Um clima sufocante, barulho por todos os lados, foi isso que encontrei assim que saí de casa
pela manhã. Até minha cama extremamente macia que parecia me abraçar e me colocar
rapidamente pra dormir, incomodou, ao contrário do que julguei que aconteceria, dormi mal.
Em parte não sei se por não estar acostumado a isso mais ou se porque não parava de pensar
sobre o caso de Jordana.
Iria passar na clínica veterinária que deixei aos cuidados do meu sócio Marcelo, durante o
tempo em que estaria fora e pela noite, caso houvesse alguma novidade sobre nossa
investigação, combinamos que Alexandre me ligaria informando.
Por sorte meu pai havia vindo periodicamente funcionar meu carro e assim manteve a bateria
ativa. Engraçado como poucos meses longe da civilização fizeram grande diferença no meu
modo de pensar e de encarar a vida, vivemos diariamente um consumismo que nos consome,
vivemos numa eterna correria, cruzando com milhares de pessoas todos os dias e nunca temos
tempo nem mesmo de olhar em seus olhos. Não percebemos muitas vezes que a maioria das
coisas boas, lindas são gratuitas e foi pensando nisso que nesse sábado inventei uma espécie
de piquenique num parque com meus pais, levaria algumas coisas para comer,
compartilharíamos um tereré, nada demais, apenas para conversar um pouco em meio a
árvores, eles certamente me contariam mais uma vez algum fato da minha infância e
sorriríamos de tudo isso.
Meus pais sempre gostaram de atividade física, me lembro de ter crescido indo com eles em
parques, se revezavam para cuidar de mim, brincando enquanto o outro ia correr. Poucas
vezes frequentamos shopping e quando íamos não era apenas pra passear, só íamos se de fato
precisássemos de algo. Tive poucos brinquedos, não fazia falta ter muitos, minha mãe sempre
me dizia: você não vai ter tudo que não tive em se tratando de coisas, mas terá tudo quanto
tive com relação a cuidado e amor e de fato isso sempre foi o bastante, quiçá por ser tão desapegado de coisas consegui ficar bem na floresta quero voltar ao final do mês para tentar
deixar da melhor maneira que for possível, vou pedir para Thiago me acompanhar e assim
como fizemos juntos, podemos desmanchar juntos.
Meus pais tem um pequeno sítio, vou analisar se consigo algum trabalho na minha área em
alguma fazenda nas redondezas e morar no campo, esse tempo na floresta me fez perceber
que já não quero viver cercado de prédios, sem quintal, longe da natureza.
Estava no estacionamento da clínica e uma ligação aparecia no visor do celular assim que saí
do carro, não tinha esse número, espero que não seja de nenhuma operadora de telefonia,
tenho preguiça de atender esse tipo de ligação, até porque quando é a gente que precisa falar
com eles é uma infinidade de tempo teclando esse e aquele número e outra infinidade pra ser
atendido.
—Tenho boas novas. — disse Alexandre, assim que me coloquei na escuta. — esse é um
número alternativo, tudo que formos falar sobre a Jô, falaremos por aqui.
— Conseguiu as imagens? — falei rapidamente. Jô, Jô, não soava bem sendo pronunciado por
ele.
— Ainda não, porém mais colegas de trabalho acreditam nela, pedi para que não
comentassem isso com ninguém, para ficar sofrendo perseguição já basta eu, enquanto ficam
de olho em mim, outros vão agir.
— Ótimo, ótimo plano.
— Você falou com Jordana? De que estamos empenhados em ajudá-la?
— Não, não há como falar com ela por enquanto.
— Caso falar, diga que farei o impossível para provar sua inocência.
— Ok. — foi à única coisa que respondi antes de desligar o celular. Era nítida a paixão que
ele nutria por ela, será que ele teria alguma chance? Ele tem boa aparência, está empenhado em ajudá-la, bom, se tivesse que ser assim teria que superar, apesar de isso não fazer parte dos
meus planos com relação a ela.
Entrei na clínica pela grande porta de vidro, havia alguns clientes aguardando seus pets,
Mariana uma de nossas funcionárias me sorriu como cumprimento e continuou seu
atendimento. Fiz um breve tour pela clínica e fui direto a nossa sala. Marcelo estava ao
telefone, apenas estendeu a mão para me cumprimentar.
