Eu carregava minha bolsa enorme nos ombros a algum tempo, meu estômago estava roncando e aquele sol praiano queimando meu rosto branquelo. Achei melhor ficar debaixo de alguns toldos das calçadas e talvez parar em alguma lanchonete, eu tinha pouca grana na carteira mas era o suficiente para um hambúrguer. O que poderia dar de errado se eu parasse pra uma boquinha? Se você pensou " Tudo!" Você está começando a aprender.
Enquanto caminhava, comecei a sentir um cheiro delicioso. Algo doce e azedo, como uma torta de amoras com chantilly fresco. O cheiro era praticamente cegante, eu mal conseguia guiar meus próprios pensamentos, apenas comecei a seguir aquele aroma inabalável e quanto mais perto, mais irresistível se tornava. Batatas fritas, hambúrguer com cheddar e donuts de chocolate ao leite. Eu flutuava em direção a aquela maravilha, até tropeçar no que parecia uma placa de lanchonete. Dei uma averiguada no cartão e meu olfato deveria estar apurado, pois eu acertara todos os itens do cardápio.
Eu deveria ter suspeitado desde o início toda aquela tranquilidade, o prédio era colorido e tinham algumas ondas desenhadas em suas janelas, a porta principal com entalho de um golfinho azul espirrando água. Bastante litorâneo, sem dúvida. Adentrei a lanchonete e um sininho ressoou, uma garota ruiva com bronzeado laranja estava atrás do balcão.
- Bem vinda ao " Sol nascente", como podemos ajudar? - A garota lixava as unhas sem se importar com a minha presença, tinha uma voz anasalada e os cabelos laranjas presos em um coque bagunçado.
Acenei com a cabeça e comecei a ler o cardápio, tudo era tão barato que eu parecia estar em um universo paralelo. Decidi pedir um hambúrguer triplo com refrigerante cheio de gelo, eu sei, bem americano. A garota digitou meu pedido na caixa de má vontade.
- Deu zero dólares e zero centavos. - Ela continuava com os olhos pregados na caixa registradora e não em mim. Naquele momento pensei que pudesse estar havendo um engano, mas achei melhor não retrucar. Aquela garota não era muito simpática e parecia não estar afim de conversa. Peguei minha nota fiscal e sentei na mesa mais afastada.
Foi aí que eu notei que não tinha mais ninguém na lanchonete. Além disso, eu tinha a sensação de que as janelas estavam cobertas pois eu não conseguia ver a rua dali de dentro. Comecei a analisar o local com o cenho franzido, me perguntando se era mais oportuno sair correndo dali ou o que. E pra ajudar, depois de cinco minutos uma garçonete de pele bronzeada e cabelos escuros me entregou meu hambúrguer, ela me fitou de cima a baixo, mas não com um olhar metido...Mas um olhar faminto...
Meu estômago embrulhou completamente naquele momento, decidi que era melhor não tocar naquela comida e sair dali o mais rápido possível. Pra qualquer pessoa normal, uma lanchonete não seria o lugar mais assustador do mundo, mas depois do que eu vira na minha casa na noite passada...eu precisava ficar atenta a tudo. E se mais monstros estivesse atrás de mim?
Levantei-me com a bolsa, meio constrangida. Os olhos verdes escuros da atendente me seguiram de esguelha. Quando torci a maçaneta da porta meu coração gelou. Estava trancado, não conseguia abrir de jeito nenhum. Forcei aquela droga desesperada fazendo muito barulho, até sentir uma mão forte no meu ombro, quando me virei...A garçonete tinha dentes pontudos horríveis. Unhas afiadas e um olhar dissimulado, uma de suas pernas era de metal e a outra lembrava a perna de um bode, peluda e cascuda.
- Onde pensa que vai queridinha!? Nem comeu seu lanche! - A atendente também virara aquela coisa feia e esquisita e estava andando lentamente até mim, enquanto a outra me segurava pelo ombro. Eu encarava as duas com olhos arregalados e a respiração descompassada. Eu estava morrendo de medo, é claro. Aquelas coisas de devorariam antes que eu pudesse contar 3.
- Vocês semideuses sempre caem nessa. Ou na comida barata, ou na nossa beleza e charme. - A de cabelos escuros ergueu meu queixo com as garras. - Tolinhos.
