Eu não me lembrava o quão sufocante era estar aqui.
Amélia vista isso. Amélia faça isso. Eram tantas ordens, e havia um terrível e imenso contraste entre a vida que eu tinha e a vida que eu gostaria de ter.
Na vida que infelizmente tenho, sou apenas um fantoche psicologicamente e emocionalmente quebrado, nas mãos de um homem que diz que me ama.
Na vida que eu gostaria de ter, eu acordava todos os dias cedo, observava as crianças irem a escola, dava aulas de músicas e lia bons livros. Por cinco anos eu tive essa vida... O que poderia durar pela eternidade, se eu não fosse amaldiçoada.— Oi Amélia. — A mulher de cabelos ruivos, pele clara e sardas espalhadas pela face me olhou com entusiasmo e gentileza. — Sou sua terapeuta. — Ela estendeu a mão e eu a peguei sem muito esforço.
— Terapia? — Perguntei retoricamente e em seguida ri. — Desculpa, não quero invalidar ou menosprezar seu trabalho. — Eu fui sincera. — Mas para os traumas passarem e eu voltar a ser uma pessoa saudável, nós teríamos que entrar em uma máquina do tempo e voltar para o dia em quê eu nasci nessa família, e não deixar essa desgraça acontecer. — Ela anotou o que eu estava dizendo e em seguida me olhou.
— Você se sente muito afetada pelas decisões dos seus pais?
— Decisões do meu pai, na verdade. Mamãe era uma cristã ao cubo, submissa e paciente. Quase nunca tinha voz ou poder de escolha, coitada. — Me encostei na cadeira.
— Sente pena da sua mãe?
— De ambos. — Fui sincera. — Até mesmo de mim, Doutora. Estamos todos fodidos.
— Talvez fosse melhor começar a olhar para o futuro e tentar deixar o passado no passado. Na sua fala há muito remorso. — Eu franzi o cenho e cruzei os braços. Ela já me analisou rápida assim? Excelente.
— Isso é a única coisa que eu verdadeiramente aprendi a guardar: rancor. — Eu me estiquei para pegar um bombom e ela bateu rápida e de maneira leva na minha mão.
— Só se merecer. — Ela me alertou e eu bufei e revirei os olhos como uma criança contrariada. — Se continuar presa ao passado, vai acabar se destruindo. — Ela me olhou. — Aproveite os novos dias e tente ser diferente Amélia, não custa tentar sonhar com um futuro melhor e esquecer um passado tenebroso.
— Põe tenebroso nisso. — Relaxei a postura. — Você é terapeuta da máfia? — Ela balbuciou e não respondeu. — Você sabe que eu estou aqui por que atirei cinco vezes em um homem, por que de maneira incoveniente ele tocou em meu rosto, certo? Eu não consigo reagir de outra forma doutora. Eu entrei nessa sala procurando o objeto mais pontiagudo caso ficassemos em perigo. Desde que vi minha mãe se tornando um ser vivo morto, minha mente só pensa desse forma: ou eu mato, ou eu morro.
— Vamos fazer um exercício então? — A ruiva parecia não ouvir as atrocidades que eu estava lhe contando. Nem mesmo sua expressão mudava. Ela deve ser terapeuta do meu pai também para estar familiarizada com tanta merda. — Por que não tenta continuar sendo a Amélia que construiu nos últimos cinco anos? — Eu a encarei. Ela tinha feito o trabalho de casa.
— Por que era um disfarce.
— Não, Amélia. Era sua verdadeira face. — Ela sorriu. — A moça educada e gentil, que ama livros e músicas e se dá bem com crianças realmente existe e está aí, em baixo dessa máscara. — Ela pegou um doce e o deixou em sua mão. — O disfarce é esse: a mulher compulsiva que você se forçou a ser por que seu pai a incentivava e nesse mundo você só sobreviveria se fosse assim. Há um enorme contraste, mas eu sei que agora você pode decidir continuar sendo a Amélia centrada e saudável. — Suspirei pesado. — Ao menos me diga que vai tentar.
