As Aparências

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Era dia, assim achava o povo.
O sol deveria estar brilhando ofuscante sobre os céus, mas isto não acontecia a tanto tempo em Asgard, que a população começou a acostumar-se às manhãs nubladas.
Capas e cobertores de pele tornaram-se ainda mais comuns para os asgardianos, eram necessárias três ou quatro camadas de peles para dormir confortavelmente aquecido nas noites mais frias daquele longo inverno.

A noite de núpcias de Loki foi uma dessas noites congelantes. Apesar de ser um Jotun, quando Loki assumia sua forma asgardiana, ele perdia sua tolerância ao clima frio, parecia até ser mais afetado que os outros ao seu redor. Por isso, assim que Thor o abandonou na noite passada, e o moreno pôde acalmar os nervos, ele jogou-se na cama e tratou de cobrir-se com todas as peles que encontrou. Estava muito frio, e as vestes que ele usava não serviam para aquecê-lo de forma alguma, mesmo assim Loki não as tirou, cansado demais para realizar tal tarefa.

Loki cobriu-se inteiro, dos pés à cabeça – questiona-se como o deus conseguia respirar embaixo de cobertas tão grossas e pesadas – e foi assim que Thor o encontrou pela manhã quando foi visitá-lo em seu quarto.

Eles não dividiram a cama na noite passada. Depois de dar por encerrada a discussão, Thor se encaminhou para seus aposentos pessoais, bem longe de Loki, e quando chegou lá, Jane já o esperava. O deus do trovão estava irado, mas assim que ele avistou sua mortal, a raiva rapidamente evaporou e o príncipe relaxou. Naquela noite tempestuosa, ele fez amor com Jane Foster e fingiu que era com ela que estava casado. E quando inevitavelmente a noite chegou ao fim, Thor precisou deixá-la, repousando adormecida em seus lençóis, dando a esta um beijo nos lábios rosados como forma de despedida, mas também a promessa de que retornaria mais tarde.

O loiro chegou cedo ao quarto do marido, afinal precisava passar a impressão de que haviam dormido juntos para quem viesse vê-los. Thor sentia que não existia esforço algum da parte de Loki para manter as aparências; não houve durante o "noivado", não houve durante a cerimônia, e Thor tinha a certeza de que não haveria agora que estavam de fato casados, mas ao menos da parte dele – de Thor – teria algum esforço, dobrado se preciso, pois, acima de tudo, Thor sempre cumpria com sua palavra.

Assim que pôs os pés no cômodo, a outra coisa que o deus do trovão notou, além do amontoado de cobertores sobre a enorme cama, foi que seu elmo ainda estava jogado em um canto do quarto, rodeado por algumas flores sem sorte que foram brutalmente amassadas ontem. O deus o apanhou do chão, deixando-o sobre a escrivaninha, e dizendo a si mesmo que lembraria de guardar mais tarde.

Parado aos pés da cama, e bem vestido com sua capa, não a vermelha, outra, Thor era capaz de ver apenas um pouco da testa e os cabelos negros longos espalhados pelo travesseiro. O príncipe asgardiano chamou uma, duas e três vezes, mas Loki sequer se mexeu. A voz grave do deus do trovão não foi capaz de perturbar seu sono profundo.

O loiro ficou aborrecido por não ter êxito em despertar o marido – ele estava ficando facilmente irritado ultimamente – e puxou as cobertas com força, todas de uma vez. Loki soltou uma respiração longa – quase um gemido – ele parecia estar sonhando algo, e mexeu-se sobre a cama, mas ainda assim dormia.

Mesmo com as janelas e portas fechadas, o ar era frio dentro do quarto, e a lareira já tinha se apagado há muito tempo. Em seu sono, Loki encolheu-se, rolando para o lado e levando os joelhos ao peito, sua pele se eriçou, sentindo falta do calor das cobertas.

Sua veste embolou-se em suas pernas, e através da longa fenda do vestido, Thor era capaz de ver desde as fartas coxas leitosas e um pouco mais além, a posição de seu marido era extremamente… reveladora e a peça de pano não era capaz de lhe ocultar nada. Apesar disso, Thor não conseguiu desviar seu olhar, o loiro constatou que sim, as noivas não usavam nada por baixo, mas ele não pensou que seu irmão seguiria essa instrução à risca.

Loki mudou outra vez sua posição, agora esticando uma perna e dobrando a outra, permitindo a Thor ter uma visão ainda mais privilegiada quando seu vestido subiu um pouco mais. Mesmo que tentasse, Thor não parava de observar o corpo adormecido do marido, tão calmo e relaxado, ele não lembrava nenhum pouco o Loki de ontem. O loiro continuou a olhar para o lugar entre as coxas do moreno, não é que Thor nunca tenha visto a nudez de Loki, mas já fazia tanto tempo, e agora era diferente, tudo era diferente, e Thor apertou os lençóis que segurava entre seus dedos, franzindo o cenho.

Segundos transformaram-se em minutos, e estes passaram devagar, mas Thor continuava a velar o sono do irmão, absorto em seus próprios pensamentos.

Agora ele olhava para o pescoço pálido de Loki, ele quase podia ouvir os batimentos calmos de seu coração escondidos sob o colar que o príncipe exibia, e se Thor olhasse um pouco mais de perto, ele seria capaz de ver marcas desbotadas sobre a pele, representando a última vez que Loki tentou usar sua magia. Mas, ainda assim, era uma peça bonita de se olhar, para qualquer um que não soubesse seu propósito, ela parecia apenas uma jóia comum; além disso, a peça combinava perfeitamente com quem a ostentava.

