Cap 11: Memórias

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Chegar ao QG principal dos Ceifadores sempre me trazia uma sensação estranha. Era como estar cercado por algo antigo demais, poderoso demais, como se o próprio ar carregasse um peso invisível. O grande salão das Anciãs ficava no centro, protegido por imensas portas de madeira negra ornamentadas com runas que pulsavam levemente, quase como se tivessem vida própria.

Estava prestes a entrar quando senti alguém segurar meu pulso firmemente. Virei o rosto, já preparado para cortar o braço do infeliz que ousou me tocar, mas encontrei um homem estranho. Ele tinha cabelos prateados espetados, olhos vermelhos intensos e usava um terno preto impecável, com uma postura arrogante e confiante.

— E o que você quer no salão das Anciãs, cabeça de abóbora? — disse ele, com um sorriso provocador.

Fiquei em silêncio por um instante, apenas o encarando. Ele não era um Ceifador comum, isso era claro. Mas eu não estava de humor para joguinhos.

— Solta. — falei, mantendo a calma. — Ou você vai ficar sem o braço.

O homem arqueou uma sobrancelha, mas soltou minha mão, ainda com aquele sorriso irritante no rosto.

— Relaxa, eu só queria saber o que você queria aqui. — Ele ajeitou o terno com calma. — Meu nome é Hiei, sou um dos administradores.

Ah, claro... um administrador. Esse título não era apenas para efeito estético. Administradores estavam em um escalão acima dos Ceifadores comuns, e cada um deles tinha poder equivalente a cinco Ceifadores de Rank S. Não era alguém que eu deveria ignorar, mas também não era alguém que eu iria respeitar só porque ele achava que era importante.

— Tenho algo importante para falar com as Anciãs. — respondi, seco. — Elas disseram que eu poderia vir aqui quando quisesse.

Ele me lançou um olhar avaliador, como se tentasse entender por que as Anciãs teriam me dado tal permissão. Antes que ele pudesse responder, as portas se abriram sozinhas com um leve rangido, revelando o grande salão iluminado por luzes azuladas que pareciam flutuar no ar.

— Entre, Tatsuo. — a voz de Emi ecoou suavemente pelo salão.

Passei por Hiei sem dizer mais nada, mas antes de entrar completamente, levantei um pouco a abóbora, apenas o suficiente para mostrar minha boca e, com um sorriso debochado, mostrei a língua para ele. A expressão no rosto dele ficou impassível, mas eu pude sentir a irritação crescendo. Satisfeito, abaixei a abóbora e continuei andando enquanto as portas se fechavam atrás de mim.

No centro do salão estavam Emi e Mie, sentadas em almofadas, com pequenas xícaras de chá diante delas. O ambiente tinha um ar acolhedor, quase familiar, apesar do poder esmagador que emanava das duas. Elas me observaram em silêncio por um momento, como se tentassem decifrar o que se passava comigo.

Sem dizer nada, me aproximei e, antes que qualquer uma delas pudesse reagir, as abracei. Foi um gesto impulsivo, mas eu precisava disso. Precisava sentir que, mesmo com tudo o que estava acontecendo, eu não estava sozinho.

— O que foi isso? — perguntou Mie, surpresa, enquanto eu ainda mantinha o abraço.

Me afastei um pouco, tirei a abóbora da cabeça e, para minha surpresa, senti as lágrimas escorrerem pelos meus olhos antes mesmo de conseguir controlar.

— Desculpa... — sussurrei, passando a mão nos olhos, tentando limpar o rosto.

Emi, que parecia a mais tranquila das duas, deu uma risadinha suave.

— Então, você finalmente se juntou com o meu pai, não é?

Assenti, sem dizer nada. Era difícil colocar em palavras o que eu estava sentindo. As memórias de Tsuo ainda estavam frescas na minha mente, cada lembrança carregada de emoções intensas que eu nunca havia experimentado antes.

— Deve estar sendo difícil controlar todos esses sentimentos. — continuou Mie, com um tom compreensivo.

— São muitas memórias. — respondi, respirando fundo. — É como se eu fosse duas pessoas ao mesmo tempo. Mas... ele me disse que eu tenho que criar minha própria vida aqui, e não apenas continuar a dele.