— Eu vou tentar. — Não era totalmente verdade, mas eu queria muito aquele bombom. Ela me deu ele e eu sorri genuinamente. — Gostei de você Doutora, pelo o menos dessa vez meu pai teve uma ideia descente.
— Fui eu. — Alec apareceu na porta e eu me virei para olha-lo. — A doutora Sam é ótima para nos ouvir. — Eu sorri. — E achei que com tudo você precisaria...
— Parece que nem tudo está perdido para os mafiosos então. — Ele estendeu o braço para que eu o segurasse, e então saímos do consultório.
— Hoje a noite, é seu jantar de noivado. — Revirei os olhos. — Rose já deve ter te contado, mas nós dois jamais apoiaríamos que seu pai fizesse isso com você, na verdade até ele mesmo o sabia e por isso nos pegou de surpresa.
— Eu sei Alec. — Eu o olhei. — O que aconteceu há cinco anos atrás e como você agora é chefe dessa merda toda? Não era você que queria sair disso tudo? Comigo?
— É complicado.
— Sempre é. — Rebati de imediato. — Eu te esperei por três horas. Quase deu errado para mim.
— Eu... Causei uma distração na festa, para que não notassem que você tinha partido. — Ele me olhou. — Se eu tivesse ido com você, poderia ser acusado de inúmeras coisas. Não se mexe com uma princesa.
— Você sabe que eu não sou uma princesa. Você me deixou sozinha no momento mais importante da minha vida. Você quebrou sua promessa e agora eu vou me casar com outro. — Me soltei de seu braço e entrei no carro no banco do passageiro, ele fez o mesmo e se colocou ao meu lado no banco do motorista. — Você é um covarde...
— Me desculpar não é o suficiente, eu sei. — Antes que eu dissesse qualquer coisa, o homem alto e de barbas por fazer se aproximou rapidamente e com a mão em minha nuca, me puxou violentamente para um beijo. Um beijo regado de saudades e desejo. Seus lábios ainda eram macios e carnudos, sua língua me acariciava com vontade, enquanto eu permitia que minhas mãos percorresem por seus cabelos agora lisos e em um corte baixo. Senti o banco do carro inclinar devagar enquanto eu ficava deitada e rendida diante daquele homem que por toda minha adolescência era o meu causador de sonhos e devaneios mais quentes.
Sua boca distribuía beijos pelo meu pescoço e nuca enquanto meu corpo arrepiado e meus seios entumecidos denunciavam que eu estava prestes a ficar nua naquele carro junto áquele homem. Ele parou de me beijar e analisou meu rosto.
— Você está ainda mais linda. — Eu sorri. Em meio a tanta desgraça, Alec sempre fora um pontinho de paz e prazer para mim. Sua boca deslizou sob meus seios, barriga e finalmente encontrara minha região íntima. Seus beijos, lambidos e mordidinhas me faziam gemer e contorcer dentro daquele pequeno espaço. O puxei com força para cima de mim e o encarei nos olhos. Eu precisava dele. Agora.
Alec que me lia tão bem, como eu leio meus próprios poemas, abaixou as calças e se sentou em seu assento, como um convite para que eu fizesse dele: meu assento.
Subi em cima daquele homem enrijecido, e o encaixe era além de perfeito. Gemi ao senti-lo dentro de mim, e entre rebolados, mordidinhas e beijos. Deixei meu disfarce de lado, apresentando apenas a face de uma mulher que um dia amou este homem e estava com saudades.
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A Face Do Disfarce
General FictionAmélia Blake é uma jovem mulher que vive sua vida pacata em um bairro suburbano, sustentando-se a custas de aulas de músicas particulares e um negócio virtual promissor de vendas de livros de segunda mão. Quando uma tragédia acontece em meio a sua...