Thor refletiu um pouco mais, até que o som de batidas o tirou de seu devaneio. Alguém lhe chamava à porta. Thor virou-se, assustado, e jogou as cobertas outra vez sobre o corpo de Loki, depois afastou-se rapidamente e foi até a porta checar quem era.

O deus abriu apenas uma fresta pequena da porta, o suficiente para quem quer que estivesse do outro lado visse apenas seu corpo e mais nada. A pessoa do outro lado o olhou com certa surpresa e desconfiança, e em seguida curvou-se, saudando-o.

– Bom dia, vossa alteza – disse o homem, Fandral, ainda sem erguer a cabeça – Desculpe incomodá-lo, mas trago um recado da rainha Frigga.

– Então diga – Thor persuadiu Fandral a continuar quando o mesmo calou-se.

Thor abriu um pouco mais a porta e saiu do quarto, prendendo um Loki inconsciente lá dentro. A porta bateu com um baque surdo, trancando-se, e Fandral afastou-se, levantando seu olhar para o deus do trovão.

– A rainha pediu para informá-los de que o desjejum será servido às oito da manhã, no grande salão. Ela falou que todos devem comparecer.

– Certo, e que horas são agora? – Thor perguntou, cruzando os braços sobre o peito e apoiando-se na parede.

– São oito e onze, vossa alteza – Fandral respondeu pontualmente, puxando um relógio de bolso de dentro da manga. Ele não usava armadura naquela manhã – Todos já estão lá, apenas esperando o senhor e o príncipe Loki para iniciarem a primeira refeição do dia.

Fandral era um dos guardas mais confiáveis e leais ao reino – todos os guardas eram confiáveis, porém seu charme, sua polidez e sua habilidade no manuseio de espadas, o destacava dos outros guardas, e ele era sempre convocado por Frigga para realizar qualquer tarefa – não há nada que ele não faça com um belo sorriso no rosto.

– Tudo bem, eu… Nós já estamos indo, obrigado por avisar – e dito isso, Thor entrou outra vez no quarto. Fandral teve apenas um vislumbre de pernas longas e montes de cobertores sobre uma cama desfeita antes de a porta bater em sua cara.

O deus do trovão suspirou, passando os dedos entre os fios de cabelo loiro, ele precisava se apressar.

Mais uma vez, ele tentou despertar o irmão, de todas as maneiras, chegando a apelar até mesmo para a dor quando agarrou a cintura magra do marido com as duas mãos e a beliscou de ambos os lados, sobre o fino tecido, forte o suficiente para deixar marcas. Loki soltou uma respiração profunda, todo o seu corpo tremeu e arrepiou-se, e seus dedos dos pés enrolaram, e depois acalmou-se. Thor assistiu tudo aquilo, ponderando sobre, e por fim desistiu.

O deus tirou as mãos sobre o corpo amolecido e adormecido do irmão e afastou-se, indo em direção à saída. Ele estava aborrecido, frustrado e faminto, e ainda por cima precisaria pensar em uma boa desculpa que explicasse o motivo pelo qual Loki não compareceu ao desjejum. Entretanto, antes de sair e já com a mão sobre o trinco, Thor deu uma última espiada no irmão, e Loki ainda permanecia tranquilo e de olhos fechados. Dando as costas, Thor finalmente saiu, batendo a porta com toda a força que possuía, fazendo as dobradiças rangerem alto.

Loki esperou algum tempo depois que Thor o deixou, certificando-se de que ele não voltaria, e finalmente abriu os olhos. O rubor lhe pintou a face assim que os abriu, e o deus da trapaça gemeu, cobrindo o rosto com as mãos.

A verdade é que ele havia despertado pouco depois de Thor ter ido atender a porta. O ranger das dobradiças, o abre-fecha da porta, e a voz aveludada de Fandral o tiraram de vez do sono. Loki ouviu atentamente toda a conversa, mas ainda assim não desejava comer ao lado daqueles anões que o ofenderam tanto na noite passada, de modo a forjar sua inconsciência.

O resto, bem, foi descuido dele.

༺༻

– Desejo um bom dia a todos, e peço desculpas pelo meu atraso! – Thor falou ruidoso, assim que adentrou o salão. Seus lábios eram adornados por um grande sorriso, que, mesmo incapaz de alcançar os olhos, podia enganar os mais simplistas ali presentes.

O cheiro de frutas maduras e carne assada perfumava o local, além do hidromel recém fermentado, pois não havia hora errada para beber em Asgard.
A mesa era farta, tinha alimento suficiente para prover também o almoço e o jantar daquele dia, mas os convidados eram poucos naquela manhã. Os elfos de Álfheim partiram bem cedo do dia, assim como Frey e Freya. Também não estavam presentes as outras deidades asgardianas, ou seus amigos, e Thor também não viu sinal algum de sua mortal.

Ainda assim, fingindo entusiasmo, o príncipe loiro cumprimentou a todos no salão, os quatro; Ivaldi e Edda, sua mãe e seu pai, lhe devolveram a saudação. Thor sentou-se à mesa, no lugar de costume; à esquerda do pai e de frente para a mãe. O deus do trovão a olhou brevemente e em silêncio, sua boca risonha não pronunciou palavra alguma, mas seus olhos diziam muito.

