Havíamos feito o retorno à cabana em total silêncio, mais uma vez agarrada ao pescoço de
Vitor. Sentindo a respiração dele tão próximo, me fazia sentir algo diferente, estava ficando
difícil lidar com isso, lembrei-me do ensino médio, era super comunicativa, brincalhona com
determinado rapaz, bastava começar a olhar para ele com outros olhos que me tornava uma
Jeca sem saber o que fazer ou dizer.
Isso agora se repetia, estava me interessando por ele? Devo estar ficando louca mesmo, não
por se tratar dele, ele era apaixonante, incrível ter que desabar numa floresta pra encontrar
alguém assim, estava ficando louca porque deveria estar focada em sobreviver dali pra frente
e não querendo um crush.
— Você está engordando, daqui a pouco não consigo te carregar. — disse ele tentando
parecer sério e me colocando no chão, após subir as escadas.
— Poxa! Só podem ser as marmeladas. — rimos com gosto.
— Provavelmente! — ainda sorrindo ele completou. — Vou acender o fogo e já preparar
nosso jantar.
— Por que vocês não trouxeram nessas idas e vindas algo como um fogão a lenha desses
modernos?
— A ideia não era essa, era viver da maneira mais simples que pudéssemos e com pouco
conforto.
— Sei, mas tela na janela vocês colocaram né?
— Ah isso era um desejo meu, pior que as picadas de mosquitos é aquela cantoria no ouvido.
— Que frescura, moagem!
— Ah é? Então hoje a senhorita dorme fora da cabana sem frescura e sem moagem tá bom?
— Era só brincadeira, não me leve tão a sério. — falei fazendo uma expressão séria. Ele
apenas deu aquele sorriso discreto como fazia normalmente e se afastou. Estava tão lindo de calça tática verde-oliva, botas e uma camisa de tecido leve estilo Flamel, preta. Queria ter
acesso ao meu roupeiro nessa hora, não que fosse muito vaidosa, mas queria me sentir um
pouco mais bonita.
— Ahhhh! Agora pronto! Preciso me sentir bem cem por cento e ir à busca de Marcy, só
nisso devo me concentrar agora.
Entrei na cabana e deitei- me um pouco, me sentia um pouco cansada, com sono, não sabia
que horas era e apesar de não conseguir ver o crepúsculo, deveria ser umas cinco e pouco.
Não sei explicar porque, mas fins de tarde sempre me deixam nostálgica. Queria tanto saber
como Marcy estava, teria chegado bem na comunidade? Tinha tantas dúvidas e medos.
Procurei me ajeitar melhor no colchonete e puxei o fino lençol sobre mim.
Viver sem nenhum tipo de tecnologia era estranho, mas por outro lado não precisava seguir
uma hora definida como antes, se estamos com fome comemos, com sono, dormimos e isso é
libertador.
Estava deitada me espreguiçando, quando vi Vitor entrar, ele não desviava o olhar, foi se
aproximando sem dizer nada, ficou de cócoras perto de mim e tocou meus cabelos, meu rosto.
Eu apenas o olhava sem nada dizer também, quando ele se aproximou para me beijar não me
esquivei, na verdade quis diminuir a distância ainda mais rápido, parece que estava esperando
por isso, foi tão bom, porém o beijo foi rápido.
Abri os olhos assustada e Vitor estava realmente de cócoras, porém me acordando, pude
perceber que ainda estava fazendo um bico de beijo — QUE VERGONHA!
Era só o que passava em minha cabeça, devia estar até vermelha.
Até esperava que ele desse uma boa gargalhada na minha cara, porém ele não o fez, apenas
me disse que o jantar estava pronto, se levantou e saiu da cabana.
— Você não tem medo de animais selvagens? — falei saindo da cabana, ao vê-lo sentado
encostado na cabana e olhando pra cima.
— Sim, tenho! Porém às vezes seres humanos dão mais medo.
— É verdade! — respondi realmente concordando, ainda mais depois dos últimos
acontecimentos.
— Apesar de estar no hábitat de feras, procuro respeitar e me cuidar como posso.
— Correto! — falei dando um longo suspiro e olhando pro céu também. —Fazia tanto tempo
que não parava pra contemplar o céu e daqui é possível ver tantas estrelas.
— Sim, olha aquela árvore seca, parece árvore de natal com seus pisca pisca de tanto
vagalume.
— Que lindo! Há muito tempo não via vagalumes também, quando criança eu e minha irmã
gostávamos de ficar correndo atrás de vagalumes.
— Qual de vocês é a mais velha?
— Ela, mas parece ser eu a mais velha, minha irmã é super divertida, brincalhona, bem
moleca.
— Com o que estava sonhando quando te acordei?
— Que estava tomando milk-shake — ufaaaa, pensei rápido, isso deve convencer para
justificar meu belo bico.
— Hum, devia viver no shopping tomando milk-shake, né mocinha?
— Na verdade não, mas dormi pensando em coisas simples e que não sei se terei acesso
novamente.
— Você foi obrigada a sair da cidade?
