Capítulo 14 - Ela se vai.

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Convenci Jordana que a levarei até a sua irmã, nunca fui para o norte, não sei o que
encontraremos pelo caminho, então hoje vamos nos preparar para partir amanhã.
Preciso pensar no que podemos precisar e no que levar para nós manter em segurança,
contudo, pouca coisa. Não queremos ficar fatigados já de cara por carregar peso
desnecessário. Certamente teremos que pernoitar ao anoitecer e só retomar na manhã
seguinte.
Dentro de mim sinto uma inquietação, talvez por saber que não voltaremos a nos ver, ficará
como a lembrança de um sonho bom, não há nada que eu deva fazer pra mudar isso , pois é o
correto a se fazer, dentro de alguns meses terminarei minha experiência de viver na floresta e
vou embora também, só não sei se depois de tudo que ouvi de Jordana conseguirei esperar ou
se já irei para casa falar com meus pais assim que a deixar sã e salva com a irmã.
— O que você está fazendo? — perguntou Jordana se aproximando de mim.
— Estou escondendo raspas de bambu seco aqui dentro desse bambu para termos como fazer
uma fogueira, caso sejamos surpreendidos por chuva e não encontre algo seco.
— Entendi! Fogo ao modo primitivo mesmo.
— Exato!
— Tem uma bússola? A minha não deve ter sobrevivido à queda.
—Tenho sim.
— Você está calado!
— Imagina, só analisando bem o que deveremos levar.
— Hum! Tá bom. Posso ajudar em algo?
— Sim, verifique o que temos pra comer. Vamos levar alguma coisa de reserva.
— Tá! Nem acredito que amanhã vamos procurar minha irmã, só agora percebi como está
grande a saudade dela. Você tem irmãos?
Ela falou se distanciando rumo à cabana.
— Negativo, sou filho único.
— Ao menos você ainda tem seus pais com você.
— O que houve com os seus? — desde o início queria saber, pois ela não falava em ninguém
a não ser na irmã, porém ela mantinha um silêncio de tudo e eu respeitei isso, notei que pra
ela era penoso tratar de certos assuntos.
—Tenho poucas lembranças deles, era bem pequena quando morreram num acidente, minha
avó materna, que era viúva, nos criou, porém ela faleceu quando eu tinha quinze anos e Marcy
dezoito.
— Nossa! Sinto muito. — realmente estava compadecido com o que acabava de ouvir.
— Obrigada! Sei que temos uma tia, porém nunca tivemos o mínimo contato, mora fora do
Brasil. Durante muito tempo tivemos apenas uma à outra, mas agora ela está noiva.
— E você...
— Não estou noiva!
— Eu sei disso — falei sorrindo.
Pra minha sorte você não está noiva ou talvez isso não quer dizer nada, pois estou prestes a
perder até mesmo sua companhia — pensei.
—Temos: pizza, macarronada, bolo de chocolate e marmelada.
— Quanta fartura! — respondi sorrindo pela brincadeira, ela estava debruçada apoiando
ambos os braços no bambu da sacada. Sorriu também mordendo o lábio inferior, puro charme.
— Mas ao invés de levar isso, penso que seja melhor levar o peixe seco, murici e raiz de
gengibre, o que acha? — falou ela ressaltando o que de fato tínhamos.
— Acho uma boa, nada de marmeladas.
— Ah! Delas eu não abro mão. — ela disse sorrindo outra vez.
— Ok, eu tenho umas castanhas guardadas também.