"Onde está Jane?", sua mente perguntou, e Frigga balançou discretamente a cabeça, em negação, e pedindo silenciosamente que Thor lhe falasse disso depois. Thor franziu o cenho, mas manteve-se quieto, afinal não estavam sozinhos na mesa. O deus do trovão também olhou para o pai, sentado à cabeceira da mesa, e este o olhou de volta com seu olho bom.

– Como o senhor está, meu pai? – Thor perguntou, agora mais contido, meneando a cabeça.

– Estou como sempre estive – Odin respondeu, sempre enigmático, e Thor não foi capaz de compreender nada.

Thor raramente entendia as coisas que seu pai dizia ou fazia. Para o deus do trovão, se tais ações ou dizeres não o ferisse, então tudo estava bem. Thor às vezes preferia viver confortavelmente à sombra da ignorância. Às vezes, o melhor era não saber o que se passava na cabeça do pai de todos.

– Onde está Loki, meu querido? – Frigga perguntou, sempre doce, porém curiosa e um pouco apreensiva, chamando a atenção do príncipe Asgardiano.

– É verdade! Onde é que está o príncipe Loki? Não me diga que vocês já estão brigados! – Edda se intrometeu, aquela mulherzinha. Ela estava a pouco mais de um dia ali e Thor já começava a pensar que ela falava demais.

– Oh não, claro que não. Meu marido e eu estamos bem – Thor começou e teve que morder a língua para não trocar as palavras e chamá-lo de irmão, afinal, não ficaria bem.

– Acontece que meu marido está exausto da nossa… primeira noite, se é que me entendem – Thor falou, e o sorriso que ele tentava manter era tão amarelo que beirava o embaraço. Mas ainda assim, Ivaldi gargalhou alto e bateu palmas.

– Oh, eu vejo que vossa alteza está retomando o controle que perdeu na noite passada – pronunciou Ivaldi, penteando a longa barba com os dedos infantis.

– E se me permite dizer, meu príncipe, é comum que o cônjuge pareça indômito no início, sabe, como as éguas selvagens. Porém, se você apertar bem o cabresto e lhe der duas ou três chicotadas fortes de vez em quando, num instante ele estará cativo e bem adestrado, pronto para o senhor! – Ivaldi terminou, num tom tão casual que parecia que todas as palavras ditas por ele eram certas, e aquele era um bom conselho.

Thor não gostou de ouvir aquilo, mas não concordou ou discordou da frase, principalmente quando ouviu a risada baixa e grave de Odin. O loiro olhou outra vez para o pai, e o velho rei estava erguendo sua taça para o rei dos anões, depois olhou para a sua mãe, e ela não esboçava nenhuma forte emoção, mas se Thor prestasse um pouco mais de atenção nela, notaria como os músculos de sua face estavam tensos e como suas narinas estavam um pouco dilatadas. O silêncio de sua mãe dizia muito, era quase ensurdecedor.

Depois, exceto por Edda, ninguém mais falou e o desjejum foi finalmente servido, com um pouco de atraso. Thor comeu, comeu e comeu, como fazia todas as manhãs, e, quando o deus achou que já tinha comido o suficiente, ele bebeu um pouco.

Quando todos já estavam fartos da comida, os dois Reis decidiram que gostariam de falar um pouco à sós, e saíram os dois – os três, pois Edda não perderia a chance de estar na companhia do pai de todos – rumo à sala do trono. Thor e Frigga ficaram sozinhos, acompanhados apenas pelos empregados que começaram a limpar tudo. O deus do trovão encarou a mãe e finalmente a confrontou.

– Por que Jane não comeu conosco essa manhã? – perguntou levantando-se, e sua mãe imitou o gesto.

– Eu pedi a ela que comesse em seus aposentos hoje.

O deus do trovão interrompeu o movimento e fitou outra vez sua mãe, as suas sobrancelhas subiram e depois desceram, unindo-se com um vinco entre elas. Havia um misto de surpresa e revolta em sua face rígida, e sua boca abrir-se para falar algo, porém, antes que pudesse dizer, Frigga ergueu a mão em sinal de rendição e começou a explicar tudo de uma vez ao filho.

– Para nossos convidados, Jane é só uma hóspede que está apenas de passagem, ela não é próxima à nossa família, e o desjejum de hoje foi algo pensado para os mais próximos e também a realeza de Nidavellir. O que Ivaldi e Edda pensariam se a visse grudada em você todo o tempo?

– Pensariam que somos amigos, e além disso, Jane também é minha convidada – disse o loiro enquanto cruzava os braços.

– Qualquer um que observe a maneira como você a olha, notará em um segundo que há algo mais entre vocês. Além disso, ela agora é sua amante, não ficaria bem, não é? Afinal, precisamos manter a discrição, ao menos enquanto nossos visitantes estiverem aqui – falou Frigga, segura de si.

Thor expirou audível, e cerrou os punhos, pois ouvir de sua mãe que Jane Foster era apenas a sua amante o ofendeu profundamente, afinal, era a verdade. Frigga deu um passo à frente e segurou os ombros do filho, confortando-o e acalmando-o.

– Você a verá em breve no almoço. Eu só lhe peço que tente controlar ao máximo seus anseios por ela pelas próximas semanas, até os anões irem embora, depois, vocês poderão fazer o que quiserem, eu não me importarei.

Minutos de silêncio seguiram, e, a contragosto, Thor se deu por vencido e aceitou as palavras de sua mãe, baixando a cabeça para murmurar para ela:

– Sabe que eu sempre faço tudo o que a senhora me pede – o deus do trovão disse enquanto afastava-se dela para deixar o salão.

