Medo primordial

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— Jimin... meu amado filho... — A voz doce e feminina soou, suave, baixa ao mesmo tempo que ecoando pelas paredes daquele templo de raízes cinzas que eram seus aposentos — O que te trás ao bulbo dessas raízes antigas...? — Ela estendeu os braços, oferecendo o colo quente e os seios fartos para um abraço: toda ela de um branco luminescente, desde os fios compridos a não ver as pontas dos cabelos finos, até as raízes lhe saindo de dentro do longo vestido prata até se perderem pelo chão coberto de musgos umedecidos — Você está com dor na alma, posso ver... — Apenas seus olhos, grandes e lindos, eram negros como uma noite sem lua, brilhantes como que cheios de estrelas, envoltos nos longos cílios de um alvo nevado — ...venha mais perto, para que eu possa consolar você...

Jimin aceitou sem dizer nada, a princípio, caminhando com cuidado pra não pisar nas raízes de luz antes de se deixar cair no abraço materno da única fêmea da sua espécie; o luzeiro dos delfins, sua mãe, sua rainha: Dafne.

— Eu o verei de novo em alguns dias... — Então falou depois de um tempo, encolhido nos braços compridos e quentes — ...o humano, do qual lhe falei...

— O general humano, sim... — Ela lhe acariciava os cabelos azuis com as pontas dos dedos, finos nas proporções do seu corpo, mas grandes pra Jimin: a rainha tinha as mesmas proporções do seu pai, um gigante entre a maioria dos delfins — ...me lembro de você ter me dito... Você o ama, não é verdade?

— Eu o amo — Confessou, sem medo de fazê-lo — Mas tenho medo.

— Uh hum... — Ela murmurou em compreensão: é claro que ele tinha medo, afinal, seu amor era, inesperadamente, por um humano — ...eu entendo o que te aflige...ele é um humano de uma evolução própria que ainda desconhecemos...de uma fragilidade inerente, e de uma vida volátil... — Foi dizendo, poupando o filho de verbalizar os próprios pensamentos já tão sofríveis — Você o ama, mas ele envelhecerá, e definhará, enquanto você ainda viverá: seu tempo comparado ao dele toda uma eternidade.

— Uhm — Jimin apenas concordou: as lágrimas escorrendo pelo seu rosto inevitáveis, apesar do alívio concedido pela mãe de não precisar dizer aquelas mesmas palavras.

— Porque a verdadeira morte é o esquecimento, e você não o esquecerá... seu coração vai se encher de saudades não supridas...uma gota por dia, de tristeza, vai lhe transformar a água num oceano de lágrimas... — Ela escorregou o polegar pelo rosto pequeno do filho, secando-lhe as lágrimas — ...mas não tema, filho... Eu vivi através de eras inteiras de Delfins pra ver meus esposos e filhos definharem ao envelhecer, por isso sei que essa dor não ultrapassa a felicidade nata ao amor que me une a cada um de vocês... — E então ergueu seu rosto levemente, pelo queixo — E eu sei, também, que a sua vontade de fugir ao sofrimento vai superar meu conselho a você, mas eu espero que, ainda assim, que na hora correta você faça sua escolha sabiamente.

— Mas ele é um humano, mãe — Contestou, ainda num suspiro de tristeza — Meu medo vai além disso...

— Você vai usar de muitas coisas pra se justificar quando quiser evitar que a própria alma sofra — Mas ela respondeu-lhe, calma e resoluta — Os humanos são nossos opostos, mas é por isso que neles encontramos equilíbrio: eles se dispõe a sofrer em incontáveis ocasiões, já nós delfins não, nós evitamos o sofrimento a qualquer custo, e é aí que está nossa maior dissidência.

De fato, parecia da natureza dos homens se inclinar à dor: se fosse preciso, guerra; se fosse preciso, sangue; se fosse preciso, mutilação. Para os homens, sofrer era como escolher uma opção: uma estrada, entre dois caminhos; a acidentada, porém mais curta. Para as fadas, sofrer não era sequer uma hipótese: era um medo, profundo e absoluto, enraizado: não por acaso Hoseok era alvo de tanto estranhamento entre eles mesmos.

— O peso é um fardo que não deve ser carregado — A fada de cabelos escarlate falava ao passar a lâmina da faca curta pelo pulso, rápida e suavemente — Você deve ser leve em combate... — Deixou o sangue escorrer pra palma: o fluido virando uma corda tensa, um chicote, comprido e espinhado — ...pra que seus passos não sejam ouvidos.

