Em Solo Hostil I

427 29 3
                                    

Longos dias depois de terem deixado Asgard, Lady Sif, acompanhada de Vidar, cavalgou por horas infindáveis, até finalmente chegar às terras de Muspelheim. Os dois não tiveram a chance de seguir pela Bifrost, pois o reino de Surtur era o único dos nove no qual Heimdall não poderia transportá-los, então, depois de chegarem à Niflheim, a terra dos gigantes, e perto da fronteira com Muspelheim, onde montaram acampamento por nove dias, e depois de reabastecer suas provisões, os dois asgardianos finalmente juntaram coragem para avançar rumo às terras do gigante de fogo Surtur. Sif bem sabia que tanto ela, por ser de Asgard, quanto Vidar não seriam bem recebidos em Muspelheim, e ambos estavam preparados para tudo assim achavam, exceto para o que encontraram quando de fato entraram naquelas terras.

Confirme se embrenhavam mais fundo na floresta de árvores mortas que cercava boa parte do reino, conduzidos por belos garanhões que pareciam saber magicamente qual caminho seguir para alcançar a pequena cidade – ou que talvez estivessem apenas seguindo a única trilha limpa daquela floresta – , o casal se deu conta de que algo não estava certo naquele lugar.

Veja bem, Muspelheim é o reino do fogo, e mundo das chamas, é o lar dos gigantes de fogo e também o lugar em que o sol nunca se põe; tão quente e árido que quase nada brota daquele solo. Lá nunca choveu ou fez frio, mas por alguma razão ilógica da natureza, estava começando a nevar em Muspelheim. Enquanto avançavam, perceberam a terra úmida sob os cascos dos cavalos, que pouco a pouco tornara-se lama e dificultava a cavalgada, pois parecia que tinha chovido incessantemente naquela terra nos últimos dias, e o solo que antes era arenoso, agora era um grande lamaceiro. Depois, veio o frio terrível; já estava frio quando atravessaram a fronteira de Muspelheim, e esse foi o primeiro sinal de que algo estava errado, porém, naquele momento, o frio estava insuportável, e nem as armaduras e nem as grossas camadas de pele de animais que ambos carregavam sobre os ombros foi capaz de aplacar o vento forte e congelante que chicoteava seus corpos. O segundo sinal de que algo estava errado não alcançou seus ouvidos, pois todo o reino estava no mais absoluto silêncio. Não ouviram a cantoria dos pássaros, e tampouco o caminhar das feras que habitavam aquela floresta; não havia som algum exceto aquele produzido por suas respirações. Ainda assim, continuaram a seguir a trilha, que ficava cada vez mais estreita e mais difícil de seguir, até que por fim esta os levou a uma clareira. Os dois pararam bem no meio do campo aberto, ainda sobre os cavalos, havia um pouco de lama ali também, mas grande parte estava forrada com uma fina camada de branco, porém, não havia sinal algum da trilha que deveriam seguir. Então os dois cavalgaram ao redor, perto das árvores e arbustos secos, mas nada acharam, a trilha havia sumido e os asgardianos estavam perdidos.

– Merda! – Lady Sif praguejou mais alto do que pretendia em um lugar tão quieto, diante do impasse que estavam, afinal, não havia mais caminho algum. Para onde deviam seguir? Foi uma longa e difícil jornada, ao que parece à troco de nada, até Muspelheim.

– Mantenha a calma, Sif, ainda podemos voltar por onde viemos. Não há nada aqui para nós, esta terra está abandonada – Vidar falou plácido, de cima de seu cavalo. Sua voz soou abafada, pois um lenço protegia sua boca e nariz do frio intenso, mas mesmo assim era possível ver sua respiração no ar.

A verdade é que, desde o início daquela viagem, o mal pressentimento de que algo ruim estava para acontecer deixou o coração do belo albino angustiado, tanto pelo receio, quanto dúvida, e ouso dizer também pelo medo. E tais sentimentos apenas se intensificaram quando atravessaram a fronteira de Muspelheim, os calafrios que Vidar sentia gelar sua espinha não eram causados apenas pelo frio, mesmo assim, o homem não deixou suas preocupações transparecer, afinal, sendo o espadachim habilidoso que era, estava ali apenas por Sif, para protegê-la caso fosse necessário.