Frigga recolheu suas mãos e as cruzou em frente ao corpo magro, e antes que Thor tivesse saído, a deusa lhe falou:

– Não dê ouvidos ao que aquele homenzinho diz, meu querido. Nem ele, nem seu pai sabem de tudo. Ah, e por favor, leve algo para seu irmão comer.

Então, o príncipe interrompeu sua marcha, e deu meia volta, indo até a mesa e pegando uma das poucas frutas que tinha sobrado, escondendo-a no meio de suas vestes e finalmente saindo. Frigga apenas o observou ir, enquanto balançava sua cabeça em negativa.

༺༻

– Quero tomar um banho, se possível agora – foi a primeira coisa que Thor ouviu quando retornou para o quarto do marido.

– E por que não tomou? – o príncipe asgardiano perguntou, enquanto revirava os olhos. Loki ainda estava do jeito que Thor o deixou mais cedo, ainda em sua cama, e cercado de cobertores, entretanto, agora o moreno de olhos verdes estava totalmente desperto.

– A água que tenho acesso é muito fria, e eu não consigo chamar os criados. Além disso, tenho fome. Quando meu café da manhã será servido? – Loki falou, enquanto alisava os cabelos, apático, e Thor só pôde rir dele.

– Certo, vossa majestade – o loiro começou, desdenhando – Se tivesse se levantado um pouco mais cedo, teria feito seu desjejum ao meu lado e ao lado de nossa mãe, mas como recusou-se a acordar, então ficará com fome até o almoço – disse o deus do trovão, sorrindo, enquanto aproximava-se da grande cama – Sorte a sua que sou um Deus benevolente – e tirou o fruto que escondia consigo, jogando-o sobre os cobertores.

Loki olhou o fruto e depois o marido, indignado.

– Me trouxe uma maçã? E espera que eu coma só isso? Eu sou um príncipe! Não vou comer a droga de uma fruta enquanto você se farta de carne e álcool – Loki indagou, segurando a maçã entre os dedos e a jogando com força no rosto do marido, por sorte Thor foi mais ágil e se esquivou. A fruta bateu em um móvel e rolou para algum lugar do quarto, desaparecendo de vista.

– Era isso, ou nada, e você escolheu o nada. Então fique com fome, não é problema meu. E sobre o seu banho, – Thor continuou, removendo sua capa e a pendurando sobre o encosto de uma cadeira próxima, onde sentou-se em seguida – Eu não vejo problema em você se lavar com água fria, afinal você é um Jotun, não sentir frio é uma das suas características. Sua pele deve ser tão gélida quanto o seu coração, não é? Que diferença faz se a água está fria?

– Vá se danar, imbecil! – Loki berrou, batendo os punhos sobre as cobertas – Eu quero meu banho, e quero agora!

Thor bufou pelas narinas e rangeu os dentes, Mjölnir foi tirado de sua cintura e deixado sobre a cadeira em que estava sentado. O Deus levantou-se e agarrou o pulso magro do marido, sentindo o bracelete sob os dedos grossos, e arrastando-o para fora da cama. "Pois bem, terá seu banho", foi só o que ele disse.

– Me solte, seu bruto! O que pensa que está fazendo?! – Loki esbravejava, enquanto Thor o arrastava sem qualquer delicadeza até o cômodo ao lado, e o empurrava bruscamente dentro da banheira, sem sequer despi-lo.

Para Thor era uma piada, mas Loki debateu-se e chutou dentro da banheira de água fria, cheia da noite anterior, entretanto, Thor o segurou firmemente no lugar com uma única mão, enquanto despejava sobre a cabeça do moreno todos os óleos e sais de banho que via pela frente. Loki gritava de raiva, e gritava coisas incompreensíveis, enquanto Thor o afundava sob a água e o puxava de volta, lavando-o como uma boneca de pano, fazendo água e espuma espirrar para todos os lados.

Enquanto lutava para controlar sua respiração, Loki conseguiu agarrar com as duas mãos um punhado dos fios loiros da cabeça de Thor, e os puxou com toda a força que possuía, usando até mesmo um pouco de magia. E assim que o fez, Loki sentiu imediatamente o colar apertar e coçar em volta do seu pescoço, lhe tirando um pouco do ar, e sentiu sua pele arder sob os braceletes, mas ainda assim continuou usando seu Seiðr. Thor gritou de dor e seu rosto ficou rubro pelo esforço que fazia para não acabar caindo dentro da banheira fria, mas no fim acabou cedendo, pois a dor em seu couro cabeludo era agonizante, e afundou dentro da banheira junto ao marido.

O príncipe Loki aproveitou a oportunidade e saiu às pressas da banheira, ofegante e meio tonto com o pouco ar que lhe restava, o príncipe correu de volta para o quarto, mas acabou escorregando na barra do vestido ensopado, que agora parecia quase transparente e não escondia absolutamente nada, e caindo sobre o chão de pedra branca. Tossindo alto e com ambas as mãos sobre o pescoço, o deus produzia um som esquisito e ruídoso sempre que respirava, a coceira que sentia antes, agora queimava lentamente sua pele, deixando-a toda avermelhada ao redor, e Loki sentiu aflição e grande dor, pois sabia que aquilo só findaria quando ele se acalmasse o suficiente, ou apagasse. O moreno fechou os olhos apertados e tentou respirar fundo, para acalmar o coração, mas sua respiração saiu tão rouca e dolorida que Loki não a reconheceu, e o deus encolheu-se em posição fetal, ainda com as duas mãos sobre o pescoço, porém, até o leve toque de seus dedos o incomodava.

