Capítulo 2 - trike

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Enquanto corria, mancava um pouco, pois tive que pular de uma certa altura ao sair pela janela e me dependurar, diminuindo assim a distância que me separava do primeiro andar ao
solo, senti como que um choque nos pés ao tocar o chão  e isso me fez
desequilibrar e cair, jamais teria coragem de fazer isso não fosse a situação me obrigando.

Precisei abandonar meu carro na garagem, pois não conseguiria chegar até ele sem ser vista pelo monitoramento, peguei o primeiro ônibus que passou e assim que pude distanciar liguei novamente pra minha irmã. Ela estava em pânico, falava atropelando as palavras, como
costuma fazer quando está nervosa, mal respirava enquanto ia me relatando, tentei tranquiliza-la um pouco, não havia muito o que dizer, mas usei a clássica frase clichê: vai ficar tudo bem!
Novamente pedi a ela que fosse se abrigar na comunidade e me despedi. Ela disse que já estavam a caminho, como deduzi, ela já estava com Giovani, isso era bom.

Meu celular estava descarregando, sabia que tinha uma fita de empacotamento na mochila e tive a ideia de deixá-lo pregado abaixo do banco, assim ganharia tempo, seguramente eles
iriam tentar me rastrear ao descer entrei em outro ônibus que dê fato me levaria mais próximo de onde queria.

Havia me metido numa enrascada daquelas ao ter presenciando meu superior Freddy e meus amigos injetando a força a tal substância na Thalita, nossa irmã de farda, queria poder ir até ela e ajudá-la a escapar, mas não conseguiria, parecia àqueles pesadelos em que a gente não
consegue reagir.
Para meu assombro, ao que parecia ela teve alguma reação contrária ao
esperado, pois ela estava sendo reanimada manualmente, quando eles se viraram e me viram ali atrás deles.

Marcy havia dito chorando que eles tinham ido atrás de mim, ela os viu de longe, pensou em ir até eles pedir ajuda, pois não sabia até esse instante do que eu fugia, na cabeça dela seriam
de bandidos, eu deveria ter falado ao menos pra ela claramente sobre as descobertas, mas achava que assim ela estaria correndo um risco ainda maior, graças a Deus e a sua intuição
não falou com ninguém antes de me escutar.

Escapou por pouco, justamente porque saiu assim que telefonei, por ser neurótica como dizem, me antecipei e devido a isso que ela está salva, mesmo não esperando que iriam tão
longe assim, não desconsiderei, prefiro pecar pelo excesso.

Por sorte e providencialmente, jamais me separava da minha mochila, ainda mais saindo de um plantão.
Muitos curiosos me perguntavam o que carregava ali naquela imensa mochila preta e nem precisava mentir, apenas objetos pessoais, remédios, coisa básica, porém sempre escolhidos a dedo.

Iria direto ao hangar do Éder, infelizmente minha ultraleve trike não havia passado por revisão recentemente, havíamos combinado que seria na próxima semana, mas agora não teria esse tempo, era bem experiente, acumulava boas horas de voo.
Já havia conseguido contornar
voos difíceis, iria contar com a ajuda de Deus e com minha experiência, é claro.
Qualquer tentativa é melhor que se entregar, é o que tenho pra hoje.
Demorei mais que de costume para chegar até o hangar, normalmente fazia esse trajeto em carro, não tinha essas paradas que o ônibus faz e a cada parada meu coração dava um salto.
A impressão é que todo mundo sabia que estava fugindo.

— Vai voar com esse tempo? A chuva logo vai cair — me alertou o Éder — Lembra que não fizemos a inspeção, todavia? Não é uma boa ideia.

— Sim, lembro, mas preciso ir e agora! Me ajuda a levar até a pista?

— Ajudo, Jordana! Já que precisa mesmo fazer isso. Mas pra que tanta pressa, parece que está em fuga.

— E estou!

Ele arregalou os olhos levantando as sobrancelhas.
Quando ganhei um bom dinheiro numa indenização, fiquei pensando o que fazer com ele, como estávamos numa situação favorável financeiramente, me dei ao luxo de comprar minha
moto voadora, e desde então desenvolvemos certa amizade, ele me dava descontos nas manutenções e também na locação do hangar, queria poder contar tudo, porém era perigoso
saber demais nesse momento.

Tentei sorrir para despistar o nervosismo e pedi para que nunca falasse sobre mim com
ninguém e mesmo que falasse, sempre fui muito comedida em meus atos, tentava como podia não deixar rastros.

— Adeus, vida na cidade de momento ou será que seria pra sempre? — não tinha resposta pra isso, eram tantas indagações de como seria dali pra frente e como costumava ter na medida do
possível um planejamento de tudo, isso era angustiante.

Enquanto voava pensava em tudo que havia visto.
Parecia de fato um pesadelo, como pode a vida dar um rumo totalmente inesperado num segundo.

Queria uma vida pacata, casamento, filhos, viajar pra esquiar em La Molina ainda nem conhecia Chapada dos Guimarães e Fernando de Noronha, como havia pensando em fazer
quando tirasse de fato as sonhadas férias, seria pedir demais?

A partir de agora deveria viver no mais completo anonimato, distante de tudo, de todos, era uma fugitiva e o pior de tudo, sem ter feito nada contra a lei.

A ForagidaOnde histórias criam vida. Descubra agora