— Sim, de certa forma e vamos jantar?— Ok! — mais uma vez tratei de sair o quanto antes do rumo que estava indo aquela
conversa.
— Sabe o que encontrei?
— Marmeladas!
— Nossa, como você gosta de Marmeladas, mas dessa vez ficarei devendo. — ele disse
sorrindo e eu sorri de volta.
— Encontrei gengibre e uma árvore de canela caso goste de chá, vou preparar pra mim antes
de dormir, qual prefere?
— Que coisa boa, vou tomar o mesmo que você, pois gosto tanto do sabor de gengibre quanto
de canela.
— Ótimo, vou aproveitar que a chama ainda fumega pra preparar, hoje será gengibre então.
— Estupendo! — enquanto ele descia as escadas, fiquei observando aquela floresta ao redor,
cheiro de mato, céu estrelado, tudo tão bonito, um homem lindo.
Quando estava saindo da cidade sentia como se tudo tivesse acabado pra mim, um vazio e
estar ali com Vitor, o que fazia renascer uma esperança, acreditar que ainda era possível
recomeçar, ainda que não fosse como antes, mas poderia viver de uma nova maneira, quiçá
fosse até melhor que antes e...
— Você sempre está tão distante.
Ele disse se aproximando de onde eu estava.
— Não quer dividir esse fardo?—continuou ele.
Senti um nó na garganta, sempre precisei resolver sozinha minhas coisas, Marcy sempre
estava comigo, porém era demasiado preocupada e eu procurava poupa- lá. Sim, pelo pouco
que o conheço, sinto vontade de desabafar.
—Eu não trabalhava como secretária.
Ele me serviu um pouco de comida, me entregou e sentou ao meu lado para comer.
—Trabalho na inteligência de Estado. Entrei para a área policial com vinte anos, era super
novinha.
Ele apenas me olhou, mas não fez nenhum comentário, eu esperava um: eu sabia que estava
mentindo, mas nenhuma pergunta até o momento, assim eu ficava mais tranquila para ir
falando.
Ele era maravilhoso mesmo, um ótimo ouvinte.
Assim prossegui...
— Há quatro anos fui convidada a fazer parte da inteligência, eu achava que seria bem mais
tranquilo que estar de frente com mafiosos, facções, pois normalmente não sabem quem
somos, estava enganada.
De um ano pra cá comecei a descobrir algumas coisas. — me dei um tempo, não tinha
vontade de narrar uma novela, um filme estaria bom.
— É claro que a inteligência artificial até o momento teve muitas vantagens e benefícios,
porém estão ultrapassando o limite do que é ético e seguro.
— Você se refere a Machine Learning?
— Mais que isso, não são apenas máquinas capazes de atingir um desenvolvimento melhor do
que seres humanos. São seres humanos convertidos em máquinas.
— Não entendi!
Ele parecia confuso e talvez também me tomasse por louca.
—Já existe uma substância na qual estavam trabalhando a algum tempo e que está finalmente
chegando no ponto que desejam, faltam poucos ajustes, mas já está em teste em humanos.
—Que substância? O que ela faz?
—Age rapidamente nos neurotransmissores, como uma espécie de droga aumenta a
dependência, aumentando a concentração de dopamina, cada vez que esse produto é injetado, menos a pessoa tem poder de decisão e quanto mais passa pelas aplicações, mas sentem a
necessidade de injetar novamente.
— Não sei o que dizer...
— Parece loucura, eu sei, mas...
— Acredito em você.
Fechei meus olhos e respirei profundamente, isso era um alento.
— E qual interesse disso tudo?
— Poder, riqueza... Querem tomar conta do mundo.
— Por isso você fugiu? Para não aplicarem em você?
— Na verdade eles aplicaram em mim uma vez, não fez efeito, resolvi permanecer mais um
pouco para ver o que mais descobriria, porém o que me fez fugir foi por ter presenciando sem
querer eles aplicando em uma colega minha e ela possivelmente deve estar morta nesse
momento — nem precisava falar nada, o olhar dele era perscrutador nesse momento.
— Eles injetaram em umas cinco pessoas, até onde sei, porém em mim não fez o efeito, eles
alegavam que aquela substância nos ajudaria a ter um raciocínio ainda mais apurado para o
trabalho, quando na verdade é o oposto. Além de querer descobrir o que há de diferente em
mim, pois certamente há mais pessoas assim e isso não é bom para o plano sórdido deles.
Também querem me calar.
— Isso é muito perigoso, estão indo longe demais.
— Exato!
— O que falta para eles darem como concluído, além de descobrirem uma forma de fazer
efeito em todos?
— Que não sejam necessárias muitas doses. Querem que seja algo único e com efeito
irreversível.
— Madre de Dio! — disse ele boquiaberta em castelhano.
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A Foragida
RomanceNem tudo é o que parece. Jordana, uma policial exemplar que se vê em uma trama complicada. Passará a ser considerada uma fugitiva da justiça. Encontrará onde menos poderia esperar alguém que a ajudará a passar pelo pior momento de sua vida. Vít...