Loki permaneceu assim por um momento, agarrado a si mesmo e tremendo de frio, deitado sobre o chão, até sentir grandes mãos segurarem com cuidado seu rosto e a voz preocupada de seu marido lhe chamar.

– Mantenha a calma, certo, por favor – pedia Thor, inquieto, mas Loki não compreendeu bem o que ele disse, pois o som de seu próprio coração batendo acelerado soava bem alto em seus ouvidos.

Thor o pegou cuidadosamente no colo e o carregou até a cama, e Loki podia sentir as gotas d'água que pingava do cabelo dele cair sobre sua face, e o quão molhado as roupas dele estavam. O príncipe Asgardiano o depositou sobre os lençóis, sem se importar se eles ficariam encharcados , e afastou as mãos magras do colar, arregalando os olhos quando avistou a pele rubra.

– Vou chamar Frigga – murmurou o loiro, aflito, preparando-se para deixar o local, mas Loki agarrou sua manga e o impediu de ir.

– Não – o moreno sussurrou, e Thor o encarou, sem entender.

– Ela saberá como resolver este empecilho, e logo você estará bem – Thor respondeu, segurando seu antebraço, pois teve receio de tocar em suas mãos ou pulsos.

– Não – Loki repetiu, e sua respiração não era tão barulhenta quanto a de minutos atrás.

A última coisa que Loki desejava era que Frigga o visse outra vez nesse estado deplorável. O deus ainda se lembra de todos os olhares tristes e desapontados que sua mãe lhe lançara, e não desejava vê-los novamente. Além disso, ele agora era responsabilidade e propriedade de Thor, o loiro mesmo disse na noite passada. Ele não iria perturbar sua mãe por isso. Por tão pouco.

Em apenas alguns minutos, Loki passou do soberbo ao lamentável.

– Certo, certo, não irei chamá-la. Mas, então o que eu devo fazer? – Thor perguntou, retirando a cortina úmida de fios negros do resto do irmão, marido, dane-se!

"Nada", foi o que Loki lhe disse, franzindo o cenho e fechando outra vez os olhos para segurar as lágrimas de dor, elas surgiam espontaneamente. Então, Thor abandonou sua cama, e Loki pensou que ele deixaria o quarto, que o deixaria em paz, mas o loiro voltou com sua capa em mãos e a esticou sobre o corpo trêmulo e esguio do marido, depois puxou as peles sobre ele, e a última coisa que Loki se lembra é de Thor prendendo seus cabelos e murmurando algo com sua voz grave. Loki não tinha certeza se era uma canção de ninar ou alguma magia, mas soava familiar, como se ele já tivesse ouvido há muito tempo atrás. E então, ele verdadeiramente dormiu.

A magia naquelas joias simplesmente sugava toda sua energia.

༺༻

Estava quente. Bem, não tão quente quanto um dia ensolarado, daqueles de verão em que o sol é tão intenso que te faz suar e seus olhos arderem. Todavia, estava quente como o abraço de uma mãe. Estava aconchegante sob aqueles cobertores.

Loki abriu os olhos bem lentamente, sua visão ficou turva no início, mas logo melhorou e o príncipe olhou ao redor, estava um pouco escuro, mas havia luz suficiente para que o quarto não mergulhasse em trevas profundas; a lareira estava acesa e o som calmante do fogo crepitante quase o embalou novamente, mas o deus tentou manter-se atento, pois havia alguém sentado perto do fogo. Loki não conseguia ver o rosto da pessoa, mas tinha uma ideia vaga de quem poderia ser apenas de olhar para a cabeleira loira.

Thor, percebendo que Loki havia finalmente despertado, parou de admirar as chamas trêmulas e foi apressado para perto do irmão adotivo, agachando-se ao seu lado na cama. Loki sentou-se com pouco esforço, apoiando as costas na cabeceira e olhando para ambos os pulsos, que naquele momento estavam cobertos pela camisa de mangas longas que vestia naquele momento.

– Eu achei um pouco de unguento para cura em uma gaveta na escrivaninha – falou Thor, tão baixo que Loki teve que aguçar um pouco a sua audição para entender o que ele dizia, enquanto tomava a mão esquerda do Deus da trapaça entre as suas, a mesma mão em que estava o anel, e levantava um pouco da manga, a pele ainda estava em vermelho vivo, embora doesse menos – Eu passei ao redor dos pulsos e também no pescoço, mas não sei como está por baixo das joias.

– Minhas roupas… – Loki começou, e sua voz saiu tão rouca, como se estivesse resfriado.

– Eu as troquei. Você tremia muito enquanto dormia – e depois de explicar-se, Thor soltou a mão pálida, levantando-se do chão e dando as costas para o moreno, voltando-se para o fogo.

Loki estava positivamente bem, Thor pensou, ele aparentava estar um pouco afetado e cansado, mas estava bem. O longo descanso dele havia o revigorado, Thor achou, por isso, o Deus do trovão falou em seguida:

– Você não comeu absolutamente nada o dia todo – e Loki remexe-se sob os lençóis quando seu estômago fez um ronco constrangedor, puxando as cobertas para abafar o som, e foi quando percebeu que ainda estava coberto pela capa do irmão – Está quase na hora do jantar, então é melhor apressar-nos, se quisermos chegar a tempo.