Tentei procurar alguma coisa para bater na cabeça dela ou talvez um momento de descuido para que eu saísse correndo, mas não havia nada ao meu redor.
- Olha. Eu não acho nada inteligente me devorar. Sabe? Eu sou tão magrela! Olha esses bracinhos. - Meu coração parecia estar pronto para saltar da minha garganta, enquanto a garota ruiva monstruosa trazia uma faca provavelmente para me fazer de picadinho.
Deslumbrei a morte naquele momento, passando diante dos meus olhos. Não tinha outra escapatória naquele momento, elas iam me picar e fazer hambúrguer de mim e não tinha mais nada que eu pudesse fazer.
Bem. Aí que eu me lembrei do ocorrido da noite passada. Lembrei-me de quando eu estava com muito medo, coisas aconteceram e me salvaram...E se eu conseguisse me concentrar e fazer aquelas estalactites malucas aparecerem de novo? Era o único plano que eu tinha.
Comecei a tentar puxar de dentro de mim todo o poder que poderia ou não existir. Achei que não daria certo, até que uma sensação de formigamento iniciou na ponta dos meus dedos, descendo pelo resto do meu corpo. O chão começou a tremer e de repente a quebrar em pequenas rupturas por toda a lanchonete. Desses buracos surgiam pedras de todas as cores, vermelha, verde, roxa. Ricochetearam pelas paredes, quebrando tudo com um tilintar.
As garotas monstras se encararam em choque completo e começaram a proteger as cabeças com as mãos. Foi aí que eu consegui escapar dos dedos afiados da Garçonete do mal e correr até a faca que a atendente derrubara no chão. Além de ser rápida, eu precisava desviar de ser acertada por uma das minhas pedras malucas.
Eu ergui a faca em direção a elas para que ficassem longe de mim.
A garçonete arreganhou os dentes.
- NÃO A DEIXE FUGIR, MEGARA! - Ela tentava fugir das pedras enquanto tentava correr até mim. Ela não conseguia fazer nenhuma das duas coisas direito, já que suas pernas estavam cortadas por culpa dos estilhaços de rubi que voavam por toda a parte.
- Não consigo chegar até ela , Kelli! São muitas pedras! - Megara conseguiu dizer antes de um lápis lazúli do tamanho de uma bola de beisebol acertar sua cabeça e ela desmaiar. Eu não sabia de onde eu estava tirando forças para invocar tantas jóias daquela maneira, mas quando percebi...as duas garotas estavam jogadas no chão e o lugar repleto de brilhantes coloridos, como se uma chuva intensa tivesse atingido o lugar.
As pedras cessaram e caíram chão, adentrando o mesmo como se jamais estivessem estado ali. Guardei a faca para emergências e o hambúrguer também. A maçaneta da porta estava liberada novamente e eu consegui sair do restaurante como se nada tivesse acontecido. Exceto pelas minhas roupas ainda mais surradas e os cortes nos meus braços, que não eram graves. Acelerei o passo quando percebi que alguns curiosos cercavam a lanchonete, provavelmente por culpa do barulho.
Eu já nem enxergava mais nada enquanto eu caminhava com pressa e sempre que eu estava com pressa, eu acabava fazendo alguma trapalhada. Naquele momento não foi diferente. Esbarrei em alguém.
- Desculpe. Eu estava andando tão depressa. - Disse o garoto de uns 16 anos, ele usava uma touca cinza e casaco bege de sarja. Me senti bastante constrangida quando percebi que o garoto usava muletas e eu tivera derrubado uma delas. Agarrei a muleta e entreguei para ele.
- Não, tudo bem. A culpa é minha. - Cocei a nuca envergonhada.
- Você por acaso viu essa garota aqui? - Ele puxou uma imagem borrada de uma garotinha de cabelos loiros escuros, olhos verdes e pele muito clara. Ela parecia estar em um jardim, na verdade. Estava no meu jardim, eu era a garota da foto. Arregalei os olhos e o garoto arregalou os olhos também. - Agnes!? Blackburn, Agnes?
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Agnes Morana e os olimpianos
FantasyAgnes tinha sérios problemas na casa em que vivia com seus pais adotivos. Coisas muito estranhas aconteciam com as paredes quando ela sentia raiva, pedras engraçadas surgiam do chão para protegê-la. Criaturas bizarras vinham em sua procura e uma voz...