– Não vamos voltar, droga! Eu tive uma visão, esqueceu? Não sairei daqui enquanto não descobrir se ela é verdadeira – respondeu a guerreira, irritada, deixando sua montaria para inspecionar melhor o lugar.

– É difícil esquecer quando você a menciona todo o tempo – Vidar murmurou, baixando o lenço do rosto. Porém, quando estava prestes a dizer outras coisas a Sif, sua audição aguçada captou um som incomum vindo das árvores próximas, o som inconfundível de galhos secos sendo pisoteados. Todavia, foi tarde demais.

Apesar de estarem onde estavam, ambos possuíam a guarda baixa, e o gracioso guerreiro foi quase pego de surpresa, pois uma flecha certeira foi atirada em seu pescoço. A ponta perfurou o tecido e a pele, mas Vidar foi ágil o suficiente para segurá-la no ar e impedir que a perfuração fosse fatal, ainda assim, o sangue jorrou em quantidade moderada da ferida. Vidar gritou de dor quando removeu a flecha e tapou o buraco causado por ela com a mão para impedir o sangramento, fechando os olhos por um segundo e curando o local, por isso não viu quando ou de onde a segunda flecha veio, apenas sentiu o impacto quando ela perfurou um pouco abaixo do joelho, onde sua armadura não cobria, e a dor aguda deixou sua visão esbranquiçada nas bordas. Lady Sif virou-se a tempo de vê-lo tombar do cavalo e cair de cara na neve, agora tingida de vermelho, antes de correr a seu encontro para socorrê-lo, pois compreendeu que tinham sido emboscados.

No mesmo instante, criaturas horrendas saíram detrás das árvores, todos armados, cercando-os. Não havia muitos deles, mas os dois asgardianos estavam em grande desvantagem em comparação, e logo começaram a atacar de verdade. Sif desembainhou sua espada e começou seu contra ataque, protegendo a si mesma e também Vidar, que ainda estava no chão, jorrando carmesim.

Entretanto, por mais que tentasse, a corajosa guerreira não foi capaz de lidar sozinha com o pequeno exército de Muspelheim, e em poucos instantes Lady Sif foi subjugada, mesmo quando Vidar finalmente se colocou de pé ao seu lado, com a flecha ainda alojada à perna e sua espada firme na mão direita, as criaturas os detiveram rapidamente.

Os cavalos, pobres coitados, fugiram assustados para sabe-se lá onde, levando em suas garupas as provisões e todo o armamento dos guerreiros, deixando-os apenas com suas espadas – que foram tomadas em seguida –, e naquele momento eles ainda não sabiam, um bom bocado de sorte.


Enquanto era amarrada e levada cativa pelo pequeno exército, Lady Sif não parou de pensar na má sorte que possuía, em absolutamente tudo, achava. Mais de uma vez ela foi alertada sobre os perigos de Muspelheim, porém ela não ouviu, pois aquele sonho não saía de sua cabeça. No fim, Lady Sif decidiu arriscar sua segurança e aventurar-se em solo hostil, e ainda arrastou Vidar consigo…

Confirme era escoltada para dentro da floresta morta, Sif olhou para trás, para seu amigo que também tinha sido detido; ele estava horrível. Mesmo que se esforçasse para não demonstrar fraqueza, Vidar era praticamente arrastado pelas criaturas, pois estava manco de uma perna e por onde passava deixava um rastro de sangue, cada passo era um suplício. E a neve agora era cor de rosa.

Não havia trilha demarcada, mas tinha marcações nos troncos das árvores, pequenas linhas riscadas com uma lâmina indicando para onde deveriam seguir, "se eu tivesse prestado atenção, isso não teria acontecido", pensou Sif, mas logo concluiu que acabaria da mesma forma, pois aquelas criaturas já estavam à espera de alguém, Sif e Vidar só tiveram o grande azar de chegar alí primeiro.