– Hora do jantar? –Loki perguntou devagar, pois sua garganta arranhava.

– Você dormiu todo o dia, já é noite – Thor respondeu, ainda de costas, e Loki olhou para as janelas, entretanto, as cortinas estavam fechadas e ele não pôde ver o céu, mas imaginou que, se já era a hora do jantar, então a lua devia estar bem alta.

Então, o moreno tossiu alto e Thor virou-se para ele.

–  Tenho sede – disse com a mão no peito, e Thor foi até a escrivaninha pegar a jarra de água e um copo, servindo-o e entregando a Loki. O príncipe Jotun olhou para o rosto sombrio do marido e segurou o copo com ambas as mãos, bebendo todo o líquido em dois grandes goles, devolvendo o copo vazio ao irmão. E, depois de mais alguns minutos de silêncio, Thor finalmente falou:

– Precisamos ir agora, nossos convidados aguardam nossa presença – disse grave, de pé e com as mãos unidas atrás das costas, olhando para o espaço entre as sobrancelhas do irmão, para não ter que olhá-lo nos olhos.

– Eu não desejo me sentar à mesa, se aqueles anões estiverem nela – Loki falou, e Thor inflou o peito, segurando o ar e pedindo aos deuses paciência e equilíbrio em suas palavras.

– Irmão, já tivemos uma conversa parecida ontem à noite, e eu não pretendo repeti-la. Seu querer não está em discussão aqui, nem o meu. Nós precisamos, não, temos a obrigação de estar lá ao lado deles, até que eles partam, pois é por nossa causa que estão aqui. Eu só estou mandando, pedindo que você faça este imenso sacrifício, pelo tempo que eles estiverem aqui, depois você pode passar o resto de sua vida trancado aqui, que eu não dou a mínima – Thor falou tudo devagar e de maneira didática, como se estivesse conversando com uma criança, mas, embora seu tom soasse tranquilo, sua expressão não era, e suas palavras carregavam algum peso – E lhe digo mais: eu não lhe trarei mais comida, e nem Frigga trará. Se não comer conosco, então não comerá nada.

Loki ponderou a questão, e por fim sua fome lhe venceu. O deus colocou de lado as cobertas e levantou-se, mas o movimento brusco lhe causou vertigem e ele precisou amparar-se na mobília por alguns segundos, enquanto esfregava os olhos cuidadosamente com a ponta dos dedos.

– Não somos irmãos – Loki sussurrou, enquanto procurava por sua capa pelo quarto cheio de sombras. Onde mesmo ele a tinha jogado na noite passada?

– Eu sei – Thor respirou, recuperando sua capa do meio das cobertas e jogando-a sobre Loki – Use-a e vamos logo de uma vez.

Relutante, Loki a vestiu, e Thor destrancou a porta para que pudessem sair. Foi só então, à luz das lamparinas do corredor, que Loki percebeu que seu marido ainda usava as mesmas roupas úmidas de mais cedo.

༺༻

Havia mais pessoas naquele salão do que naquela manhã, e Thor sorriu para todos assim que os avistou. Loki estava logo atrás dele, mais pálido que nunca à luz das velas, procurando com os olhos por sua mãe, e assim que a avistou, sorriu para ela e somente para ela. Frigga acenou discretamente para ele, e os dois cumprimentaram-se à distância.

Os anões já estavam lá, e assim que avistaram os dois bateram palmas e abriram um grande sorriso, Ivaldi foi o primeiro a falar.

– Não os vi durante todo o dia, meus príncipes, imagino que desfrutaram bem da companhia um do outro – falou o anão, sem se importar se estava sendo intrometido.

– Sim, e finalmente o príncipe Loki nos deu o ar da graça. Eu mal posso esperar para sentir sua barriga! – Edda terminou empolgada, enquanto ia se sentar ao lado do marido.

– A barriga dele? – Jane Foster perguntou com curiosidade em sua voz, e só naquele instante, Thor se deu conta de sua presença, tão aturdido estava com a conversa dos anões. O loiro sorriu para ela, e a mortal lhe fez uma mesura, depois sentou-se.

– Minha esposa é capaz de sentir a vida crescer em alguém logo nos primeiros dias, é um dom – Ivaldi explicou, enquanto arrumava a longa barba castanha.

– É magia – Vidar corrigiu, aproximando-se dos príncipes e curvando-se para ambos – Boa noite. Vossa alteza é belíssimo esta noite – Vidar começou a falar, dirigindo-se a Loki, e pôde ouvir ao fundo a risada barulhenta de Balder; este já estava sentado a muito tempo, mordiscando algumas frutas.

Mesmo assim, o albino continuou com seus cumprimentos, estendendo a mão para Loki, e quando o moreno não a segurou, ele próprio a pegou e a levou aos lábios, beijando-a delicadamente, sentindo a frieza que emanava dela, e seu bigode fez cócegas na pele delicada. Vidar parou por um segundo, observando a mão pálida cuidadosamente, e deixando-a ir depois, olhando Loki nos olhos, e Loki retribuiu o olhar, enjoado. Tudo foi muito ligeiro, e ninguém pareceu prestar atenção ao ato exagerado.

– Sinto muito por não ter comparecido ao nosso duelo ao meio-dia – Thor falou meio segundo depois, cumprimentando Vidar com um tapinha nos ombros. Quase todos os dias, Thor reunia-se com seus amigos para um duelo de espadas. O prêmio; um barril de hidromel, e Thor quase sempre vencia.

