Capítulo 1

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Minha mãe sempre me disse que eu pensava demais. Não, não essa mãe: a MINHA mãe. Minha mãe biológica.
Ela tinha razão. As vezes eu me pego parada, em silêncio e analisando tudo ao meu redor. As vezes eu esqueço que o tempo não para e só fico ali, prestando total atenção.

Fico me fazendo vários questionamentos: a minha vida teria sido mais fácil se eu não tivesse passado por tudo isso? ou os meus pais ainda estariam felizes e vivos, se eu não tivesse nascido?

Talvez eu nunca tenha as respostas.

Meu pai faleceu quando eu ainda tinha 11 anos de idade. Acidente de carro. Um motorista bêbado e irresponsável foi quem causou tudo isso. Eu e minha mãe não estávamos com ele, que veio a falecer na hora (é o que dizem).
Eu era criança. Chorei muito, mas depois, tudo passou. É como se aos poucos, eu fosse esquecendo. Já a minha mãe, nunca esqueceu. Sempre via ela chorando pelos cantos, com uma foto dele num porta retratos.

Quando recebemos a notícia, vi o mundo dela desabar bem na minha frente, e saber que eu não podia fazer absolutamente nada e que nenhuma palavra no mundo iria ser capaz de confortar ela, me machucava muito. E mesmo sentindo tanta dor vendo minha mãe sofrer, eu nunca demonstrei isso na frente dela. Sempre tive consciência de que ela já havia sofrido muito e não precisava de mais dor.

A minha família apoiou muito nós duas, mas é claro que sempre haviam aquelas "fofocas" que corriam pela família.
Minha mãe sempre cuidou muito bem de mim. Ela era mãe e nas horas vagas, pai. Me trazia quadros brancos e tintas para que eu pudesse fazer (segundo ela) lindas pinturas, das quais ela pendurava pelas paredes da casa.

Quando eu tinha 14 anos, ela descobriu um tumor inoperável. O problema é que ela me contou que era algo simples e que logo estaria curada. E então ela faleceu, nos meus braços. A sensação de perder alguém é algo quase inexplicável. Você sente um monte de coisas ao mesmo tempo. As dúvidas são as primeiras a aparecerem: como? quando? onde? porque?

Depois vem o nó na garganta: ainda não caiu a ficha, mas você sabe que vai cair.
Para alguns, o luto vem cedo. Para outros, ele demora a chegar.

Mas se tem uma coisa que eu entendo, é de perdas.

Na minha família ninguém me quis: todos já tinham suas responsabilidades e seus próprios filhos. Passei um tempo com minha avó materna e logo fui para um orfanato. Não fiz muitas amizades, as crianças de lá eram muito diferentes de mim. Há 2 anos atrás, quando fiz 15, resolvi escrever uma daquelas cartas de natal e enviar para o correio. Pedi qualquer coisa que pudessem me dar, e contei um pouco do que aconteceu comigo. A família que pegou a carta se emocionou tanto, que resolveram me adotar. Joana e Carlos, um casal extremamente rico, que tinham um sonho de terem muitos filhos. Mas infelizmente, não conseguiram.
Joana não podia ter filhos, pelas suas condições de saúde.

Eles se emocionaram com minha carta pois Joana perdeu a irmã e o cunhado da mesma forma em que eu perdi meu pai: acidente de carro. Incrível o destino, né? Ou trágico.

Estou feliz, pra ser sincera. Tenho uma família rica que me ama e estudo numa escola muito boa.

Na verdade só a escola é boa mesmo: alguns alunos são insuportáveis.
A briga da minha família, na verdade, era pelos pertences dos meus pais. Eu não quis nada, deixei tudo pra eles. Mas a Joana me convenceu a ficar com uma coisa: o diário que minha mãe me presenteou, pouco tempo antes de falecer.

Eu nunca consegui escrever nesse diário. Aliás, sempre tive dificuldade pra me expressar de qualquer forma.
Acabei ficando com o diário, ao menos terei uma lembrança dela. Vou tentar usar ele.

Depois que meu tio descobriu que fui adotada por uma família rica, vem me visitar direto. Falso.
Meus pais adotivos sempre recebem ele muito bem. Eles dizem que temos que ser sempre educados, que é coisa da minha cabeça e que eu não deveria me preocupar com meu tio porque, segundo ele, é um homem de muito bom caráter.

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