A fada estalou o chicote no ar: o som rasgando o vento por entre as árvores altas como estacas da floresta de pinheiros do palácio. Jungkook não conseguiu evitar esticar os lábios num sorriso fraco, encostado a um tronco especialmente largo: a respiração entrecortada, o peito subindo e descendo por baixo da fina camisa já aderindo à pele suada por pura adrenalina. Estava leve, como seu professor de gládio havia lhe ensinado: apenas camisa e calça, descalço; numa mão uma cimitarra, para o ataque, e um bracelete de couro trabalhado, para a defesa. Se fossem dois anos atrás, se sentiria com frio e desprotegido, muito provavelmente, mas agora, depois de treinado por um ano pela fada ruiva, estava confiante, e aquecido na própria expectativa, tendo ele mesmo chamado Hoseok pra um duelo entre as árvores.

— Mais que a força, a beleza de uma luta bem orquestrada está na esperteza — A fada andava por sobre a grama baixa e seca daquela floresta de pinos, sem fazer ruído, mas entregando sua posição ao falar — Só assim se tem um combate justo... — Porque se estivesse em absoluto silêncio, seu nível de habilidade elevado comparado ao do humano seria evidente — ...cujo desfecho não precisará ser contestado.

Ouviu os passos do seu aluno sobre as plantas, sutil, mas ainda pesado às suas orelhas pontudas: girou num calcanhar, juntou as asas às costas e lançou o chicote aonde Jungkook desferia um ataque surpresa por detrás de uma árvore próxima. Pelo nível no qual havia deixado Jungkook quando partiu, meses atrás, sabia que, mesmo em posição vulnerável, conseguiria vencê-lo num duelo facilmente: mas alguns meses se passaram desde que retornou a Prasinos, e agora, de volta ao reino humano, confirmou definitivamente o quanto um humano é capaz de evoluir sozinho num tempo que pras fadas era curtíssimo.

— Heh! — Jungkook soltou uma risadinha orgulhosa, mostrando o bracelete de couro enrolado no seu chicote de sangue: o tempo que levaria para desfazer o feitiço e soltar a corda do próprio pulso foi o tempo em que o rapaz humano o puxou pela sua própria arma, não encostando por pouco a faca leve no seu pescoço — Venci você, pela primeira vez — Sorriu.

— Sim, você venceu — Jungkook tinha um belo sorriso naqueles seus lábios bem desenhados, que causavam nele mesmo um impulso de sorrir que lhe era inevitável — Mas é um perigo trazer um inimigo pra tão perto de si, sabe?

— Mas você não é um inimigo — Jungkook baixou a faca, mas sem desfazer a pouca distância entre eles, consequência do seu ataque — É alguém por quem eu guardo um respeito imensurável.

— Não faça isso — Pediu, muito sinceramente, desfazendo o feitiço do chicote: aquela dor no peito, que doía mas que era bom, a sentiu mais uma vez — Eu já me afeiçoei demais a você pra ficar me dizendo essas coisas — E fez que ia se afastar, mas o outro o segurou pelo braço.

— Mas eu também me afeiçoei — Ele disse, com aqueles redondos olhos negros brilhando a refletir o brilho das suas asas alaranjadas — Eu me afeiçoei a você... te adimiro e sou grato, e...e... — Se enrolou, num nervosismo jovem que deixou Hoseok nada menos que encantado — ...e nesses últimos meses senti sua falta.

Sim, saudades... Também sentira saudades do garoto humano pra quem deu aulas de gládio, naquele período separados, e não se reprimiu, uma vez que era uma dor, mas uma dor que podia suportar. Levemente diferente da maioria dos delfins, Hoseok, e outros da sua espécie nascidos sob a cor vermelha, eles conseguiam lidar com pequenos sofrimentos suportáveis, como aquelas tatuagens que fez em si mesmo, como aquele corte no pulso que fazia a fim de conjurar uma arma. Hoseok se dava ao direito de sentir algumas dores que achava suportáveis, e por isso era um rebelde entre as fadas; no entanto, quando viu Jungkook depois de uns meses tão mudado, caiu em si sobre o tipo de dor a que estava se inclinando a sentir. Não queria ver Jungkook envelhecer, não queria ver Jungkook morrer: não queria sentir uma saudades que em algum momento se tornasse pra sempre. 

Fairy Tale - VminOnde histórias criam vida. Descubra agora