– Foi realmente uma pena você ter faltado, meu amigo, mas eu compreendo que agora você tem assuntos mais importantes – disse, olhando de soslaio para Loki – Felizmente, Balder pôde duelar um pouco comigo, eu o derrotei quatro vezes seguidas – esta última parte foi sussurrada, e Balder bradou "que mentira!", de onde estava sentado. Thor e Vidar gargalharam alto, e os que estavam à mesa acompanharam os dois com suas risadas. Até mesmo o pai de todos, que mantinha-se sério desde que chegaram os dois, sorriu contido.

Por fim, os dois príncipes também se sentaram, e o jantar pôde finalmente ser servido. Diferente da noite passada, desta vez Loki comeu, comeu muito, mesmo que sua garganta estivesse dolorida e fosse difícil de engolir, ele comeu o suficiente para fartar-se até a noite seguinte, entretanto seu estômago parecia não estar cheio o suficiente, e ele continuou a comer. Provou da carne seca, do peixe assado, das tâmaras frescas, e até mesmo um pouco do hidromel, e ainda lambeu os dedos quando experimentou uma fatia de torta de abóbora. Quando finalmente se sentiu cheio e empurrou para longe o prato vazio, Vidar o encarou risonho, do outro lado da mesa onde estava sentado, e Loki ergueu as sobrancelhas para ele, inclinando a cabeça para o lado.

– Vejo que hoje vossa alteza tem apetite – comentou o albino – tão voraz que sequer usou talheres, ao contrário de ontem.

– imagino que a noite de núpcias tenha o cansado bastante, e por isso está tão faminto – Edda falou, olhando para Thor e dando risinhos insinuantes. Ivaldi a olhou torto, mas nada comentou – Agora que acabamos de jantar, eu posso sentir sua barriga?

– Não – Loki respondeu direto, e Balder explodiu em outra gargalhada estrondosa. Vidar lhe deu uma cotovelada para que ele ficasse quieto, mas ele ainda ria, tentando abafar sua risada com a mão grande.

Edda insistiu outra vez, mas Loki novamente recusou, da forma mais educada que poderia ser com aquela mulherzinha, porém ela não desistia, e quando aquela conversa tornou-se cansativa, Thor finalmente se pronunciou.

– Pelo amor dos deuses, Loki, permita que ela faça de uma vez, do contrário ficaremos aqui a noite toda – pediu o deus do trovão, pondo-se de pé.

Loki respirou fundo, mordendo a língua, se sua garganta não doesse tanto, ele teria rebatido aquela mulher, mas não valeria tal esforço, e naquele momento, até sua cabeça doía levemente. O deus da trapaça também levantou-se, ao lado do marido, e olhou ao redor da mesa, e os sete pares e meio de olhos o observavam, especialmente Jane Foster, que parecia especialmente tensa e curiosa a respeito. Loki então virou-se para Edda, em silêncio, e a mulher sorriu para ele, levantando-se e indo em sua direção, animada. Duas mãos pequenas foram colocadas sobre sua barriga coberta, e Edda o olhou de baixo. Havia grande expectativa apenas por parte dos anões e, talvez, Jane Foster, ninguém mais. Entretanto, lentamente o grande sorriso da rainha de Nidavellir foi murchando, e ela tirou as mãos, unindo ambas sobre o peito e olhando triste para Loki, como se estivesse prestes a lhe dar a pior notícia da vida dele.

– E então? – Ivaldi perguntou curioso, balançando as pernas sobre a cadeira grande demais para ele.

– Não há nada – ela respondeu cabisbaixa, e ninguém na sala pareceu surpreso – Talvez a semente não seja forte o suficiente – comentou Edda, e Thor sentiu seu ego ser lentamente chutado.

– Não diga isso, minha querida, além disso faz apenas um dia que estão casados, é muito cedo, amanhã você poderá tentar novamente – Ivaldi falou, confortando a esposa que parecia desapontada, e Loki precisou resistir ao desejo de revirar os olhos, era tudo tão patético para ele.

– Além disso – Jane se pronunciou pela segunda vez na noite, e todas as cabeças viraram-se para ela – Não importa o quão forte seja a semente, se o solo for infértil. Não importa quantas vezes você o regue, nada crescerá dele – e bebeu o último gole de seu cálice.

Agora foi a vez de Loki se sentir ofendido. Seu rosto adquiriu um tom avermelhado, e sua língua coçou para lhe dar uma bela resposta, mas antes que pudesse dizer algo, Vidar falou na frente, desviando o assunto para um caminho menos perigoso.

– Esta noite é a primeira lua cheia do mês, e o céu está milagrosamente limpo, devíamos todos ir lá fora admirá-la um pouco, sabe-se lá quando teremos outra oportunidade – disse levantando-se, e os anões concordaram. Thor não gostou da ideia de deixar Loki ao ar livre, ainda mais considerando a sua tentativa falha de fuga ontem à noite, mas seus amigos estavam lá, e poderiam cuidar de seu marido por um segundo enquanto ele falava com sua amada.

– Esta é uma ótima ideia, meu amigo. Se importa de ir na frente, acompanhando meu marido, enquanto eu busco por minha capa? – ele perguntou, trocando olhares discretos com Jane, e Vidar entendeu na hora.

– Será um prazer, meu caro, terei cuidado até que retorne – Falou o albino, depositando sua mão sobre as costas do moreno, e o empurrando gentilmente para fora do salão. Loki foi, a contragosto, mas virou para trás uma última vez, encontrando os olhos de Jane, que direcionavam para si o mais puro nojo, algo recíproco.