As duas trocaram um olhar, parecendo satisfeitas com minha resposta.

— Nós vamos te ajudar, Tatsuo. — disse Emi, estendendo a mão para tocar meu ombro. — Você não está sozinho.

Por algum motivo, aquelas palavras foram o suficiente para aliviar parte do peso que eu estava carregando. Coloquei a abóbora de volta na cabeça, sentindo-me um pouco mais como eu mesmo.

— Obrigado... — murmurei, baixinho, enquanto uma nova determinação crescia dentro de mim.

Eu não sabia exatamente o que o futuro reservava, mas, com a ajuda delas e de Félix, eu sabia que estaria preparado. A guerra estava chegando, e desta vez eu estaria pronto para enfrentá-la de frente.

Elas me observavam com um misto de expectativa e cautela, como se esperassem algo grandioso ou terrível. O peso daquelas memórias, agora parte de mim, ainda era estranho. Era como carregar vidas que não eram minhas, mas ao mesmo tempo, eram.

— E então, Tatsuo... — começou Emi, quebrando o silêncio. — O que você consegue se lembrar das memórias do nosso pai?

Fechei os olhos por um instante, buscando as lembranças que pareciam mais vívidas. Quando os abri, olhei para elas, e uma sensação de melancolia me atingiu.

— Eu sei que ele... — comecei, a voz saindo um pouco mais grave do que eu esperava. — Eu sei que ele era um DarkMantes. E eu também sou agora.

Vi a surpresa nos olhos delas, mesmo que tentassem disfarçar.

— DarkMantes... — murmurei, deixando as palavras ecoarem pelo salão. — Uma raça tão antiga e rara que quase ninguém sequer sabe da existência. Nós não somos como os outros Ceifadores. As habilidades de um DarkMantes estão muito além do que qualquer outro poderia sonhar.

As duas continuavam em silêncio, me observando atentamente. Respirei fundo e continuei:

— Vocês, eu, Félix e Stephanie... nós somos os últimos. A última linhagem. Se essa guerra realmente acontecer, não haverá mais ninguém além de nós.

A tensão no ar ficou mais densa, mas eu sabia que elas precisavam ouvir isso. Essas memórias não eram apenas histórias do passado; eram uma herança pesada que agora estava sobre meus ombros.

— Quando vocês nasceram... — continuei, com um tom mais suave. — Ele sentiu uma grande alegria. Foi como se, por um momento, a guerra tivesse perdido importância. Vocês eram tudo para ele. É uma pena que ele não conseguiu ficar para ver vocês crescerem... e muito menos a mãe de vocês.

Mie abaixou a cabeça, e por um instante, o silêncio tomou conta do salão novamente. Eu sabia que aquilo tocava em uma ferida que nunca havia se curado, mas não era minha intenção causar dor. Era apenas... a verdade.

— A mãe de vocês... ela também morreu na guerra. — conclui, tentando manter a voz firme, embora sentisse a dor que vinha com aquelas memórias.

— Ele... ele nunca disse nada sobre ela. — sussurrou Emi, olhando para Mie.

— Ele não queria que vocês crescessem com o peso da perda dela. — respondi. — Mas agora eu entendo o que ele sentia. A dor, a responsabilidade, o medo de não ser capaz de proteger aqueles que ama...

Elas me encararam novamente, agora com uma expressão diferente. Havia algo mais ali, talvez compreensão, ou até mesmo respeito.

— Você carrega muito mais do que qualquer um de nós jamais carregou. — disse Mie, a voz suave, mas firme. — E, ainda assim, continua de pé.

— Ele me deixou algo além das memórias e do poder. — falei, com um leve sorriso. — Ele me deixou vocês.

Elas não responderam, mas pela primeira vez desde que entrei naquele salão, senti que não estava sozinho nessa luta. Nós éramos os últimos DarkMantes, sim. Mas enquanto estivéssemos juntos, essa linhagem não terminaria aqui.

Eu não sabia o que o futuro reservava, mas havia uma coisa que eu tinha certeza: não deixaria que essa raça desaparecesse sem lutar até o último segundo.

Reapers: Ameaça nas SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora