando ela denunciou meu pai pelas agressões nada aconteceu, não consigo evitar que as palavras escapem da minha boca.
— Denúncia pra quê? — Me encara séria. — Quando não ficam impunes, eles recebem penas pequenas e nada mais.
Infelizmente histórias como a minha, de minha irmã, dela e Atifa, estavam longe de serem as únicas.
Minha mãe se casou quando tinha apenas doze anos e, desde então, não sabe o que é dormir sem apanhar. Ela nos contou que meu avô a vendeu para meu pai porque ele não tinha o que dar para os outros filhos comer. E como eles ficavam de três à quatro dias com fome, um a menos em casa seria melhor para se alimentar. Ela chegou a prometer ao pai de comer menos para ser um fardo menor, mas não teve jeito, foi vendida como uma mercadoria. Até hoje ela não sabe quanto foi pago por ela, e nem a idade de papai. Só sabemos que ele é bem mais velho que mamãe.
— Lembra do que aconteceu ano passado? — ela pergunta.
Não tem como esquecer. Depois de uma das agressões de papai, ela precisou ser internada pois teve infecção da cirurgia de histerectomia que fez.
Meu pai havia batido tanto que eu achei que dessa vez ele ia matá-la. Antes da cirurgia, mamãe engravidou cinco vezes, e dessas gestações sofreu três abortos. E pelo que papai disse, eram todos meninos, já mamãe nunca deu certeza, porém eu e Nair costumávamos dizer que eram meninos sim, e que ele os matou.
— Lembro — digo.
Certa vez minha mãe me confessou aos sussurros que nunca pretendeu ter filhos, pois a mãe dela, minha avó, teve nove filhos, e por conta disso ela não queria o mesmo destino para ela. Seu pai, meu avô, assim como o meu pai, era contra métodos contraceptivos, porém conseguia ser ainda mais radical e chegava até mesmo a ser contra consultas médicas.