Odin e Frigga já estavam na grande sacada esperando-os, Edda e Ivaldi foram os próximos, seguidos por Loki e Vidar. Jane e Thor ficaram para trás, e quando não havia mais ninguém por perto, Thor a puxou para trocarem um beijo apaixonado.

Não era lento e delicado, mas sim rápido e selvagem, cheio de saudade, parecia que não se viam a semanas, mas não se passou nem um dia. Thor estava afoito, e Jane mais ainda, enquanto abria seus lábios para que o deus do trovão provasse o sabor deles. As línguas dançavam sensualmente uma com a outra, e quando Jane mordeu o lábio inferior de Thor, e puxou seus cabelos loiros, o Deus do trovão gemeu, mas de dor, e afastou-se, interrompendo a troca de carícias.

– Ai – disse afastando delicadamente a mão dela e colocando a sua no lugar, massageando o couro cabeludo.

– O que ouve? – perguntou sua amada, e sua expressão era de incerteza.

– É uma história longa.

– E essa história longa também explica o porquê de suas roupas estarem úmidas? – ela perguntou, baixinho, e Thor lhe beijou a testa.

– Lhe contarei mais tarde em meus aposentos, eu prometo. Mas, por favor, não tenha dúvidas ou receio sobre mim – pediu o deus do trovão, acariciando a bochecha corada de Jane, e beijando uma última vez seus lábios – É melhor que você vá primeiro.

Jane assentiu, lhe dando um último abraço, e saindo do salão.

Odin e Ivaldi mantinham uma conversa agradável, assim como Frigga e Edda, bem, Edda falava e Frigga apenas concordava com ela. E no canto da grande sacada, onde era possível visualizar a lua bonita e a grandiosa Asgard perfeitamente, estava Loki e Vidar. Balder não foi visto.

Loki apoiou-se sobre o peitoril e olhava para baixo, para as luzes da cidade dourada, para as ruas, para as pessoas que transitavam livremente por elas, para as crianças brincando, e ficou encantado, mas também deprimido.

– Vossa alteza está muito quieto esta noite – Vidar contentou ao seu lado, também admirando a paisagem.

– Eu não tenho nada para dizer a um tipo como você – Loki falou rouco, sua voz quase um fio.

– Sei que a maneira como lhe tratei ontem a noite foi imperdoável, e eu imploro seu perdão, meu príncipe – Vidar falou baixo, apenas para Loki ouvir. O príncipe olhou para os outros na sacada e ninguém estava prestando atenção, exceto Odin, que o encarava fixamente com seu único olho. Loki sentiu um longo arrepio percorrer sua espinha e tossiu, então Vidar apoiou outra vez a mão em suas costas e Loki sentiu um grande calor invadir seu peito e subir por sua garganta, e de repente não havia mais dor alguma ali. O moreno colocou os dedos sob a gola alta da roupa que vestia, tocando a pele ferida do pescoço, e não sentiu desconforto algum ali.

– O que você fez? – Loki perguntou baixo, de olhos arregalados para Vidar, e sua voz soou tão normal quando naquela manhã.

Vidar sorriu para ele, sem dizer uma única palavra, e segurou ambos os pulsos de Loki, e o príncipe sentiu o mesmo calor sobrenatural circular por seus pulsos, e no momento seguinte eles estavam curados, se não fosse pelo unguento que havia neles, Loki não pensaria que eles estavam machucados há meio segundo.

– Eu não sabia que você é versado em magia – Loki comentou, ainda olhando os pulsos, depois que Vidar os soltou.

– É um dos meus talentos – Vidar respondeu, ainda com aquele sorriso estampado sob o bigode branco.

– Mas não pense que apenas isso bastará para conquistar meu perdão – Loki completou rapidamente, erguendo o queixo soberbo.

– Eu não penso – Vidar respondeu, ainda gentil, e naquele instante Thor surgiu atrás deles, sem que se dessem conta, e também sem capa.

– Sobre o que vocês tanto conversam? – ele perguntou, sempre curioso sobre o que não era da sua conta. Os lábios estavam vermelhos e inchados, Loki notou.

– Eu só estava comunicando ao príncipe Loki da minha viagem para Muspelheim amanhã de manhã – Vidar mudou rapidamente de assunto, aparentemente ele era bom em fazer isso.

– Ir à Muspelheim? Pelos deuses, o que fará lá? – Thor perguntou, colocando-se entre Loki e Vidar.

– Negócios – respondeu enigmático – Sif irá comigo. Ela é quem está organizando tudo, por isso não comeu conosco esta noite.

– Neste caso, eu só posso desejar que faça uma boa viagem, e que por favor retorne logo para casa – Thor disse, e os dois homens abraçaram-se despedindo-se.

– Obrigado, meu bom amigo, e farei o possível para antecipar meu retorno.

Dito isso, os dois separaram-se e Vidar foi despedir-se de todos ali, sempre muito cortês. E por último, disse adeus a Loki, beijando outra vez sua mão, mas dessa vez não havia repulsa nos olhos verdes do deus. Depois afastou-se e deixou a sacada, indo embora, e Loki permaneceu em completo silêncio, mantendo sua mão no ar por alguns segundos antes de baixá-la e voltar seu olhar para paisagem, ansiando em seu coração pelo dia em que também partirá de Asgard, e não retornará nunca mais.

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