— Grande Vitor, está de volta! — disse ele assim que terminou o telefonema.
— Pois é, me adiantei um pouco. Como estão as coisas por aqui?
— De vento em polpa! — disse animado.
— Maravilha!
— Temos um bom número de novos clientes.
— Isso é ótimo! — e estivesse pensando se talvez tenha interesse em comprar minha parte, o
que acha?— perguntei sem rodeios.
— Sério isso? Quer morar definitivamente na floresta?
Sorri.
— Na floresta não, pois não me pertence, mas penso em ir morar no sítio, quem sabe trabalhar
com animais de grande porte.
— Se tornar um homem do campo?
— É o que almejo!
— Entendi! Bom, é tentador ser dono dessa clínica, você fez um ótimo trabalho aqui.
— Pois dou preferência pra você caso for me mudar.
— Faça sua proposta e quem sabe fechamos negócio.
Nós havíamos nos conhecido na faculdade e quando Marcelo se separou precisou vender sua
antiga clínica para dividir o dinheiro com a esposa, também veterinária.
Ofereci a sociedade pra ele que prontamente aceitou, caso de fato queira vender, sei que estará
em boas mãos à clínica família pet.
Ao sair da clínica já estava quase na hora de encontrar com meus pais, sugeri um parque
próximo a casa deles, me encarreguei de comprar alguns lanches, muito embora sei que minha
mãe deve levar algo, ainda que disse pra não se preocupar que compraria .
Escolhi croissant, algumas Madalenas, sucos, torta de frango com palmito e um bolo de
chocolate que parecia delicioso.
— Me atrasei?
— Não, filho! Nossa! Quanta coisa comprou. — minha mãe comentou quando cheguei
segurando várias sacolas.
Ela havia forrado à grama e trouxe algumas frutas. Dessa vez não veio trazendo algo feito por
ela por incrível que pareça.
— Estamos comemorando algo, Vitor? — perguntou meu pai.
— A vida, a família, quero também compartilhar algumas ideias com vocês.
Comentei sobre minha vontade de mudar pro sítio, a venda da clínica e alguns detalhes de que
necessitaria ajustar para essa nova vida.
— Filho, me admira você no auge dos seus trinta e três anos querer viver assim, em um lugar
isolado.
— Não é isolado mãe. Isolado eu estava na floresta e tirando a falta que sentia de vocês,
estava bem. Creio que até vocês vão querer ir morar lá dentro de um tempo, talvez até
precisem fazer isso.
— Vitor, se é o que quer fazer, é uma ideia já amadurecida, não custa tentar.
— Obrigado, pai!
— Meu amor, tem mais alguma coisa para nos dizer? Tem algo incomodando? Um momento
ou outro te vejo perdido em seus pensamentos.
— Me apaixonei!
— Mas já? De ontem pra cá você conheceu alguém? — minha mãe perguntou incrédula.
— A conheci na floresta.
— Na floresta? De que forma, gente? Não eram só bichos e plantas? Achou uma Eva por lá?
— Quase isso! — não pude deixar de rir da minha mãe. — Ela estava numa ultraleve, sofreu
um acidente e eu a ajudei.
— Nossa, mas que história!
— Verdade, pai.
— E onde ela está agora? — continuou ele.
— Na casa de uma irmã.
— Pois vá buscar ela para nos conhecer.
— pediu dona Ana Marta.
— Assim que for possível, porém não sei se ela compartilha do mesmo sentimento que eu.
— Não seja modesto, qualquer mulher se encantaria por você.
— Troco o interesse de qualquer mulher por mim pelo interesse exclusivo dela.
— pensei, não queria que meus pais soubessem por enquanto o quanto queria a Jordana.
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A Foragida
RomanceNem tudo é o que parece. Jordana, uma policial exemplar que se vê em uma trama complicada. Passará a ser considerada uma fugitiva da justiça. Encontrará onde menos poderia esperar alguém que a ajudará a passar pelo pior momento de sua vida. Vít...