Capítulo 20 - Dont' cry!

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— Numa escala de zero a dez quanto você está cansada? — Vitor me perguntou quase ao
final da tarde no nosso segundo dia de caminhada.
— Seis! — não quis dizer que na verdade já estava quase oito, mas tenho tanta pressa em
chegar até minha irmã que mal quero parar.
— Quando quiser que paremos pra descansar me fala, porque se deixar por mim, enfim, já
sabe.
— Estou bem e essas grossas nuvens encobrindo o sol estão ajudando muito.
— É verdade.
— Espero que não chova.
— Não sei não, mas logo procuramos algum lugar para nos abrigar, hoje vai escurecer mais
cedo pelo jeito.
Desde o dia em que ele foi atrás de mim, nunca mais havíamos nos beijado, se por um lado
preferia assim, pois tornaria a despedida mais fácil, pelo outro sentia-me desapontada. Parece
que tudo a nossa volta inspirava romance, apesar de todos os perigos e do que pesava nessa
fase em minha vida.
Penso que ele tenha se arrependido, não fazia sentido o que Olívia disse sobre ele se confessar
apaixonado por mim.
— Encontramos nossa pousada! — Vitor falou quando descemos uns barrancos e nos
deparamos com um riacho, ao cruzá-lo, encontramos uma parte mais alta com uma pequena
caverna. Aparentemente não estava sendo habitada por nenhum animal, logo que averiguamos
com mais cautela constatamos que de fato poderíamos usar para dormir, caso chovesse
estaríamos abrigados.
Mais que rápido procuramos fazer uma fogueira. Vitor cortou alguns galhos ainda com as
folhas para vedar um pouco a entrada e fomos buscar água para ferver e já aproveitamos para
tomar banho.
A natureza estava sendo generosa conosco, claro que o fato de estar com ele facilitava a
minha vida, eu não tenho nenhuma experiência em vivência na floresta e ele tem sido um anjo
desde que me salvou.
— Somos sortudos! — ele falou.
— Acabei de pensar em como a natureza tem sido generosa. Faz parecer que é fácil viver
assim.
— Tem sido mais tranquilo do que imaginei, confesso.
— Pra mim só está tranquilo porque você está aqui. — Também confessei e ele me olhou e
nessa hora percebi o quanto isso me encantava nele, a forma como me olhava, eu queria poder
ter isso todos os dias.
A noite chegou e a lua estava em sua fase cheia, sua luz, ainda que amarelada, iluminava o
céu e apenas as estrelas que estavam distante dela conseguiam demonstrar seu brilho. Não
havia silêncio na floresta, grilos e rãs entoavam um coral ininterruptos.
O escuro da floresta era amenizado pela nossa fogueira. Conversávamos nesse momento
sobre astronomia, buracos negros, meteoros, aurora boreal, enfim, nada pessoal, até que
soltei que estava uma noite linda e que me remeteu a um passado distante, quando na
adolescência eu , Marcy e mais algumas amigas deitávamos na grama e ficávamos olhando o
céu estrelado, ouvíamos algumas músicas românticas e contávamos histórias.
— Sinto falta de músicas. — disse após me lembrar das que ouvíamos na rádio nessa época.
— Quem sabe na comunidade você consiga ouvir um pouco e matar a saudade.
— Humm, não sei! Eles não costumam usar eletrônicos, não me lembro de os ver usando
algum.
— Vem aqui!
— O que? — respondi ao ver ele se levantando e me estendendo a mão para que me
levantasse.
—Anda, vem!
Segurei na mão que ele me oferecia e impulsionando o corpo me levantei.
—Pensa em uma música!
— Como assim? Pra que?
— Para de ser tão racional, só fecha os olhos e pensa em uma música dessas que vocês
ouviam na adolescência.
Obedeci ao pedido dele e em minha mente veio a música Don't cry do Guns N'Roses.
Senti as mãos dele segurando suavemente minha cintura e me puxando para mais perto dele.
Respirei profundamente para sentir um pouco mais o cheiro de sua pele, havia também cheiro
de relva no ar.
Começamos a nós mover como se estivéssemos dançando música lenta, jamais havia dançado
esse ritmo com alguém até aquele momento. Apesar de que aquela canção não estivesse
tocando de verdade, procurei fazer com que de fato ela tocasse em meus pensamentos e a
sensação era indescritível. Quase comecei a cantar
Não havia ninguém na floresta para nos dizer que estávamos loucos, não havia ninguém além
de nós e Deus e eu pedia a Este com todas as minhas forças que nos unisse quem sabe algum
dia no futuro.
Deitada dentro da caverna ainda me lembrava da sensação de estar nos braços dele mais uma
vez.
Nossa fogueira ainda queimava lá fora, procuramos deixar ela com bastante madeira e íamos
alimentar ela no recorrer da noite para que não ficássemos no mais absoluto escuro.

A ForagidaOnde histórias criam vida. Descubra agora