Não sei se a intenção dela era mudar de assunto ou se era apenas fazendo o levantamento que
eu havia pedido.
— Ótimo! O que você queria perguntar então? — disse ela voltando ao assunto anterior e caiu
por terra minha intuição de que ela estaria mudando de assunto.
Nesse instante ela vinha andando na minha direção, como naquelas cenas de filme em que a
linda mulher vem em câmera lenta com os cabelos ao vento, mas claro que ela não estava em
câmera lenta e assim logo já estava perto de mim novamente.
Cocei minha testa e nem sabia mais o que é que queria perguntar.
— Não me lembro. — fui sincero.
— É, chegar na senilidade com acuidade mental é pra poucos.
— Ah é? Senhorita marmelada! Eu tenho apenas trinta e três anos e você?
— Vinte e sete!
— Nossa, te dava uns trinta e pouco — resolvi pegar no pé dela.
— Você é um indelicado!
Eu não disse nada, apenas sorri ao ver que dessa vez ela não saiu brava, certamente sabia
que estava apenas querendo provocá-la.
— Vamos ao rio pela tarde? Quero me despedir.
— Claro, vamos sim! — por um breve momento havia me esquecido que ela iria partir.
***
Sempre que vínhamos para o rio eu lhe emprestava uma camiseta preta para que ela tomasse
banho, era a mais comprida que tinha, pra ela chegava um palmo acima dos joelhos, ficava
bem melhor nela, precisava admitir.
Assim que chegamos fomos mergulhar e ela ficou ali, flutuando na água, braços e pés
estendidos, contemplando o céu.
— Vou sentir falta daqui!
— Vai nada! Assim que te deixar com sua irmã vai esquecer-se de tudo.
— Quem esquece as coisas aqui é você e não eu.
Queria que ela dissesse que sentiria falta de mim, mas ela não diria.
— Até de você vou sentir um pouco a falta.
— Bom, um pouco já é alguma coisa.
Ela se sentou na água, abraçando os joelhos com a cabeça erguida e os olhos fechados.
Permaneci a olhando, fotografando com minha mente cada detalhe do rosto dela.
Fechei meus olhos também, para saber se quando ela já não estivesse ali, se conseguiria
lembrar de forma satisfatória, pude constatar que isso não era possível.
Abri os olhos e lá estava os olhos dela pousados em mim.
Não pensei duas vezes, aquele olhar era um convite e eu ansiava pra estar mais perto dela e
tomá-la em meus braços.
Dessa vez nenhum pássaro iria atrapalhar esse momento.
Estávamos absortos nos olhando e nos aproximando.
— Sabia que te encontraria aqui!
Jordana levantou automaticamente, era palpável o susto estampado em seu rosto.
— Thiago?
— Quando falei pra Olívia, sobre nossa cabana, ela não me deixou em paz enquanto não
resolvi trazê-la.
Olhei para a moça loira e magra que estava sorridente ao lado dele. Desejei que ninguém
soubesse do nosso paradeiro naquele momento, mas infelizmente a cabana era tanto minha
quanto dele, ele havia me ajudado a erguê-la e a trazer tudo que havia ali.
— Olá, espero que não se importem — disse ela de forma amigável, fazendo um vagaroso
aceno com a mão.
— Não, imagina tudo bem, apenas não esperava ver o Thiago por aqui mais.
— Pra você ver, não tinha como recusar o pedido da minha namorada. E quem é sua amiga?
Não sabia que iria buscar alguém.
Indagou, olhando pra Jordana que até o momento não sorria, parecia tensa.
— Essa é a senhorita marmelada.
Eles sorriram dizendo olá.
Chamei-a assim querendo trazer um clima mais leve, porém Jordana seguia séria sem nada
dizer.
— Acho que ela não gostou muito da surpresa. — comentou Thiago, com um pequeno
sorriso.
— Não é isso, desculpe se dei a entender qualquer descontentamento.
Tentou dizer de forma amistosa, mas eu já a conhecia um pouco, ela não estava nem um
pouco a vontade com aquilo.
— Vamos lá buscar as frutas para mais tarde, Vitor? — falou Jordana bruscamente.
— Ah sim, claro! Vão se refrescando aí, já voltamos. — sabia que ela queria combinar algo e
a segui após pedirmos licença.
— O que vou fazer? — perguntou-me ela assim que nos afastamos.
— Calma, ele não precisa saber de nada.
— Não quero que ele saiba pra onde vou.
— O que você acha de esperarmos mais uns dias para ir procurar sua irmã?
Ela me lançou um olhar suplicante, eu sabia o quanto estava ansiosa por isso, mas concordou
assentindo com a cabeça, olhando pro lado.

A ForagidaOnde histórias criam vida. Descubra agora