Continuaram a marcha por quase três horas, e a cada momento Sif se virava para ver como estava Vidar; vivo, mas tão pálido, Sif teve dificuldade em discernir com clareza se a pele pálida era fruto do ferimento que sofrera ou apenas o tom natural da sua pele. Eles estavam quase alcançando a cidadela de Muspelheim, onde provavelmente encontrariam um trágico fim. Todo o percurso até lá foi silencioso, ninguém falou ou resmungou, e seus passos mal eram ouvidos, pois as criaturas sabiam bem onde pisar para passarem despercebidos. Então, subitamente ouviu-se um grande estrondo, seguido de um rugido assustador.

Os servos dos gigantes de fogo alarmaram-se e levantaram armas, apontando para todas as direções pois não sabiam de onde o barulho não humano tinha vindo, mas pareciam saber a quem pertencia tal som. Então fizeram um círculo ao redor dos prisioneiros, esperando por um ataque que não veio. O rugido foi ouvido outra vez, dessa vez mais próximo, e as criaturas puderam identificar a localização do inimigo. Vidar esticou-se entre a muralha de corpos vivos ao seu redor para visualizar a criatura e foi bruscamente empurrado, seu coração falhou uma batida quando viu do que se tratava; era um urso. Um gigantesco urso de pelagem marrom, quase tão negro quanto os seus olhos, estava longe mas vinha a toda velocidade em direção aos seus algozes, e ficava cada vez maior. A criatura parecia ter triplicado seu tamanho e flora alguma sobrevivia a sua passagem, pois seus passos ferozes esmagavam as raízes das árvores. Então, pela terceira vez naquele dia, o forte rugido do urso foi ouvido, seguido de perto pelos gritos de fúria dos captores, e um grande ataque se iniciou pois o feroz urso os tinha alcançado. Flechas foram lançadas e espadas foram apontadas, porém, mesmo estando armados, o grupo de guerreiros não foi capaz de deter a fera selvagem, e rapidamente mais da metade jazia sem vida sobre a neve.

Sif, sempre perspicaz, aproveitou o momento de distração para tentar se libertar; apanhou a espada de um cadáver e cortou as amarras de Vidar habilmente, em seguida, pegando a espada das mãos de Lady Sif, Vidar libertou a guerreira. Depois, puseram-se a correr para o mais longe possível do tumulto.

O urso gigante não os atacou, não parecia se interessar por eles, mas nenhum dos dois quis arriscar permanecer perto.

Infelizmente os asgardianos não puderam ir mais longe, os ferimentos infligidos em Vidar não o permitia ser tão ágil quanto Lady Sif, e o guerreiro desabou sentado, encostado em um tronco de árvore e chiando de dor.

– Pelos deuses – Sif murmurou, abaixando-se ao lado do albino e examinando atentamente seus ferimentos, o joelho era o pior.

– Estou bem, apenas alguns arranhões – Vidar comentou com um pequeno sorriso que transformou-se em uma careta de dor quando Sif colocou a mão sobre a flecha ainda alojada em sua perna.

– Melhor cuidarmos disso logo, antes que piore. Acha que consegue curar? – questionou Sif, preparando-se para remover o objeto pontiagudo.

– Não sei – respondeu honestamente – Usei muito do meu Seiðr para me manter de pé enquanto fomos capturados, preciso repor minhas energias.

– Certo, resolveremos isso. Está pronto? Irei removê-la agora.

Vidar respirou fundo e apertou a mandíbula preparando-se, porém antes que Lady Sif pudesse fazer mais alguma coisa, o som da criatura deslocando-se rapidamente foi ouvido, estava bem próximo a eles, tão próximo que os dois não puderam levantar e fugir.

Quando Sif se virou o monstro pardo estava parado à sua frente. Diante dos asgardianos, o urso colocou-se sobre as patas traseiras e rugiu alto o suficiente para que o som ecoasse por toda a floresta. A espada escorregou das mãos da guerreira, e ela deu um passo para trás, escondendo Vidar com seu corpo e engolindo seco, pois teve a certeza de que estava prestes a morrer.

DegeneradoOnde histórias criam vida. Descubra agora